O antimarasmo

Revista VEJA
Julho 1972 - página 76
(Pesquisa , Digitalização e Observações - Aura Edições Musicais - 2005)


"Proposta" de Júlio Lerner, na Cultura: fazer literatura ao vivo

O todo-poderoso Ibope não divulgou cifras astronômicas de audiência. Mas, depois que os dois mais recentes programas da série "Proposta" foram ao ar na semana passada em São Paulo, a TV Cultura, Canal 2, já recebeu mais de duzentas cartas e telefonemas de entusiasmo e a Universidade do Paraná interessou-se em adquiri-los para suas faculdades de letras, de comunicações e de jornalismo.

São fotografias da paisagem do sertão mineiro que desfilam na tela. Campinas vastas, chapadões sem fim. Com música de fados ou temas hebraicos alegres como fundo musical, surgem, com maravilhoso impacto visual, personagens entrevistos em janelas semifechadas, noivos da roça de rosto solene, crianças saltando de alegria em meio a casas em escombros. O documentário que o cineasta. O documentário que Roberto Santos montou, baseado nas fotografias nas fotografias que Maureen Bisilliat captou de Minas Gerais em seu livro de homenagem póstuma a João Guimarães Rosa, é a introdução plástica a dois filmes de 50 minutos de duração cada um, dedicados ao escritor mineiro no quinto aniversários de sua morte. Depois da introdução - com depoimentos claros e acessíveis do próprio Roberto Santos, do professor de literatura José Carlos Garbuglio (autor de um livro sobre Guimarães Rosa) e do crítico de literatura e amigo pessoal do autor de "Sagarana", Leo Gilson Ribeiro - cada entrevistado relata seu contato pessoal com o autor de "Grande Sertão": Veredas".
* (Importante ler observações - Aura Edições Musicais)

Sem pedantismo - Com Leo Gilson, que conversou pela primeira vez no Rio, ele conversou sete horas ininterruptas sobre misticismo oriental e ocidental. A Roberto Santos, que lhe pedia orientação sobre o local onde filmar "A Hora e a Vez de Augusto Matraga", o contista respondeu: "Pode filmar onde houver poeira e estrelas".
Júlio Lerner, idealizador de "Proposta" e "obcecado com a tarefa de sacudir o marasmo de autocomplacência da TV brasileira", acha que o seu é apenas "um programa que teve receptividade porque busca compreender de forma mais profunda, mas sem pedantismo, aquelas, aquelas pessoas como Guimarães Rosa, que acrescentam ou modificam o mundo em que vivemos". Esclarecendo: "Proposta" é um museu da imagem e do som ao alcance de todos e fugindo da palavra museu, que sugere coisa mofada e fora de uso".
Não aparecendo no vídeo, Júlio Lerner, que é além de diretor também produtor do programa, acha que não deve ficar em evidência: "O que eu sou  acima de tudo é um repórter, se possível um repórter dinâmico, entende?"
"Proposta" por isso já focalizou personalidades escolhidas propositadamente pela sua diversidade: o compositor nordestino Luiz Gonzaga, o ator Paulo Autran, o teólogo Frota Pessoas e o conjunto pernambucanos Quinteto Violado.

Aulas na rua - O próximo projeto de Lerner é "entrar pelo Brasil adentro ir para o mato filmando e dialogando com o homem brasileiro, não só o brasileiro urbano, mastigado pela engrenagem industrial". Depois de doze apresentações de "Proposta" surgem as primeiras ramificações já fora do Brasil. Há possibilidades que algumas das 56 universidades americanas que lecionam português e literatura brasileira, adquiram alguns programas que elucidam a música popular e os escritores do Brasil. Lerner acha essa oportunidade excelente: "Pretendo fazer toda uma série dedicada à literatura brasileira. Irei ao nordeste dos engenhos de José Lins do Rego e às Alagoas de Graciliano Ramos e Jorge de Lima. Tirando a formalidade da sala de aula, gostaria de dar uma aula viva, nos locais em que ela foi criada".


