REVISTA MÚSICA - Novembro de 1980
Valéria Fotenelle
Enviada Especial da Revista Música à Fortaleza


A MASSAFEIRA LIVRE - UM ACONTECIMENTO PROGRESSIVO

 

Valéria Fontenelle
Revista Música


Em julho de 79, mais de cem pessoas, entre músicos, instrumentistas, cantores e compositores cearenses foram levados ao Rio de Janeiro, para a gravação do álbum duplo MASSAFEIRA LIVRE. Uma verdadeira algazarra ocorria nos estúdios da CBS. Um fato inédito estava sendo prensado por aquela gravadora: a feira livre de manifestação artística, liderada pela música, que ocorreu na cidade de Fortaleza-Ce., nos dias 15, 16, 17, 18 de março / 79. A feira livre em massa. A MASSA FEIRA LIVRE.

Quinze meses passaram e "por razões de força maior"
* o álbum ficou retido nas gavetas da CBS. As razões não foram esclarecidas, cresciam as expectativas em torno deste lançamento, os artistas presentes no disco reivindicavam o acordo feito com a gravadora.
Ednardo, como produtor do álbum, como artista e como cabeça pensante que iniciou o projeto MASSAFEIRA, veio ao Rio; realizaram-se as conversações e o disco MASSAFEIRA LIVRE foi finalmente anistiado.

De volta a Fortaleza, e aproveitando o lançamento de seu LP IMÃ, Ednardo impulsiona a II MASSAFEIRA, outra grande festa comunitária artística, que aconteceu de 16 à 19 de outubro de 1980, onde o álbum duplo é finalmente lançado.


Detalhe de palco Massafeira - Ednardo e Carlos Patriolino

Em Março de 1979.

Durante quatro dias de março de 79, o Teatro José de Alencar foi envolvido por uma magia que despertou os habitantes da pacata cidade de Fortaleza.
Artistas das mais variadas formas de expressão cultural se juntaram numa grande festa de interação.
Um projeto comunitário de manifestações artísticas tomou corpo, vida, brilho próprio e registrou a energia criadora da sensibilidade humana numa feira livre de artes.
Englobando música, cinema, teatro, literatura, dança, pintura, escultura, fotografia, artesanato, cultura popular, usos e costumes da terra, a massa, em massa, digeriu esse acontecimento como força atuante, geradora de impulso.
E Fortaleza foi seduzida por esse movimento, por essa explosão de anos. E aconteceu a I MASSAFEIRA LIVRE.

O CANTO LIVRE E COMUNITÁRIO NA 1ª  MASSAFEIRA

A música, como arte popular de maior veiculação, liderou o evento. Ednardo, Belchior, Rodger Rogério, Teti, Manassés, Amelinha, Petrúcio Maia, Fagner, Wilson Cirino, Ricardo Bezerra, Stélio do Vale, e Patativa do Assaré, somaram-se a mais de cem compositores e cantores da nova geração musical do Ceará e cantaram, em comum-sotaque. "Salve o compositor - e cantor - popular". A platéia também cantou. Participou. Com o mesmo entusiasmo foram ouvidos Zé Ramalho, da Paraíba e Walter Franco, de São Paulo.

Da nova geração musical, compositores como Vicente Lopes, Calé, Mona Gadelha, Chico Pio, Rogério, Lúcio Ricardo, Régis, Zezé Fonteles e muitos outros, tiveram espaços para mostrar seus cantos e injetaram nas pessoas presentes uma expectativa diante de seus trabalhos. O resultado só foi muito positivo.

Assim a MASSAFEIRA dá início a um processo de descentralização do imperialismo artístico-cultural do eixo Rio-São Paulo. Não como um projeto regional, pois a proposta não foi esta, mas como espaço conquistado sem a ajudinha de festivais, multis ou coisa do gênero. E Fortaleza, como centro de onde surgiu essa ação, foi surpreendida por um desencadeamento efervescente de atividades culturais e artísticas.

O DISCO MASSAFEIRA LIVRE

Capa Disco Duplo Massafeira - Arte / Desenho: Brandão
Capa do Disco Duplo - Massafeira

Com produção de Ednardo e co-produção de Augusto Pontes, o álbum duplo MASSAFEIRA LIVRE: 24 canções que formam um painel variado, amplo e verdadeiro da novíssima música popular brasileira. Um registro importante e inédito do que foi a I MASSAFEIRA LIVRE.

