Caderno C    MÚSICA 
Recife, 30 de Março de 2006 - Quinta-feira
JOSÉ TELES

(Matéria Condensada - Aura)


Ednardo De volta, em trilogia dos 80

Um dos integrantes do grupo “Pessoal do Ceará”, o cantor e compositor tem três discos relançados pela gravadora EMI, em edições populares.


JOSÉ TELES

O Pessoal do Ceará, como foi rotulado o (quase) movimento que levou um bando de compositores, cantores cearenses ao Rio, no começo da década de 70, tem semelhanças com o manguebeat pernambucano dos anos 90, na medida que se tratava de uma cena, não de um movimento.

Coincidência de muita gente criando, ao mesmo tempo numa mesma cidade, mas cada qual com sua individualidade estética. Citando os mais bem-sucedidos, a música de Fagner se parecia muito pouco com a de Belchior, que comungava de menos ainda semelhanças com a de Ednardo, que tem agora relançados três discos da década de 1980, pela EMI – Terra da Luz (1982), Ednardo (1983), e Libertree (1985).

Da trinca, Ednardo é de uma trajetória mais original. "O Romance do Pavão Mysteriozo" (1974) inicia a trajetória solo de Ednardo, é o seu disco mais regional, e ao mesmo tempo universal. Seus dois discos seguintes, Berro (1976) e O Azul e o encarnado (1977) predominam as raízes nordestinas, em geral, e cearense em particular. Cauim (1979) é mais aberto para as guitarras (com Robertinho do Recife endiabrado).
Estes três discos lançados agora, vêm depois de Imã (1980), um disco que emprega uma infinidade de músicos, várias participações especiais, e marca o fim de uma era, na qual as gravadoras ainda apostavam em música autoral e a MPB dividia o mercado e a programação das FMs com outros gêneros.

"Terra da Luz" (1982), "Ednardo" (1983), e "Libertree" (1985), chegaram às lojas com a eclosão do BRock, o rock nacional que dominaria a década e abriria caminho para a monocultura musical que perdura até hoje nos departamento de A&R das gravadoras e na maioria das emissoras de rádio.

“Terra da Luz” é, de certa forma, uma volta ao início da carreira, tem marcante sabor regional, embora com o som, na época obrigatório, do violão Ovation, do teclado Oberheim, e do maestro Lincoln Olivetti. “Ednardo”, reflete, em parte do repertório, o clima roqueiro que tomou conta do País. “Super X”, faixa de abertura, é a canção mais roqueira de Ednardo, de um álbum híbrido, que termina com um maracatu, “Ponto de Conexão”.

“Libertree”, embora se valha de modernos teclados (coqueluche dos 80) e bateria eletrônica, é menos roqueiro. A maioria do repertório é formada por ritmos nordestinos com vestimenta pop. Um disco tipicamente ednardeano, que merece ser mais ouvido. Ednardo fez um disco inspirado, autoral, com algumas canções deliciosas, como a suingada “O patrão zangou”.

Agora, a ausência do encarte é imperdoável. Pode ter barateado, mas mutilou o produto. 

(J.T.)

Preço médio: R$ 15

 


Ednardo - Terra da Luz


Ednardo


Ednardo - Libertree

“A engrenagem do show business cria distorções”
ENTREVISTA

O cantor e compositor Ednardo fez parte de uma trinca de cearenses que invadiu as praias cariocas no início dos anos 70. Conhecidos a princípio como “Pessoal do Ceará”, eles tinham em comum basicamente a origem. Cada qual trazia no matulão um estilo próprio e inconfundível.
Dos três, Ednardo era o que criava uma música mais atávica, fazendo a ponte entre as raízes nordestinas, e o pop contemporâneo. A bela, a estranha, "Pavão Mysteriozo" o colocou no olho do furacão do sucesso radiofônico, que se estendeu até os anos 80. Daí em diante a engrenagem e o afunilamento do show business levaram Ednardo a sair do foco da mídia, mas não a parar de criar, com público certo e sabido.
Sua obra demorou mas, (com exceção de coletâneas, e participações em alguns projetos), se completa em CD agora, com o relançamento simultâneo de três álbuns dos anos 80, Terra da Luz, Ednardo e Libertree (EMI). Por e-mail, Ednardo comentou sobre estes discos, e sobre as idas e vindas de uma carreira que completa 36 anos.

 

JORNAL DO COMMERCIO – O relançamento de CDs geralmente é feito à revelia do artista. O que você achou destes três últimos saírem sem encarte, nem ficha técnica, diferentemente da edição original?

EDNARDO – Conversei antes com a gravadora e uma das coisas que solicitei, pelo fato de serem três discos ao mesmo tempo, é que a trilogia fosse acessível ao grande público, pois o preço de CDs no Brasil é caro em relação ao poder aquisitivo geral do povo. Houve economia nos encartes, algumas pessoas reclamam, mas a maior parte achou bastante acessível. (Nos discos tem a observação que o público pode encontrar maiores informações, fichas técnicas e letras no site www.ednardo.com.br ). O que é importante, e está em primeiro plano, são as músicas.

