Inovando
O Compositor é repórter da época

Jornal Última Hora - Rio de Janeiro 3 e 4 de Abril de 1976
Suplemento Especial - GENTE
Salada Musical
Matéria Condensada
O repórter está identificado pelas iniciais

-S.R.L.


Considerado um dos melhores cantores-compositores do chamado "Grupo do Nordeste". Ednardo, 29 anos, saiu de Fortaleza com uma única intenção: mostrar seu trabalho para todo o Brasil.
"Na verdade, não decidi ser músico. Eu já vivia com a música desde pequeno. Teve um tempo, em Fortaleza, que era moda - devido a influência francesa no nordeste - estudar piano. E lá fui eu tocar piano. Mas depois o piano ficou pesado demais para ser levado para um bar. Então aprendi violão".

Enquanto estudava Química, costumava sair às noites para fazer serenatas. Depois de formar uma base, ele se reunia com os amigos debaixo das janelas das namoradas e cantavam suas novas composições.

Nesse momento, Ednardo ouvia e deixava-se influenciar: Cantores Brasileiros, Violeiros e Luiz Gonzaga, Beatles e as Músicas Clássicas, e Tropicália.

Ali surgiu a primeira idéia de participar: "A gente acreditou nessa efervescência. Descobrimos que deveríamos participar dela. Chegou a hora que poderíamos por algum angu nesse caldeirão brasileiro".
Assim que Ednardo tomou consciência de sua capacidade profissional, entendeu que era preciso deixar Fortaleza. "O fenômeno não aconteceu só comigo, foi uma debandada geral. Lá não havia condições de prosseguir com um trabalho sério. É que as gravadoras e os meios de comunicação estavam concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro. Viemos para cá, para conquistar o público de todo o Brasil."
Com referência ao Ceará, Ednardo comenta: "O povo de lá é um pouco irreverente, mas não por mau caratismo. Faz parte da cultura. E não é que seja ruim, pelo contrário, é bom."

"Amanhã se der o carneiro / vou m'embora daqui pro Rio de Janeiro / As coisas vem de lá / Eu mesmo vou buscar."

Depois que chegou no Rio, veio então para São Paulo. Aqui estabelecido falou que era preciso partir para alguma coisa nova.
Ao lado de Belchior e Fagner, lutavam pelo "novo".


Ednardo: no caldeirão brasileiro

"O novo que a gente fala é um pouco de renovação. Não quero sepultar ninguém. É que qualquer coisa tem seu ciclo de desenvolvimento. O que estou achando é que o ciclo da gente está atrasado. Não é coisa individual, é retrato da própria estagnação do sistema. Note bem: esse atraso é direcionado. Não é específico, mas sim geral."

Para romper com o atraso, mostrar o novo, Ednardo cria e leva a prática suas concepções a respeito da arte e da música.
"Nesse caso, a arte só tem sentido se for recebida do povo, transformada e devolvida ao povo. Não creio que fazer música para pequeno grupo seja ideal. O artista tem de ser criativo para achar formas de se entender também com grande público. O próprio romantismo de hoje, tem que ter coerência com a vida para ser entendido. A arte tem papel importante.
Além de ser repórter da época, o compositor tem que tomar parte nas coisas de que fala. Tem que ser socialmente ativo. Enfim, ajudar a melhorar o ser humano. E um meio de participar, dentro da arte, é a música."

A influência nordestina que recebeu não é regionalista. Ednardo faz questão de deixar claro: "A influência nordestina é relativa. Eu escutei de tudo. Não sou uma ilha. Se a parte nordestina fica aparente é porque neste momento é mais profunda. Mas se canto nordestinamente tenho consciência universal. Não se pode dizer tudo ao mesmo tempo. Ao falar da fome do Ceará, falo da fome de Bangladesh. O artista faz parte de todo processo, vê além dos mosaicos, vê mais de cima.


Renovando sem sepultar ninguém


BERRO, O ÚLTIMO GRITO

"Berro" é o nome do disco de Ednardo que está sendo lançado. Bem elaborado e gravado com muito cuidado, representa um passo além de seu disco anterior.
O disco "Berro" é um rompimento com esse passado.
Chama atenção para uma coisa que aconteceu no passado, mas que está acontecendo agora, que é presente, no sentido geral.

Este grupo - não só nordestino - está renovando e é renovando que se dá nova saúde, brigando contra o mofo. Descobrir que é preciso questionar, estar permanentemente se reformulando, e dizer: também quero ser ouvido.

"Berro" é a realização do trabalho que vinha amadurecendo a bastante tempo, desde o disco com Rodger e Teti (Pessoal do Ceará), passando pelo disco anterior, Romance do Pavão Mysteriozo, colocando música popular, consistente e acessível a todos, representa não só a música do Ceará, mas toda uma reunião musical aprendida com a vida.