DE BACH A BRANDÃO

DIÁRIO DO NORDESTE - 
Fortaleza - Ceará - 01/02/2007 - Caderno 3
Henrique Nunes
Condensado por Aura Edições

 


ROCKCORDEL - Ao lado de uma banda azeitada, Ednardo mostrou releituras mais rockeiras de sua obra no CCBNB
(Foto: Kid Júnior)

Descontraído, o cantor e compositor Ednardo mostrou seu rock-cordel
  e falou da sua vida, no Centro Cultural Banco do Nordeste.

Teatro e auditórios lotados até a tampa, Ednardo mostrou disposição desde o começo, entrando antes da apresentadora terminar. Depois de umas duas horas e meia, os 450 espectadores sairiam convictos de que o fortalezense continua muito ligado à cidade, conforme demonstrou ao comentar o abandono por que passa o Passeio Público, tema de uma reportagem do Diário naquele mesmo dia. Tema também de uma canção sua, do álbum “Berro”, de 1976, em que comenta os martírios de Bárbara de Alencar. Por sinal, ela e outros heróis da Confederação do Equador foram lembrados pelo cantor e compositor alencarino, ao longo da conversa com o jornalista Nelson Augusto e entrecortada por algumas canções, é claro.

A formação musical familiar, os primeiros contatos com a cidade, nas imediações do Joaquim Távora/Bairro de Fátima, os festivais e os grupos como o Pessoal do Ceará, a carreira fora do Estado, os parceiros e os amigos, os filmes e a Massafeira, as lamentações com o descaso institucional e pessoal com a cultura musical cearense, o interesse em participar de projetos de valorização desta atividade, a Padaria Espiritual, a Confederação do Equador, o rock de ontem e de hoje, foram algumas das considerações trocadas numa noite que registrou o recorde do programa “Nomes do Nordeste”, até então pertencente à entrevista-show concedida por Alceu Valença.

Piano, cordel e violão

Orientado pelo pai, Ednardo começou a tocar piano aos cinco anos, encarando um recital em um lotado Theatro José de Alencar quando tinha oito anos. No programa, Chopin, Bach e um mais complicado Stravinsky. “Errei”, confessou, lembrando que fez tudo para escapar daquela noite. Chegou a exigir que seu piano fosse levado ao TJA, o que foi feito em uma carroça, deixando-o devidamente desafinado.

Mas a relação com a música também teve outras matrizes, os cantadores (e os cordéis, por osmose), as programações diversificadas do rádio. Na adolescência, virou a cara contra o piano, em busca de um instrumento “mais portátil”, que pudesse levar para as serenatas apaixonadas. Da casa na Artur Temóteo com Lauro Maia, perto onde moravam ainda Fagner e Jackson Figueiredo, passou a “levar” também, além do romantismo de Evaldo Gouveia, um certo Beatles, cuja brasilidade lhe causara um susto, principalmente depois que o próprio George Harrison lhe disse, em pessoa, alguns anos depois, já conhecer sua obra e haver usado um maracatu no “Living in the material world”.

Antes do Pessoal do Ceará, foram vários grupos, gente que costumava farrear no Anysio, no Estoril, na Arquitetura. “Éramos suspeitos”, disse sobre a visão da polícia na ditadura, contra aqueles cabeludos todos. Tempos de festivais pelo Nordeste, inclusive de músicas carnavalescas, dos programas musicais ao vivo da TV Ceará, de muita “diversão”. Com direito a uma “pequena cacetada” na mídia local de hoje em dia.

Pessoal de lá

Em São Paulo, o Pessoal do Ceará foi dando um jeito. A turma acabou parando na TVE, fazendo uma ou mais músicas por semana para os convidados do programa Proposta. Um deles, o artista plástico Aldemir Martins, ganhou “Ingazeiras”. Foi o produtor Walter Silva quem descobriu o Pessoal. Em 73 mesmo, gravavam “Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem”, com a tal da “Ingazeiras” e ainda “Terral”, “Beira-Mar”, “Palmas pra dar Ibope”, de Ednardo, esta em parceria com a lembrada Tânia Araújo. “É nosso álbum branco”, frisou o beatlemaníaco interlocutor.

Ednardo lembrou um show para três mil pessoas, na UnB, em que teve que fazer uma “entrada cinematográfica”, caindo sobre o palco. Declarou que não sabe bem como a “Romance do Pavão Mysteriozo” acabou virando tema da novela “Saramandaia”, lembrou a participação de “Vaila” no Festival Abertura, um quarto lugar anunciado entre umas cachaças ao lado de Manassés. Por sinal, não faltou uísque no copinho de plástico, graças ao roadie. Era o “cauim”, lembrando o álbum de cearensidade estampada de 78, já adiantando um pouco o roteiro da noite.

