Ednardo curtindo até os "defeitos"

Show no MAM - Museu de Arte Moderna
Rio de Janeiro, 21 de Outubro de 1976

Jornal da Música -Anexo a Revista SOM TRÊS N° 25 - Rio de Janeiro
 

 

AO VIVO Aloysio Reis
"Muitas vezes a gente fala uma coisa e as pessoas entendem outra. Eu estava fazendo um show lá em São Paulo com um violão emprestado que não tinhas os trastes marcadas com aquelas bolinhas. Como o Tárik de Souza disse no jornal, eu só toco violão pro gasto, então errei alguns acordes e numa hora de desespero eu disse: - "Sem bolinha não dá" - Tá na cara que o pessoal entendeu outra coisa, e no final do show veio um rapaz, e disse: "Eu tenho aqui uma coisa muito melhor do que bolinha".

As gargalhadas pipocaram em todos os cantos do auditório do MAM. Sentado num dos velhos caixotes de cerveja, que serviram de assento para os músicos, Ednardo também ria das limitações. E foi justamente esta postura conscientemente humilde e despretensiosa que permitiu uma ligação direta com o público, capaz de superar qualquer falha técnica de uma produção financeiramente pobre e também capaz de tornar irrelevantes estas limitações que Ednardo transformou em piada.

Tanto na hora de largar o violão para controlar a sua mini-mesa de som, quanto na hora de dizer que estava de saco cheio de tocar e cantar o "Pavão Mysteriozo", Ednardo dirigiu todo o clima da apresentação para um ambiente de bate-papo em varanda nordestina.

Ele misturava músicas inéditas com as já gravadas no "Berro" e no "Romance do Pavão Mysteriozo" como se estivesse montando o repertório de improviso e talvez a presença de apenas três músicos no palco (contando com o próprio Ednardo), tenha ajudado a formar o clima necessário para suas canções geralmente calcadas em cima da simplicidade dos cantadores do nordeste, com os naturais incrementos de sua vivência no sul.

Quando o grupo interpretou a canção-homenagem que Ednardo fez em memória da heroína cearense Bárbara de Alencar, que tentou proclamar a república antes do tempo e acabou morrendo em uma masmorra de Fortaleza, formou-se um clima estranho, quase místico, como se os fantasmas invocados na música estivessem marcando sua presença.

E é importante lembrar que toda essa concentração em torno da letra ocorreu com um público heterogêneo que incluía adolescentes, universitários e tímidas donas de casa, que queriam apenas ver de perto o autor da trilha de Saramandaia.

Talvez para romper com a monotonia, de cantar sempre o "Pavão Mysteriozo", Ednardo interpretou uma boa parte da música com letra em espanhol, dando um toque novo também nos arranjos nessa música e no hino do novos compositores cearenses (?) A Palo Seco - que ele teve que cantar com mais de duzentas vozes - já que a platéia nem sempre muito afinada - fez questão de cantar com ele.

Como Ednardo conseguiu uma temporada boa como essa em condições absolutamente precárias de produção?
Sorte, milagre, ou estratégia bem sucedida? Eu tenho um palpite: Acredito que a mania de superproduções em palco e do exibicionismo de técnica instrumental já tenha atingido sua conseqüência natural, que é provocar a saturação num público que vive numa realidade que não tem nada a ver com estas superproduções.

No palco do MAM não estava a figura do vendedor de 200 mil cópias de discos compactos do Pavão em apenas um mês, e mais uma quantidade expressiva de LPs projetado pela trilha sonora de uma novela de TV, (nos dados obtidos pela AURA, a posterior, no ano de lançamento, foram mais de 800 mil cópias entre LPs e Compactos).

No palco do MAM, a figura de um vigoroso cantador cearense, invocando sua terra, emocionando todo mundo, com a simplicidade e sinceridade de seu trabalho, fazendo charme e piada com o fato de não ser um virtuose e nem mesmo uma estrela.

 

Aloysio Reis é Jornalista e Produtor e Diretor Artístico de Gravadoras