Ednardo: Ligado à energia vital da gente brasileira Estado de Minas
Belo Horizonte / Minas Gerais
19 de maio de 1987
Matéria Condensada

NEIDE MAGALHÃES FONSECA

Passou por Belo Horizonte, neste final de semana, uma corrente chamada "Ednardo". Corrente mesmo, carregada da mais alta energia, dentro e fora do palco.
Aliás, no palco, Ednardo é uma figura tão simples e de paz como num papo. E foi num papo curto mas denso que ele falou de sua música e de suas idéias, depois de um show que empolgou o público do Cabaré Mineiro.

O cearense Ednardo veio a Minas para lançar seu último disco "Libertree", - o 11° de sua carreira - num show bem panorâmico, que devolveu à saudade de boas coisas, músicas como "Pavão Mysteriozo", "Enquanto engoma a calça", "Beira-mar" e outras que fizeram o cantor-compositor ficar conhecido entre nós.
Em sua extensa bagagem, Ednardo trouxe também as composições de seus tempos mais recentes, com a mesma fluência poética e o mesmo espírito de cantador que são marcas inegáveis dele.

Tanto sozinho ou bem acompanhado por uma banda de ecléticos e bem formados, soltando a voz do fundo dos pulmões e carregada do mais musical coração, Ednardo não pode ser simplesmente lembrado pelos sucessos que tem ou por ser cearense e ser pioneiro de uma leva de artistas que chamaram a atenção para um lugar especial do Brasil: o Nordeste. Não o Nordeste região limítrofe de um pais imenso, mas o espaço que norteia, que olha para mais, para o alto ou para dentro de um povo.

Nordestino, Ednardo não exalta e nem nega suas raízes, sua convivência com um Brasil diferente, sua visão aclarada do que vai e foi pelas terras onde vive:

"Compreendo que o Brasil é um país fantástico. Existem vários países, vários lugares diferentes e específicos dentre dele.
Não consigo entender como pode existir fome ainda neste país tão rico. Estão administrando mal o Brasil. O povo brasileiro é maravilhoso e o Nordeste é outro país que tem um povo cheio de energia, de raça brasileira mesmo. Tem o lado pobre e o lado rico, duas realidades conflitantes que fazem dele mais rico ainda. Aquela coisa de lugar esquecido é absurda, porque mostra bem a mentalidade brasileira em insistir nos chavões para fugir a realidade que todo mundo vê e sente na pele".

Por causa de toda essa situação, que Ednardo conhece muito bem, depois de nascer, crescer lá em cima e descer para o Rio em busca de novos rumos e para tentar divulgar aqui, o que havia aprendido lá, o poeta cearense tem muita história para contar em música ou em prosa. Entre uma história e outra, ele fala de si mesmo:
 "O que a gente canta não é uma coisa só da gente. É um sentimento do indivíduo pleno da pessoa no sentido universal. É o que todo mundo sente, aqui ou em qualquer lugar. Vivi em Fortaleza, depois fui pro sudeste (Rio/São Paulo), voltei para o Nordeste e agora vou para o Rio. Vou para onde meu trabalho me levar, procurando transformar em realidade os projetos que tenho".

Um dos projetos de Ednardo, inclusive está no cinema. Depois de participar de alguns, compondo trilhas para curtas, médias e longas metragens, ele agora passa para a tela em "Luzia Homem", fazendo um papel muito seu: um cantador.

"No filme o cantador, poeta popular, traduz a história da protagonista. O filme está diferente do livro, porque mostra um Nordeste mais atual, e é isso que me atrai: a possibilidade de se adaptar para a tela uma história anterior, transportando para agora.
O cinema resgatou uma coisa de minha infância. Quando morava em Fortaleza não saía dos cinemas e daí fui tomando mais conhecimento e comecei a compor para filmes e filmes.
A primeira trilha foi para "Cauim", em 78 depois veio "Tigipió" em 85 que ganhou vários prêmios e participou de diversos festivais. Para mim cinema e música, andam juntos.

E tanto andam juntos que Ednardo (junto a artistas e produtores) têm projetos que estão levando adiante, a idéia de criar um pólo de cinema em Fortaleza, voltado para o Nordeste, tentando diminuir a dependência toda do Sul. O projeto engloba também a música, como não poderia deixar de ser.
Músico há tanto tempo, Ednardo sabe tudo sobre a arte e os artistas.
"A gente vê, nos últimos anos - conta Ednardo - a música ser pano de fundo para outras coisas. As gravadoras têm se empenhado em sustentar o sucesso que favorece um grupo muito pequeno.
Não discordo que a função do artista é também social. Na década de 70, por exemplo, a situação política estava muito difícil, agora se pode dizer claramente que houve uma ditadura. O artista é espelho de uma situação. Por volta de 70, os cantores e compositores começaram a tomar os espaços e a músicas ficou política.
Agora há mais abertura e as pessoas estão empenhadas em fazer alguma coisa mais, e a própria crise que estamos vivendo hoje, já dá margem a outras coisas por acontecer na música, no cinema ou outra arte".

Há a necessidade natural das gravadoras, manter equilíbrio financeiro, o marketing musical do "rock". Mas tem o lado positivo disso. Depois de três anos de "rock" - a música comercial - apareceram pessoas com talento e com garra para fazer um trabalho bom.

Um toque importante que pouca gente costuma dar:
"A maior parte dos grupos de hoje tem um berço de ouro para o que estão fazendo. Foram facilitados para entrar no meio porque conviveram desde crianças com outra realidade - filhos de militares de alto escalão, de diplomatas internacionais, de pessoas em pontos chaves ligados a gravadoras multinacionais.

"Agora é o choque de gerações que favorece isso, o resgate da dignidade dos pais. A doce vingança de uma outra geração. O que há de errado neste país é todo mundo insistir em dizer que ele é o País do futuro, e fica todo mundo deixando pra depois o que precisa ser feito agora. Por isto não há memória no Brasil. Ser jovem, também, é ter memória, é dar importância ao que outros fizeram, a quem veio antes da gente".

"Não é que o povo seja sem memória. O que acontece é que a memória brasileira é sistematicamente apagada e por isto o povo não liga os fatos e valoriza o que tem. Qualquer trabalho some. As coisas mais valiosas se perdem. É preciso discutir mais essas coisas todas".

Puxando das palavras de Ednardo, iria mais longe um pouco: é preciso valorizar mais quem sabe valorizar o que tem neste lugar de nome Brasil, os artistas que fazem sua arte ser parte da vida de todos.
Gente simples, de energia altíssima e com muita coisa pra cantar e contar como Ednardo, andarilho e cantador das mais belas canções que sabe fazer e dizer um brasileiro intimamente ligado à sua terra e suas gentes.