Uma pedagogia na obra de Ednardo

UFC/FACED/Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira
CORRENTES MODERNAS DA FILOSOFIA
Professor ANDRÉ HAQUETTE – 2005.1

Mestrando PEDRO ROGÉRIO
TEXTO No 3


Quero enfocar uma visão educacional da obra de Ednardo, [1] ou seja, olhar para essa produção intelectual-artística utilizando a educação como lente.
Para isso inicio trazendo uma pertinente consideração de Libâneo, [2] que amplia de forma clara a concepção de Pedagogia. O autor considera que “nas mídias, há intervenção pedagógica na televisão, no rádio, nos jornais, nas revistas, em todo material informativo (guias de turismo, enciclopédias, mapas, vídeos, jogos, brinquedos, etc.), pois a mídia atua na modificação dos estados mentais e afetivos das pessoas e nos modos de pensar, disseminando saberes e modos de agir e de sentir”.

Dia 17 de abril de 2005, o jornal O Povo dedicou quase a totalidade do caderno “Vida e Arte” para homenagear o artista Ednardo por ocasião de seu aniversário de 60 anos de idade. Ora, um dos jornais de maior circulação do estado do Ceará focalizando a obra do citado compositor e cantor nos revela pelo menos dois aspectos: por um lado, para “conquistar” esse espaço, demonstra que sua obra tem relevância para o público leitor, que certamente é em número significativo; por outro lado esse mesmo jornal tem a legitimidade social suficiente para reforçar a importância da mesma. Mas aí teríamos que desenvolver um discurso especificamente sobre os meios de comunicação, o que não é o caso para esse texto.

Quero sim ressaltar que a relevância de sua obra em destaque na mídia revela e reforça a influência da mesma em nossa sociedade.
A jornalista Eleuda de Carvalho, para introduzir a entrevista que Ednardo a concedeu, assim escreveu: “Nada melhor que a música para expandir a consciência. Mais eficaz que um discurso, mais rápida que a leitura de um livro, é a mais democrática das manifestações artísticas. Muitos dos garotos e garotas dos anos 70 ouviram falar da Padaria Espiritual e da Confederação do Equador a partir de algumas composições de Ednardo. Foi ele também o responsável por fazer o Brasil inteiro ouvir e cantar um romance de cordel sob o batuque lento do maracatu, com “Pavão Mysteriozo”.

Sua obra difundiu nacionalmente as culturas dos cordéis, bois, cirandas, etc - que para muitos são classificadas na categoria baixa cultura. Ednardo poeticamente desmonta essa concepção. Além do que já foi citado, a inventividade do artista colocou o Ceará no mapa da música brasileira, como afirmou Rodger Rogério, [3] em depoimento ao mesmo jornal.

Considerando então o pensamento de Libâneo, a música de Ednardo tem o poder de influenciar os estados mentais e afetivos das pessoas, os modos de pensar, disseminando saberes e modos de agir e de sentir. Some-se a esse viés a constatação da jornalista Eleuda de Carvalho a respeito do fato de que através de suas composições várias garotas e garotos terem ouvido falar da Padaria Espiritual e da Confederação do Equador nos idos anos 70.

A estética, do ponto de vista educacional, ganha uma importância ainda maior quando, através da dramaticidade põe em evidência pontos fundamentais que amplia a compreensão através dos sentidos, o que o discurso racional ordinário não é capaz de dar conta.

Podemos citar a título de ilustração a utilização de contrastes sonoros, como por exemplo, o marcante som metálico produzido por um triângulo de ferro utilizado pelo maracatu cearense que nos remete a um ambiente onde os negros eram acorrentados e encarcerados nas senzalas. Por mais que um texto acadêmico formal – na maneira como hoje é, de forma padrão, produzido - aprofunde suas pesquisas, dificilmente dará conta da dimensão do sentir. Certamente a dramaticidade estética pode contribuir para o enriquecimento da compreensão dos fenômenos sociais.

Entender racionalmente a importância política de Bárbara de Alencar – ícone da Confederação do Equador – é fundamental; não obstante cantá-la ou expandir esse fenômeno político-social através da linguagem visual das artes plásticas, só para citar duas linguagens artísticas, diversifica, enriquece e aprofunda o entendimento do que foi a Confederação do Equador.

Não advogo a idéia do abandono à racionalidade e sim a possibilidade de sua abertura a diálogos com outras formas de apreender o conhecimento.
O conhecimento não é apenas intelectual, é também corporal, afetivo, emocional; engloba outras dimensões do ser humano; e o conhecimento - sua construção, e/ou desconstrução - é a matéria-prima da educação. Apoiado nas idéias de Libâneo, citadas no início desse texto, posso então asseverar que esse conhecimento não se dá somente dentro das escolas, somente entre as quatro paredes da tradicional sala de aula.

Nesse sentido podemos afirmar que existe uma pedagogia na obra de Ednardo.

 

[1] José Ednardo Soares Costa Sousa é cantor, compositor. Integra um movimento artístico iniciado na década de 1970 que ficou conhecido como “Pessoal do Ceará”. Idealizou e produziu um movimento artístico em 1980 intitulado “Massafeira”. Tem mais 300 músicas registradas também por mais de 50 outros intérpretes, 15 discos, 9 compilações, 2 trilhas para teatro e 4 para cinema entre outras importantes produções.

[2] LIBÂNEO, José C. As mudanças na sociedade, a reconfiguração da profissão de professor e a emergência de novos temas na Didática. In: ENDIPE, 9., 1998, Águas de Lindóia. Anais II, v. 1/1, Águas de Lindóia, 1998.

[3] Certamente Rodger se refere ao advento da música cearense ganhar especial projeção no “mapa da música brasileira” em tempos de expansão tecnológica nos meios de comunicação de massa; visto que antes dessa geração “Pessoal do Ceará” - que reuniu ao Ednardo além do próprio Rodger de Rogério, também, Teti, Petrúcio Maia, Ricardo Bezerra, Raimundo Fagner, Belchior, Jorge Melo, Cirino, Amelinha, Augusto Pontes, Yêda Estergilda, Fausto Nilo, Brandão, Olga Paiva, Tânia Cabral, Isaíra Silvino, Pekin, Edson Távora, Dedé, Descartes Gadelha, Pepe, Cláudio Pereira, entre muitos outros – o Ceará também ganhou importante projeção com as obras de Lauro Maia, Humberto Teixeira e Alberto Nepomuceno entre outros antecessores de extrema importância para o “mapa da música brasileira”.