Cearensidade forte

Ednardo defendeu que o maracatu não pode ter um formato estanque, lembrando as renovações de Descartes Gadelha, agora diante da batida mais acelerada proposta pelo Maracatu Solar, liderado por Pingo de Fortaleza. Maracatus sempre tem presentes em sua obra. “Sempre adorei maracatu, mas não venham me dizer que não há negros no Ceará. O Ceará é negro, é de todas as cores”, ressaltou.

Maracatu ressaltado no álbum “Cauim”, onde Ednardo pintou a cara com o negrume típico da arte. Um parêntesis para falar do livro feito com o parceiro Brandão, “Todas as noites”, em que comenta sobre “a pior dependência de todas, a dependência dos outros”. Por isso mesmo correu atrás de outro sonho e , numa rápida passagem por aqui, fez de “Cauim” também um filme, que acabou lhe valendo uma participação direta no movimento Massafeira, durante quatro dias de atividades ao lado de gente mais nova como Mona Gadelha, presente à noite. Lamentando o fato de seu documentário-ficção-sonho ter sido picotado pela ditadura, e lembrando do abandono do Passeio Público e de toda a memória de uma cidade que deveria chamar gente da própria cidade para comemorar seu aniversário.

Ednardo agradeceu a homenagem do festival “Rock Cordel”, título de uma música do álbum de 83. E lembrou que as 86 bandas participantes devem sim algo, “antropofagicamente”, a seus antecessores. Assim como ele deveu, um dia, a um certo John Lennon cuja genialidade conheceu em uma Feira de São Benedito. No final, teve ainda espaço para lembrar da “Padaria Espiritual” e de sugerir, com ar visionário, que a “seriedade” do atual secretário de Cultura do Estado, Auto Filho, não seja demasiada.

HENRIQUE NUNES
Repórter

Porque cantar é não se esquecer...

Com os companheiros de estrada Luís Miguel (baixo), Nilton Fiori (percussão), Mimi Rocha (guitarra) e ainda dos mais jovens Ítalo Almeida (teclado e acordeon) e Adriano Azevedo (bateria), Ednardo deitou e rolou, no melhor clima do “rock-cordel” que tomou a programação do Centro Cultural Banco do Nordeste, ao longo de janeiro.
Título de uma das músicas executadas por ele na noite, infelizmente, a mais inaudível de todas, diante de problemas recorrentes no som, mas também condizentes com o próprio formato escolhido para conduzir o seu repertório.

Velhos amigos

A seu lado, músicos com que Ednardo convive de perto, sempre que pode, como fez questão de ressaltar. “A união dos músicos cearenses existe, sempre toco com essa turma, quando eles podem”, apontou, preferindo descartar, por outro lado, os desentendimentos que sempre envolvem os ex-integrantes do “Pessoal do Ceará”. Mas preferiu sugerir apenas que “sonhar não custa nada”, a respeito de um possível reencontro de todos, em um projeto ainda ousado, como um DVD reunindo essa geração.

Depois de uma introdução talvez um tanto quanto longa, no bate-papo bem roteirizado por Nelson Augusto, a música rolou com integridade e devidamente acompanhada pelo público presente ao teatro de onde Ednardo constantemente se dirigia, através das câmeras, aos presentes aos demais auditórios, conferindo tudo por meio de telões. Ao belo acordeom de Ítalo, cantou primeiro “Carneiro”, parceria com Augusto Pontes, contando a arribação pro Sul.

A próxima seria “Pastora do Tempo”, que teve vocais de Fagner, no álbum “O Azul e o Encarnado”, de 1977. Por falar nos velhos amigos, eternos, se depender da disposição de Ednardo, ele conta que mantém parcerias inéditas com Belchior, além de outras com o piauiense Climério, parceiro de “Flora” e “Enquanto engomo a calça” estas mais próximas de emergir. A da “calça” seria cantada antes de “Pavão Mysteriozo”, no encerramento do medley-show iniciado com “Imã”, música para o filho Gabriel, seguida de “Artigo 26”, “Beira-Mar” e “ Terral”.

Mas houve ainda mais rock com “Amor de estalo”, outra parceria com Brandão, do álbum etílico, “Cauim”, totalmente acústico e produzido por Pepeu Gomes e Wilson Cirino. Uma bonita “Serenata para Brasília” e uma “Valsa Fellineana”, entre letra inédita para Climério também pintaram. E teve a “Manga Rosa”, que tivera vocal de Mona Gadelha, Téti e Ângela Linhares, um dos maiores sucessos do cantor, mas que não foi suficiente ainda para se manter na cabeça de todos: teve gente solfejando a “Morena Tropicana”, de Alceu Valença, em outra “manga rosa”, quem sabe lembrando outra noite movimentada do “Nomes do Nordeste”. 