Observações Aura Edições Musicais:

(*) A publicação da revista VEJA, (julho 1972 - página 76), foi digitada na íntegra, incluindo foto publicada com nossas observações.
Possivelmente pelo fato do grupo "Pessoal do Ceará" ainda não ser conhecido do grande público do eixo sudeste, não existem maiores referências aos componentes: Ednardo, Rodger Rogério, Teti, Belchior, a não ser a foto da matéria registrada em momento de preparação de gravação no estúdio 1 da TV Cultura / SP: Em primeiro plano o jornalista Júlio Lerner, e na plataforma artística: Ednardo (dedilhando o violão), Rodger Rogério (de costas recebendo violão), Teti (lendo letras que iria interpretar), Belchior (pelo angulo do fotógrafo - aparecem apenas os braços - atrás da Teti); e os músicos: Sergio Shara (flauta), Cacá (percussões); Sergio Palha (contrabaixo) - não aparece na foto - estava afinando instrumento fora do campo visual do fotógrafo.

A matéria prima dos programas "Proposta" pelo que temos em nossos arquivos, são entrevistas orientadas por Julio Lerner com pessoas de destaque na área da cultura, música, ciência, literatura, artes plásticas, teatro, e participação semanal do "Pessoal do Ceará" que criavam várias músicas específicas para cada programa, ilustrando musicalmente o trabalho de cada entrevistado, comentando e fornecendo idéias poéticas e musicais.

Aura Edições Musicais, digitou trechos condensados de arquivos de sinopses originais de cinco programas do "Proposta", a partir de 10/julho/72 à 07/agosto/72, como fonte de pesquisas fornecidas por Ednardo - "Pessoal do Ceará", que participou de cinco programas da série.
A matéria da revista Veja, registra que são doze programas durante o período. No mês de agosto de 1972, O Pessoal do Ceará - Ednardo, Rodger Rogério e Teti, haviam sido contratados pela gravadora Continental e preparavam o disco - "Pessoal do Ceará" - Meu Corpo Minha Embalagem todo gasto na Viagem - lançado entre 1972 e 1973, e Belchior, contratado pela gravadora Chantecler, preparando disco - Belchior, lançado no início de 1974.

O objetivo deste registro é fornecer dados auxiliares de pesquisa, citando trechos das letras realizadas pelos autores devidamente identificados e uma micro ficha técnica de cada programa precedida com breve apresentação condensada extraída das sinopses, do jornalista Júlio Lerner.

Expressando um pouco do clima daqueles momentos de gravações. O ano era 1972, meses de julho e agosto, o Brasil vivia momentos difíceis na ditadura militar, muitos artistas, jornalistas, políticos, escritores, pensadores, foram exilados ou se auto exilaram. A TV Cultura como de resto todos os meios de comunicações eram severamente vigiados e submetidos à censura prévia. No cotidiano artístico brasileiro, os que ficaram no Brasil, tiveram que enfrentar a dura realidade da repressão e inventar seus caminhos.

Reproduzindo trecho de matéria do jornalista Nelson Motta publicada no jornal O Globo 1976"Há quase sete anos um bando de rapazes saiu do Ceará e veio para o Sul. Tempos duríssimos para todos. O desafio da construção de uma carreira artística numa barra extremamente pesada. Mais pesada que a enfrentada pelos baianos, há uns doze anos. Os cearenses ainda chegaram com mais esse peso nas costas: apresentar um trabalho novo e original logo depois que Gil e Caetano já tinham pintado e bordado, virando e revirando a mesa. Ednardo, Belchior e Fagner, seguraram uma muita pesada. A chamada batalha braba, ainda agravada pela total recessão dos musicais na televisão e das oportunidades para artistas novos nos festivais de música. Gravadoras não estavam a fim de arriscar em novidades".


Pra vocês, alguns momentos criativos do que conseguimos resgatar da época. Algumas músicas foram gravadas em discos dos autores, outras são inéditas em discos, só existem até hoje, no programa de 1972 - TV Cultura -SP "Proposta". As músicas e letras eram criadas semanalmente (em média - dez a doze músicas), muitas não foram utilizadas, citamos somente aquelas que estão nas sinopses.
Das músicas compostas por: Ednardo, Belchior e Rodger Rogério, as que identificamos os autores, são nominais, outras, por não termos informações mais precisas, podem ser de autoria solo, parceria dupla ou tripla - informamos como realizadas pelo - Pessoal do Ceará, entendendo-se: (Ednardo, Belchior, Rodger Rogério). Se você encontrar incorreções, agradecemos outras informações que contribuam para aperfeiçoar o registro.

