AVANÇO E RECUO |
Revista VEJA
- 25 de Maio de 1977 página 87 - MÚSICA TÁRIK DE SOUZA |
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LÚDICA TAREFA |
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O cordão azul versus o cordão encarnado transformou-se num intricado combate dialético das vontades do homem expresso num tosco desenho do autor, num folheto interno ao disco, onde se opõe, entre outros, conhecido e desconhecido, povo e artista, pessoa e sistema desenhados sobre um corpo de homem. Melhor que essas lúdicas e imaginosas tarefas
propostas pelo compositor, na que poderia ser chamada de bula do disco, é
ouvir as treze faixas resultantes, de impressionante agudeza e
equilíbrio. |
OH YEAH! |
Já Belchior preferiu repetir-se. Ou foi obrigado a isso, uma vez que a censura cortou sua música "Como se Fosse Pecado" considerada por ele uma espécie de chave poética do LP "Coração Selvagem". Como se tivesse limpado as gavetas para o próximo salto, ele escolheu músicas de até dez anos atrás ("Pequeno Mapa do Tempo", "Todo Sujo de Batom", "Paralelas", "Pópulus"), mesclando-as a um repertório progressivamente mais recente ("Caso Comum de Trânsito" de 1973) ou a composições já gravadas por outros intérpretes, como "Galos Noites e Quintais" (Jair Rodrigues no ano passado). Embora mixado no estúdio americano Kendum, o fundo sonoro é praticamente o mesmo de "Alucinação" (teclados, baixo, um pouco de gaita, guitarra e bateria estridentes), o que contribui para reforçar a pobreza melódica que assola o disco. Mesmo nas letras, antes agressivas, os clichês descritivos amontoam-se em discursos semelhantes, como os da faixa-título: "Meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente/tome um refrigerante/Coma um cachorro quente". O inconformismo parece engarrafado, a juventude, uma fórmula reduzida a poucas palavras e sempre as mesmas. Uma única ponta de audácia aparece em "Caso Comum de Trânsito", logo desaparece, porém. Com ênfase na voz gutural sempre e deploráveis tentativas de animar os silêncios entre um compasso e outro, com interjeições ao estilo "ô yeah", o intérprete também contribui para aumentar esta sensação de déjà vu do parco universo criativo de "Coração Selvagem". Ao que parece, Belchior, obcecado em sua procura do novo, ensurdeceu às lições do próprio "Clamor no Deserto", outra das nove faixas do LP: "Eu sei que é difícil começar tudo de novo/Mas eu quero tentar". A impressão que fica, porém, é inversa. |
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