À Robertinho de Recife, Ife, Manassés, Tuti Moreno, Elber Bedak, Zé Américo, Sérgio Boré, Rui Mota, juntaram-se instrumentistas cearenses brabos e o resultado desta bela produção de Ednardo e Augusto Pontes está aí para ser ouvido, curtido e sacado.
Como participação especial, estão presentes no disco Ednardo, Belchior, Rodger, Teti e Fagner. Mas também presente e de maneira especialíssima a nova geração musical do Ceará que, com muita certeza, inaugurará o seu tempo e espaço dentro desta família musical brasileira.

O DISCO DE PATATIVA DO ASSARÉ


Também da I MASSAFEIRA o poeta popular, Patativa do Assaré teve um elepê gravado, ao vivo, pelo selo Epic da CBS.
Inadvertidamente - talvez (?) - a produção do disco não deixou claro que este primeiro elepê de Patativa foi gravado nessa festa.
Consta que "as gravações ao vivo foram realizadas durante recital no Teatro José de Alencar, março 79".
Mas na verdade é que esse poeta, estudado como fenômeno de comunicação popular na cadeira de Cordel, da Universidade de Sorbonne, na França, não tem, em sua terra terra, essas regalias de recital no José de Alencar.

Na I MASSAFEIRA, Patativa recitou e se comunicou com um grande público. Para muitos dos presentes o poeta era inédito, mas numa feira de interação de artes realizada no Ceará, a presença de Patativa é única e imprescindível.
Naqueles momentos, os ouvidos e olhos presentes foram privilegiados.
Estavam diante do maior poeta de Cordel de que a história já tomou conhecimento.
Do Assaré, Ceará, para o Mundo. 


Patativa do Assaré - Massafeira

OUTUBRO DE 1980 LANÇAMENTO DO ÁLBUM DUPLO MASSAFEIRA


A partir das 18 horas e em todas as dependências do Teatro José de Alencar, artistas expunham suas criações livremente.
Através de revezamentos sucessivos no palco, a música, a poesia e o teatro mantinham a platéia atenta até as 2 horas da manhã. Paralelamente, na pracinha ao lado, além de artesanatos, expunham-se livros, confecções, alimentos naturais, fotos, esculturas.
Das manifestações populares, chamou atenção da platéia o trabalho dos artistas plásticos da região do Cariri (extremo sul do Estado do Ceará). Maracatu, bandas de pífanos e os cantadores repentistas também extraíram ais da multidão.

Participou desta festa musical, como convidado que se sente em casa, o compositor e cantor Jorge Melo.
Para Jorge "a MASSAFEIRA é um reflexo do hiato cultural que foi a década de 70. Eu entendo como um fenômeno natural de um processo histórico, porque após cada marasmo vem a explosão mesmo".

No que se refere a música, envolveu três gerações: apresentaram-se Teti (mostrando composições do seu novo elepê Equatorial), Rodger, Stélio do Vale, Chico Pio; compositores presentes no álbum duplo (alguns até então inéditos), como Calé Alencar, Mona Gadelha, Vicente Lopes, Rogério Soares, Lúcio Ricardo, Wagner Costa, Régis Soares e Zezé Fonteles; e outros novíssimos como Batista Sena e a Banda Chá de Flor.


A MASSAFEIRA foi um projeto impulsionado por todos que dela participaram, mas a iniciativa partiu de Ednardo que se empenhou para que esta vingasse a nível de acontecimento.

A ele também se devem todos os esforços para que o álbum fosse lançado.
Em linhas gerais, a feira de artes que aconteceu de 16 à 19 de outubro de 80, foi o lançamento do álbum duplo MASSAFEIRA, e do elepê IMÃ de Ednardo, e o prosseguimento à evolução proposta no acontecimento MASSAFEIRA LIVRE do ano passado (1979).

A empreitada contou com o trabalho de todos participantes, neste ano (1980) as pessoas que administraram a produção do espetáculo, foram Regina Scarcello, Dé Scarcello, Rosane Limaverde, Odar Viana.


Ednardo - Massafeira


Detalhe do Palco Massafeira - Momento Coletivo


Para ver maior quantidade de fotos em detalhes, acesse o item Massafeira Fotos


Nota da Aura Edições
- * Os discos da Massafeira foram "engavetados" por mais de um ano, por direcionamento equivocado do preposto executivo do selo Epic, Raimundo Fagner, que "decidiu" que os mesmos seriam contrários aos interesses da direção do selo.
Anteriormente autorizados pela Direção Geral da CBS - Jairo Pires, os discos de Ednardo e Massafeira, com a CBS, e não com o selo Epic, foram remanejados entre a gravadora original e o selo, de forma estranha e ficaram reféns temporários, sem maiores esclarecimentos.
A Aura Edições é a editora da maior parte das obras musicais gravadas nestes discos.