{Todos os direitos reservados com exclusividade aos autores e respectivas editoras e copyright. Aura Edições Musicais (Ednardo); Fortaleza Editora Musical (Belchior); ou diretamente aos autores respectivos: Rodger Rogério, Jorge Mello, bem como nos textos de apresentação, jornalista Julio Lerner.
É vedado utilizações de quaisquer espécie a qualquer título, sem expressa autorização específica dos autores e/ou editores}.

Pesquisa condensada - Aura Edições Musicais - 2005.


Apresentação - Aí está ele, na solidão do estúdio, um homem só. Mas, caminhemos com calma. Estas informações ainda são vagas, imprecisas. Avancemos mais um pouco. Digamos que este homem só, e que no entanto possui tantos amigos, é também um ser especial. Privilegiado. Que em sua profissão pôde transmitir alguns dos mais profundos momentos criados pelo bicho homem para se comunicar com seu semelhante. E reconheçamos - outros momentos que pouco ou nada acrescentaram. De sua vida e de seu trabalho é que começamos a falar. Pois o que nos interessa é podermos atingir uma proposta. Sim, minha gente, este repórter vos diz que apesar de tudo, mais do que nunca é preciso conhecer o ser humano e compreender sua proposta. Aí está um homem que já viveu mil vidas, mas é integral. Que assumiu diversas contradições, porém é lúcido. Aqui está o bicho homem, em seu tempo em seu lugar. Que como poucos sabe criar a mágica comunhão do encontro. Pronto. Os dados essenciais já estão colocados. Meus amigos é este o nosso convidado! Paulo Autran! 
Algumas rápidas pinceladas biográficas, Os avós, pelo lado de seu pai: ele oficial médico do exército baiano, ela de prendas domésticas, paraibana. Os avós por parte de sua mãe: ele, Comandante Naval da Marinha Mercante, carioca filho de belgas, ela, de prendas domésticas, carioca, filha de portugueses. Gentes, fardas e raças se misturando.
Aos sete anos de idade, Paulo Autran sente a primeira grande dor de sua vida: sua mãe falece. Seu pai, delegado de polícia, ainda um homem jovem volta a se casar e do segundo casamento nascem mais sete irmãs, sua família se muda para São Paulo, e ele passa a estudar no Externato Elvira Brandão. Moleque sadio e inquieto brincava de teatrinho com as irmãs, primos e vizinhos. Na atividade lúdica da criança, os primeiros indícios da futura profissão, sua irmã escrevia os textos, e ele chegou a escrever diversas poesias, românticas e infantis, depois jovem, passa a freqüentar teatros vendo com freqüência as Companhias de Dulcina e Procópio Ferreira, lia Machado de Assis. Chega a hora de definir e escolher a futura carreira, o pai queria que seguisse a carreira militar e ele entra na Faculdade de Direito (do Largo de São Francisco), escola que formara tantos poetas, escritores e políticos.
De 1939a 1945, jovem e despreocupado, na Europa eclodira a segunda guerra mundial e a besta-fera nazista estava à solta. Aqui no Brasil vigorava a ditadura Vargas e as liberdades haviam sido suprimidas. Estudantes eram metralhados nas ruas, período muito difícil e trágico para toda a raça humana.
Enquanto estas coisas aconteciam, ele como estudante (totalmente alienado - por declaração própria) ia ao Teatro Municipal e depois de terminada a faculdade começa a advogar e com o passar do tempo se sente amolado, chateado e o escritório se torna uma coisa insuportável, lhe dava mais prazer reuniões musicais na casa de Inezita Barroso, quando surge convite de um grupo de amadores para encenar "A Esquina Perigosa" e criam por necessidade de espaço na Rua Major Diogo (SP) o TBC - (Teatro Brasileiro de Comédia) - um teatro para artistas amadores de São Paulo.
Nascia outra Companhia com os nomes de Paulo Autran, Franco Zampari, Aldo Calvo, Adolfo Celi, Abílio Pereira de Almeida, Nydia Lícia, Valmor Chagas, Cacilda Becker, Tônia Carreiro, esta atriz faz com que Paulo Autran decida se tornar ator profissional.
(N.E: - Ítalo Rossi entra na fase onde o TBC começa a prestar mais atenção na abordagem brasileira). Mas nascia também em São Paulo o Arena - um novo teatro com gente jovem e dramaturgia abordando principalmente problemas nacionais com Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Viana Filho e outros, e o Arena passa a discordar, e muito, da linha do TBC, por nunca ter tido qualquer preocupação com os problemas nacionais. Ele experimenta de 62 a 63 novo gênero com Bibi Ferreira e a partir de 64 um novo ciclo como ator. Alguns de seus amigos e admiradores também estão presentes e fazem algumas perguntas: Armando Bogus, Aracy Balabanian, André Abujamra, Nydia Lícia, Walter Durst, Ademar Guerra, Roberto Santos. Depois de tantas experiências vividas como ator, a definição de vida, considerados os diversos níveis de consciência.