JC – Por conta disto, tem artistas que estão comprando seu próprio catálogo das gravadoras. Você já pensou nesta hipótese?

EDNARDO – Não pensei. Ser proprietário de seu próprio catálogo implica também na obrigatoriedade do artista de se responsabilizar por seu escoamento, mesmo que se tenha uma equipe, acaba por tomar muito tempo do artista. Já tenho minha editora e meu selo, então é questão de cada um ver a relação custo e benefício entre seu tempo pra fazer arte e tempo para administrar seu catálogo.

JC – Estes discos estão sendo chamados de trilogia. Mas são bem diferentes entre si, sobretudo Libertree, que usa muito a tecnologia de ponta da época. Qual o link que faz deles uma trilogia. Seria o fato de na época você ter voltado a morar no Ceará?

EDNARDO – Esta tríade de discos tem vários pontos em comum e partes que são complementares entre si. Voltando a residir em Fortaleza, entre os anos 79 a 83 e depois retornando ao Rio de Janeiro em 84, foi como uma nova chegada ao eixo Sudeste, e penso que isto reflete nos discos de forma sequencial. O primeiro, “Terra da Luz”, é mais nordestino, reflete também este aspecto nos arranjos, mais ao mesmo tempo faz ponte com o segundo disco nas músicas “Como era gostoso meu inglês”, “Ser e Estar” e “Asa do Invento”. O segundo disco já aborda de forma mais decidida a parte urbana e contêm também a alquimia do “Rockcordel” com duas últimas faixas linkando ao terceiro disco “Libertree”. Veja que o instrumental “Ponto de Conexão” ganha letra em “Outro Romance”. “Nova Raça” é uma espécie de senha que deságua mais livremente no terceiro que inicia com a música título cantada em inglês e espanhol, e segue em grande parte com arranjos bastante eletrônicos. Acho que os três em conjunto, sugerem ao longo das trinta músicas este rito de passagem.

JC – Ednardo, o disco, é o mais roqueiro da trinca, foi influência de tanto rock nacional, afinal era época do auge de Barão, Kid Abelha, Titãs...

EDNARDO – Sem querer parecer pretensioso, se influências existem, não são neste sentido. Afinal quando essa turma apareceu, eu já tinha uma estrada de mais de dez anos, uns oito a nove discos gravados, onde aparecem claramente, estes lados de minhas composições mais urbanos, com esse lado rock e eletrificação. Isto se nota por exemplo no disco Berro (de 76), O Azul e o Encarnado (de 77), Imã (de 80,) entre outros, como comprovam estes discos e observações de vários críticos musicais naquela época.

JC – Estes discos trazem você novamente para a mídia. De vez em quando a gente recebe e-mail de fãs seus querendo saber o que Ednardo anda fazendo. Esta ausência da mídia é proposital, ou você considera parte da engrenagem do show business mesmo?

EDNARDO – Penso que superexposição ou eventual ausência na mídia, são circunstâncias que independem diretamente dos artistas. Têm alguns que sempre encontram um jeito de criar oportunidades para ser lembrado a qualquer custo, pessoalmente não curto muito essa idéia. Gosto mais quando a reverberação chega como resultado natural do próprio trabalho artístico. Mas todos sabem, e é inegável que a engrenagem do show business vem ultimamente criando visíveis distorções e afunilamentos.

JC – Estes discos demoraram muito para chegar ao CD. Você não pensou alguma vez em regravá-los?

EDNARDO – Pensei em regravar algumas músicas, até comecei a fazer isto. Rubi foi gravado no disco ao vivo de 1991 e Arraial está também gravado na trilha do filme Luzia Homem (de 87), e no disco ainda inédito de trilhas de cinema. Mas regravar três discos integralmente, é chato, fica parecendo que se está dando voltas em torno de si próprio, além do mais eu tinha certeza que mais dia menos dias eles sairiam na mídia CD pela própria gravadora.

JC – E o material novo que você produziu. Da última vez que conversamos você falou que estava com muitas músicas prontas. Quando elas sairão em CD?

EDNARDO – De fato, tenho dois discos prontos pelo meu selo Aura, um com trilhas de cinema e outro gravado ao vivo e em estúdio. Também estou preparando um terceiro em parceria com o Climério, mas publicar agora juntamente com estes três que estão sendo lançados em CD pela EMI ficaria excessivo e difícil de trabalhar todos ao mesmo tempo. E no momento prefiro cuidar melhor desta trilogia, porque para o grande público são discos praticamente inéditos. E nos próximos shows estou incluindo no repertório, muitas das músicas desta trilogia.