Henrique Nunes - DN Caderno 3

SOU AMIGO DO PESSOAL

DIÁRIO DO NORDESTE -
Fortaleza - Ceará - -30/01/2007 - Caderno 3
Délio Rocha
 

O cantor e compositor cearense Ednardo é o convidado da nova edição de “Nomes do Nordeste”, programa do Banco do Nordeste, que acontece hoje, às 19h, no Centro Cultural do BNB-Fortaleza. Uma entrevista pública onde ele discorre sobre sua história de vida e sua trajetória artística. Abaixo, leia uma entrevista, feita por e-mail, com o ilustre cearense.

DN - Lá se vão mais de 35 anos, desde que você venceu o Festival Nordestino da Música Brasileira. Depois vieram mais de 300 músicas e letras, dezenas de discos, quatro trilhas musicais de cinema e duas de teatro. Ao olhar para trás, como você avalia sua carreira?

Tenho como princípio, não sei se virtude ou defeito, não me fixar na revisitação do passado com freqüência, embora saiba que o que passou também faz parte do que sou. Acho que a existência é de hoje pra frente, eu diria melhor “lá se vem mais de 35 anos”, pra o que está sendo construído de novo no aqui e agora. Claro que os retrovisores deste maravilhoso veículo da existência, servem de balizas importantes, mas ao condutor compete prestar mais atenção no que está a se descortinar no presente e pela frente até onde a vista alcançar. A avaliação do que até aqui está sendo realizado, fica ao critério público, ao qual na realidade são oferecidos, de forma ampla, este cancioneiro popular e meus trabalhos em outras áreas, com o que tenho grande prazer em realizar sempre.

DN - Suas músicas foram gravadas por mais de 50 cantores, por nomes consagrados da MPB. No meio de tantos intérpretes, tem algum que você considera especial, o melhor intérprete das músicas de Ednardo?

Descubro a cada momento nos intérpretes de minhas músicas, sejam vocais, instrumentais, arranjos, sacações tão legais em cada um, que seria injusto escolher um em especial ou o melhor entre todos. Na verdade noto que as nuances que estes intérpretes nacionais, internacionais e regionais, vão acrescentando e recriando, sob seus pontos de vistas, têm sabores complementares onde ressaltam coisas que, mesmo já pertencentes à música, ganham outros focos os quais acho interessante e muito criativo.

DN - Entre as suas mais de 300 músicas, devem ter algumas preferidas. Quais são as canções que, em sua avaliação, logo identificam o Ednardo?

Quando se faz uma grande quantidade de músicas a importância de destaque para uma obra ou outra se transfere para o conjunto geral. Existem aquelas que o público identifica de imediato, talvez por conta de maior exposição na mídia. É fato que desde o primeiro disco gravado aos recentes trabalhos, em cada um deles existem as preferidas do público, mas também é fato que este mesmo público identifica que, no conjunto, existe uma marca de construção criativa, diretamente ligada ao que realizo. Recentemente, um amigo me mostrou no orkut uma comunidade que fizeram em meu nome, vi rapidamente e alguns lances achei interessante. Como eles conversam sobre todos os discos e trilhas, como traduzem as letras e músicas, como escolhem suas preferidas e nestes itens notei como são amplas suas percepções, e não sou eu que vou escolher por este pessoal, o que eles gostam de escutar.


Ednardo revela detalhes de sua trajetória
 em depoimento ao CCBNB


DN - Sua visibilidade nacional veio junto com um grupo que ficou conhecido como Pessoal do Ceará - constituído por Belchior, Fagner, Rodger Rogério e Téti, entre outros. Hoje, fala-se em desentendimentos. Qual é, efetivamente, a sua relação com eles, atualmente?

Sou amigo de todos, desta geração e também de outras posteriores e a presença de todas estas pessoas, destes grupos, sem dúvida marcam com bastante clareza e criatividade as páginas de nosso cancioneiro popular numa espécie de parceria imensa, que alcança significativa importância a nível nacional, internacional e regional. Sinto-me honrado de pertencer a este tempo e espaço, de ter tantos amigos e amigas, que me acolhem com a mesma energia fraterna desde o início aos dias atuais.

DN - Você está sempre com a mão na massa, seja produzindo um disco ou uma trilha sonora especial para a tevê, o teatro, o cinema. E o que tem de novidade pela frente?