Júlio Lerner

PROPOSTA - Programa 01

Entrevistado - Paulo Autran
Ator - Teatro Cinema e TV fundador do TBC
(Teatro Brasileiro de Comédia)

Produção e Direção: Júlio Lerner
Gravação 10/Julho/1972
TV Cultura - São Paulo

Trilha Musical e Letras:
Ednardo/ Belchior/ Rodger Rogério
(Neste programa, participação de Jorge Mello autor na música 04)
 
Equipe Artística: Pessoal do Ceará:
Ednardo, Belchior, Rodger Rogério, Teti

Músicos:
Sérgio Shara - flautas; Sérgio Palha - contra baixo; Cacá - percussões; Ednardo, Rodger e Belchior - vocais e violões; Teti - vocal 

MÚSICAS & LETRAS


01 - Bicho Homem
Ednardo
(tema de abertura do programa)

Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Caminho do bicho homem
também é descaminhar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Faz muito feito bonito
a proposta é caminhar
No chão tem todo caminho
pra flor desabrochar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Meu nome lhes interessa
tenho muito pra contar

02 - Graça, Choro e Canto
Ednardo

(Box do entrevistado)

Eu sou homem de teatro
do teatro brasileiro
Acho graça, choro e canto
platéia, palco, poeira
Acho graça, choro e canto
por esta nação inteira
por esta nação inteira
por esta nação inteira

03 - Mulata de Prata
Ednardo /
Rodger Rogério / Belchior
(sobre à poesia de Paulo Autran aos 13 anos)
 
Ai, ai, ai, mulata de prata
ai, ai, ai, que morro de amor
Ai, ai, ai, mulata de prata
ai, ai, ai, que morro de amor
Num colégio muito fino
estudou este menino
deu trabalho ao professor
Leu os livros do Machado
e fez verso adocicado
sempre falando de amor
Convidado e pedido
pela turma, escolhido
para ser seu orador
Não, não aceitou
Não aceitou
não aceitou

04 - O que pensa você
Jorge Mello / Belchior
(tema - profissão)

*"(Abaixo a ditadura, abaixo a ditadura)"
"(Abaixo a ditadura, abaixo a ditadura)"

O que pensa você
fazer da vida rapaz
O que pensa você
fazer da vida rapaz
Ser coronel ou tenente
ou marinheiro do cais
Ser coronel ou tenente
ou marinheiro do cais
Ou será que o Brasil
vai ter um doutor a mais
Ou será que o Brasil
vai ter um doutor a mais
O que pensa você
fazer da vida rapaz
*"(Abaixo a ditadura, abaixo a ditadura)"
"(Abaixo a ditadura, abaixo a ditadura)"

*(Sugestão de Júlio Lerner - incluir na abertura e final da música a frase "Abaixo a ditadura", para fazer contra-ponto entre ditadura de Vargas e ditadura militar de 64)

05 - Tablado Iluminado
Ednardo / Belchior / Rodger Rogério

(sobre o TBC - Teatro Brasileiro de Comédia)

No tablado iluminado
passa peça, pão e circo
Cultura e cores da Europa
ilha nas coisas daqui
Matronas, vinhos rosè
Diretores estrangeiros
no palco do TBC
Passa peça, pão e circo
no palco do TBC

06 - Fox-lore
Rodger Rogério / Dedé

São os filhos dessa gente
Que aparece na TV
Que controlam nossa mente
Como, quando, onde, porque
A poesia chega em latas
Tutti frutti e hortelã
Vitaminas são baratas
Corpo limpo e mente sã
Mente sã
Ora viva o foguete, a concepção
O longo porrete da persuasão
Carneirinho, carneirão, neirão, neirão
Olha pro céu, olha pro chão
Pro chão, pro chão
Pede a Deus Nosso Senhor
Senhor, Senhor
Para todos se alevantar