Ops!, com a mão na massa ... (risos)? A gente fez coletivamente a Massafeira e o Balanço da Massa, onde com grande prazer e trabalhos titânicos junto com muitos outros artistas cearenses e brasileiros, colocamos nossa forma de ver e cantar o mundo.
Não me considero exatamente um padeiro, apenas aqui e acolá, junto com alegria, perseverança, amizade e companheirismo e uma boa dose de sonhos que não pertencem somente a mim, mas a toda uma turma boa.
Melhor dizer que eu busco juntar ao que gosto de ver nos meus pares, minha contribuição, do que sou, talvez um dos ingredientes para a gamela de nossas misturas.
Tenho feito muitas músicas e letras novas e recentes, existem outras também inéditas que não pretendo guardar num baú. Existem discos prontos e pós-produzidos, entre os quais dois de gravações ao vivo em shows, outro de trilhas de cinema, estou pensando também em produzir outro somente com músicas instrumentais de minha autoria quando vi que tinha quantidade razoável de músicas as quais não me deu vontade de colocar letras ou solicitar a parceiros para colocar poesias, foi quando entendi que estas músicas existem por si próprias e sequer necessitam das palavras escritas. Quanto aos dvd’s, minha produção está juntando material entre o cinema e especiais musicais, e eles dizem que têm uma quantidade bastante interessante que pode gerar algumas mídias nesta formatação.

DN - Como você recebeu o convite para conceder uma entrevista para o programa “Nomes do Nordeste”?

Com muita alegria e consciência da responsabilidade de representação. É um programa muito interessante e especificamente nesta edição que está aliada ao 1° Festival do Rock-Cordel produzido pelo CCBNB, onde grande quantidade de bandas, intérpretes e artistas de várias tendências neste universo, juntam-se durante um mês em Fortaleza e Cariri, numa pluralidade salutar e enriquecedora para todos. Com boa surpresa vi uma de minhas músicas servir de mote significativo para denominar esta fusão que sempre existiu no Ceará e Nordeste. 
Faço votos que este excelente empreendimento cultural do CCBNB, tenha vida longa e revele cada vez mais a inventividade e sabedoria tão própria dos artistas brasileiros em todas as áreas e especificamente abra espaços para as expressões artísticas de nossa terra, de nosso país e região.

DÉLIO ROCHA
Repórter

Rock, Maracatu, Conversa e Cordel

 

Diário do Nordeste - Caderno 3
Fortaleza, 26/01/2007

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Ednardo:
Desafiando convenções, e homenageado
 do Festival Rock-Cordel
 


No Centro Cultural Banco do Nordeste, no Centro de Fortaleza e na cidade de Juazeiro do Norte, este mês de janeiro registrou uma forte concentração de admiradores do rock nosso de cada dia, tomando como mote sua fusão de estéticas em relação ao cordel, este mesmo uma espécie de enciclopédia do sertão. Muitos rockeiros perambularam pelos espaços para conferir as apresentações de grupos e músicos do Ceará e de outros estados da região, desde o dia 3. Isto, apesar de muita gente achar que o rock poderia ter tomado a praça do Banco do Nordeste.

Pois bem, o evento teve esse nome em virtude de uma música deste admirador de misturas como maracatus cearenses e o tal do rock’n roll. “Rock-Cordel” está no álbum lançado em 83 pelo cearense, radicado no Rio . Uma pequena amostra do poder de síntese deste músico, também produtor musical, ator e diretor cinematográfico. Uma experiência múltipla a nortear a entrevista de Ednardo para o Programa Nomes do Nordeste, marcando o encerramento do evento que o homenageia. Ednardo será sabatinado pelo jornalista Nelson Augusto, da Rádio Universitária FM.

Revelações e imagens

Entre a revelação de algum mistério ou segredo, Ednardo puxa a viola do saco e solta seus petardos poéticos - legítimos rocks na veia para quem sabe a distinção entre o ato de transgredir e o de perpetuar as mesmices, mesmo as forjadas com muita zoada. Aliás, viola é o escambau: Ednardo soltará sua voz além de sua guitarra, acompanhado pelos músicos Mimi Rocha, (guitarra), Ítalo Almeida (sanfona e teclados), Luis Miguel (contrabaixo), Adriano Azevedo (bateria) e Nilton Fiore (percussão). A previsão é de que a conversa dure duas horas, mas pode ser até mais. Desde já dá pra você planejar a sua participação, na forma de um “torpedo” ou até de um cordel.

Toda a conversa será projetada em telões dispostos em outros auditórios do CCBN e posteriormente em programas disponibilizados para TV em redes culturais e educativas, com edição de 57 minutos no total. Antes e depois o bate-papo musical, um vasto memorial iconográfico será apresentado, sob a forma de slides de fotografias de diversas fases artísticas, incluindo detalhes de fotos das participações de projetos coletivos realizados por Ednardo com grande quantidade de artistas brasileiros, entre os quais os eventos Massafeira e Balanço da Massa, registrados por diversos fotógrafos. Também serão passados clipes.