Nesse jogo violento destes homens de capuz
Pega fogo pensamento e armadilha se produz
Se produz
Ora viva o botão
Embora nos custe os dedos da mão
*"(In God we trust)"
"(Oh yeah)"!
"(In gold we trust)
"

07 - Proposta
Rodger Rogério / Belchior

(tema de encerramento do programa)

Esta é nossa proposta
tome a sua decisão
com seus olhos e ouvidos
e sua imaginação
Viver é grande perigo
perigosa profissão
mas nunca falta motivo
nunca falta ocasião
Para renovar o mundo
para renovar o mundo
Ciência, arte e razão
Para renovar o mundo
para renovar o mundo
Ciência, arte e razão

Apresentação: O sonho intenso de menino pobre, com seis anos doado à sua avó, longe dos irmãos, no bairro cosmopolita da Moóca, filho de operários daqueles tempos, passou a habitar os fundos de uma indústria na Moóca. Um garoto só. A fábrica fechava as 5 da tarde e ele ficava sem ter com quem conversar. Então jogava sozinho futebol com uma velha bola e ficava irradiando a partida imaginária. Na solidão e enorme necessidade de se comunicar com o mundo, os dados essenciais para a compreensão de sua futura profissão.
Ouvia rádio, teve diversos empregos temporários na adolescência - embrulhador de santinhos, auxiliar de ferreiro, serralheiro, carpinteiro, torneiro, eletricista funções que adquiriu dos cursos do Senai. Depois fez curso de Madureza Ginasial, simultaneamente com Clássico e Científico, já com interesses voltados para falar pelo microfone dos serviços de alto-falantes "A Pioneira" da Moóca e depois a peregrinação por emissoras de rádio de São Paulo à procura de emprego, trabalha um ano como locutor substituto na Rádio Piratininga, depois como locutor esportivo em Mogi das Cruzes e depois na Rádio Nove de Julho, como repórter, vai para o Rio de Janeiro e pela RGE é divulgador da fábrica de discos nas emissoras cariocas e se torna locutor da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, e em 1957 conhece pessoas ligadas ao movimento - Bossa Nova.

A vida e a obra de homens de rádio no Brasil, não foi entendida até hoje em toda sua complexidade. Ao lado das características psicológicas individuais que determinam um estilo próprio de atuação, existem outros fatores que estão a merecer um estudo mais aprofundado por parte daqueles que se preocupam com o campo das comunicações em nosso país. O caráter comercial da maioria das nossas emissoras, gerando uma discutível filosofia de programação, a corrida contínua atrás das grandes audiências, as deformações oriundas de uma concorrência, muitas vezes amoral, acabam influindo diretamente sobre o comportamento de um radialista. Paralelamente, some-se a isto os problemas de vaidade pessoal, os problemas de insegurança, de frustração e de medo. Em verdade, não existe um único profissional de Rádio ou de TV em nossa terra que - de um modo ou de outro - não se tenha envolvido com este gênero de problemas. Rádio e Televisão, os mais poderosos meios de difusão de nossos tempos, - criam modismos, impõem gostos, divulgam o consumo e sempre apresentam um apetite voraz e insaciável.
Estas máquinas exigem uma competência profissional muito definida para diversas atividades. E a tendência que se verifica entre os diversos profissionais é a da especialização: setor esportivo, setor jornalístico, setor musical, setor humorístico, etc.,. Mas alguns homens, dotados de capacidade especial, adaptam-se e bem - a todos os campos com uma plasticidade incomum.

O convidado dessa noite, Walter Silva, é um destes casos raros: as necessidades econômicas de um lado, e de outro uma iniludível vocação, fizeram dele um homem de mais de 7 instrumentos: locutor, repórter geral, produtor de programas humorísticos, repórter de campo, narrador esportivo, disc-jockey, divulgador, produtor de discos, produtor de shows musicais e colunista de jornal. Todas estas atividades somadas ao seu temperamento de homem inquieto, acabaram por colocando-o numa posição polêmica: discutido por alguns, criticado por outros, elogiados por muitos.

Júlio Lerner.
PROPOSTA - Programa 02

Entrevistado - Walter Silva
Radialista, Jornalista, Disc-Jockey
e Produtor Musical Fonográfico

Produção e Direção: Júlio Lerner
Gravação: 17/Julho/1972
TV Cultura - São Paulo

Trilha Musical e Letras:
Ednardo/ Belchior/ Rodger Rogério

Equipe Artística Pessoal do Ceará:
Ednardo, Belchior, Rodger Rogério, Teti

Músicos:
Sérgio Shara - flautas; Sérgio Palha - contra baixo; Cacá - percussões; Ednardo, Rodger e Belchior - vocais e violões; Teti - vocal


MÚSICAS & LETRAS


01 - Bicho Homem
Ednardo
(tema de abertura do programa)

Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Caminho do bicho homem
também é descaminhar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Faz muito feito bonito
a proposta é caminhar
No chão tem todo caminho
pra fulô desabrochar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Meu nome lhes interessa
tenho muito pra contar

02 - Meu trabalho é no rádio
(Pessoal do Ceará)

Box do entrevistado

Meu trabalho é no rádio
por um rádio verdadeiro
Por isso levei rasteira
São Paulo, Rio de Janeiro
Mesmo assim tenho proposta
Para o disco brasileiro
Mesmo assim tenho proposta
pro mercado brasileiro

03 - Fique à vontade
Belchior


Desculpe a intimidade
que nessa pergunta vai
conte aí de sua família
principalmente seu pai
E fique muito a vontade
pra contar o que quiser
pois São Paulo é grande amiga
para o que der e vier

04 - Menino da Moóca
Ednardo / Rodger / Belchior

Diga menino da Moóca
quais os sons desse lugar
Quais as canções e cantigas
Que se cantavam por lá
Vozes falas estrangeiras,
tão doces de recordar
Todo o lugar que se preza
tem as suas tradições
folguedos, feiras, brinquedos
bazares e diversões
Fale das festas da Moóca
dê as suas impressões

05 - Samba do Lima
Ednardo


Numa praça de São Paulo
chamada Praça da Sé
pra conversar se juntavam
muitos artista de fé
Tudo ali era assunto
música, vinho e mulher
Pois ali só se falava
das coisas que davam pé
Pois ali só se falava
das coisas que davam pé
Alguém querendo um baile
música quente, alegria
bastava apenas chamar
e logo uma orquestra se fazia
bastava apenas chamar
e logo uma orquestra se fazia
Certo dia um amigo
em festa de aniversário
queria um violonista
que não fosse muito primário
Justo e bem contratado
um nego, nego muito bamba
não cumpriu o combinado
deixando a turma sem samba
não cumpriu o combinado
deixando a turma sem samba
E ao se ver interpelado
saiu-se muito bem desta
-Mandei o Lima, danado !
-Mandei o Lima pra festa !
-Mandei o Lima, danado !
-Mandei o Lima pra festa !

06 - Disc-Jockey
Belchior


Disc-Jockey Walter Silva
como artista brasileiro
quero saber com certeza
do modo mais verdadeiro
porque no Rio e São Paulo
porque no Brasil inteiro
se toca tanto no rádio
disco importado estrangeiro
Walter Silva você sabe
que é a coisa mais normal
disco estrangeiro importado
no mercado nacional
Peço que você explique
a todo o povo em geral
qual o problema que existe
com o disco nacional

07 - Falas e Falatórios
Ednardo


Pra acabar com o falatório
que por aí estão fazendo
Me fale amigo Walter
dessas coisas que só vendo
A lei da execução obrigatória musical
se é na verdade cumprida
no setor nacional
Ou se a coisa está errada
e vai mesmo muito mal

8 - Fale o que pensa
Rodger Rogério


Eu sei que o disco estrangeiro
causa muita confusão
Eu sei que existem problemas
de indústria e importação
Ao produtor Walter Silva
que conhece a situação
peço que fale o que pensa
e proponha solução

9 - Proposta
Rodger Rogério / Belchior
(tema de encerramento do programa)

Esta é nossa proposta
tome a sua decisão
com seus olhos e ouvidos
e sua imaginação
Viver é grande perigo
perigosa profissão
mas nunca falta motivo
nunca falta ocasião
Para renovar o mundo
para renovar o mundo
Ciência, arte e razão
Para renovar o mundo
para renovar o mundo
Ciência, arte e razão

Apresentação:  A raça branca é mais forte ou mais fraca que a raça negra? O homem de hoje e o homem de um milhão de anos atrás são realmente diferentes? O que é um aconselhamento genético? Se uma mulata do patropi casar-se com um chinês, como serão seus filhos? O bicho homem ganha agora um enfoque especial. Você vai conhecer um dos mais importantes cientistas do Brasil, que com fala direta e fluente nos traz sua proposta.
Este é o nosso convidado de hoje. Professor Osvaldo Frota Pessoa. Médico, geneticista, professor da Universidade de São Paulo, chefe do Laboratório de Genética Humana, do Departamento de Biologia da Universidade. Autor de diversos livros sobre genética e problemas de ensino, professor de professores, participante de inúmeros congressos internacionais de Genética, conferencista e pesquisador.
Mas quando o animal estudado é o bicho-homem, as coisas se tornam muito mais complicadas. Se no mundo do pesquisador, "raça" é apenas um simples episódios dentro da variabilidade imensa dos seres vivos, alguns outros seres da espécie humana, também definidos como racionais, enfocam a questão racial com outras lentes, bastante deformadas. Interesses econômicos, problemas sociais, histerias coletivas e paranóias do poder têm causado grandes tragédias à Humanidade, sob o pretexto das diferenças raciais.
Sabemos que racismo é problemática social, e não biológica. Queremos conhecer o que é "raça", em termos genéticos. A "ciência nazista" criou diversas deformações científicas a serviço do poder hitlerista. Alguns autores, movidos por interesses bastante discutíveis, afirmam que a raça negra é inferior, uma vez que os negros são sujeitos com mais freqüência a certos tipos de doenças. A hibridização, isto é, a mistura entre as raças é benéfica ou nociva?
Em que medida a poluição existente atualmente no mundo pode alterar a estrutura genética do homem? Em muitas partes do mundo de hoje, grandes parcelas da juventude se voltam contra a tecnologia. Como a tecnologia é produzida direta e indiretamente pela ciência, os jovens acabam se voltando também contra a ciência. Isto é espúrio, pois acaba surgindo uma tendência  de abolir a própria ciência! O que deve ser feito para que os jovens reinterpretem a realidade?

Júlio Lerner

PROPOSTA - Programa 03

Entrevistado - Oswaldo Frota Pessoa
Cientista e Geneticista da USP

Produção e Direção: Júlio Lerner
Gravação: 24/Julho/1972
TV Cultura - São Paulo

Trilha Musical e Letras:
Ednardo/ Belchior/ Rodger Rogério

Equipe Artística: Pessoal do Ceará:
Ednardo, Belchior, Rodger Rogério, Teti


Músicos:
Sérgio Shara - flautas; Sérgio Palha - contra baixo; Cacá - percussões; Ednardo, Rodger e Belchior - vocais e violões; Teti - vocal


MÚSICAS & LETRAS


01 - Bicho Homem
Ednardo
(tema de abertura do programa)

Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Caminho do bicho homem
também é descaminhar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Faz muito feito bonito
a proposta é caminhar
No chão tem todo caminho
pra flor desabrochar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Meu nome lhes interessa
tenho muito pra contar

02 - Ciência e Trabalho
(Pessoal do Ceará)

Box do entrevistado

A ciência é meu trabalho
meu caminho e minha vida
pois aprendi que a verdade
é a meta perseguida
com responsabilidade
na transformação da vida
na história da humanidade

03 - Use a TV
Rodger Rogério


Professor Frota Pessoa
use a tv pra explicar
se todo casal precisa
dos conselhos da genética
pra se tranqüilizar

04 - Dureza Geral
Ednardo


Pra se viver hoje em dia
as coisas não estão de brinquedo
Dureza geral, carestia
os preços chegam a dar medo
Me diga ilustre doutor
caso não saia da ética
quanto custa pra um casal
um aconselhamento genético

05 - Ciência Universal
Rodger Rogério


Há cientistas que gozam
de bom conceito geral
mas misturam interesses
à ciência universal
Gente danada da peste !
Tomem cuidado, atenção !
Professor nos conte o caso
de um certo autor alemão
06 - Carnaval das Raças
Rodger Rogério / Belchior


Lái, lái, lái, lái, lái, lái, lái
Lái, lái, lái, lái, lái, lái, lái

É uma casa portuguesa com certeza !
É a comunicação total
É a miscigenação geral
É a aldeia global
Foi McLuhan quem disse
Foi Mcluhan quem disse
aumenta a entropia universal
São muitas velas no mar
é o português chegando e amando
é a população aumentando
É a ciência que diz pra vocês
não faz mal juntar mulata com chinês
Não... não... não ...
Não faz mal juntar
mulata com chinês

07 - Sinais de Semelhança
Belchior


Professor Frota Pessoa
explique em linhas gerais
os sinais da semelhança
e as diferenças reais
do bicho homem hoje vivo
e do homem vivo
de um milhão de anos atrás

08 - Regra e Exceção
Ednardo


As pesquisas da ciência
podem ser utilizáveis
para o progresso do Homem
salvam vidas incontáveis
Mas toda regra geral
tem a sua exceção
às vezes são dirigidas
pra morte e destruição
Será que os cientistas
diante das descobertas
são responsáveis morais
por estas portas abertas ?

Apresentação:   (Não dispomos da sinopse completa que inclui apresentação de Julio Lerner - mas incluimos breves dados sobre Paulo Vanzolini)

Nascido em São Paulo, aos quatro anos mudou-se para o Rio. Aos 18 anos, entrou para a faculdade de medicina, ao mesmo tempo em que passava a freqüentar as rodas de samba na noite carioca. Foi quando começou a compor seus primeiros sambas. Dois anos depois, foi trabalhar com um primo na Rádio América, no programa Consultório Sentimental, da atriz Cacilda Becker.
Em 1946, começou a dar aulas no Colégio Bandeirantes e foi trabalhar no Museu de Zoologia da USP. Formou-se um ano depois, casou-se e foi para os EUA, onde graduou-se doutor em zoologia, na Universidade de Harvard. De volta a São Paulo, foi em 1951 que compôs seu maior clássico, o samba-canção "Ronda", que se tornaria uma peça obrigatória nos pianos-bar de todo o país a partir de então. Inicialmente, lançada por Inezita Barroso, só faria sucesso real nos anos 60, graças à gravação da cantora Márcia. Depois, voltaria às paradas na voz de Maria Bethânia, que a regravou em 1978. Ainda em 51, Vanzolini lançou um livro de poemas, "Lira".

A seguir, foi convidado a atuar na TV Record (SP). Em 1963, teve seu samba "Volta por Cima" lançado pelo sambista paulista Noite Ilustrada, com grande sucesso, em seu LP de estréia. Era o segundo clássico do compositor. Nesse ano, Vanzolini tornou-se diretor do Museu de Zoologia e continuou compondo músicas, muitas delas conhecidas apenas pelos freqüentadores da boate Jogral, onde vez por outra dava canjas. Em 67, dois de seus amigos – Luís Carlos Paraná e Marcus Pereira – decidiram produzir um LP com suas canções, "11 Sambas e uma Capoeira", interpretada por diversos cantores, tais como Chico Buarque ("Praça Clovis" e "Samba Erudito"). Em seguida, inaugurou uma parceria com Toquinho, compondo "Na Boca da Noite" (que venceu a etapa paulista do II FIC, da TV Globo), "Boba" e "Noite Longa". Em 1974, o mesmo Marcus Pereira em seu selo editou mais um LP do compositor, "A música de Paulo Vanzolini", com canções suas interpretadas por Carmen Costa e Paulo Marques, como "Falta de Mim" e "Mulher que Não Dá Samba". Destaca-se ainda em sua obra o samba "Amor de Trapo e Farrapo", composto em 67.

Fonte: - Revista Eletrônica - CliqueMusic.

Obs: Aura Edições Musicais: - Neste programa "Proposta", além da abordagem de seu lado musical foi também abordado seu lado cientista e pesquisador, e suas viagens pelo Brasil.

PROPOSTA - Programa 04

Entrevistado - Paulo Vanzolini
Compositor e Pesquisador Zoológico

Produção e Direção: Júlio Lerner
Gravação: 31/Julho/1972
TV Cultura - São Paulo

Trilha Musical e Letras:
Ednardo/ Belchior/ Rodger Rogério

Equipe Artística: Pessoal do Ceará:
Ednardo, Belchior, Rodger Rogério, Teti


Músicos:
Sérgio Shara - flautas; Sérgio Palha - contra baixo; Cacá - percussões; Ednardo, Rodger e Belchior - vocal e violões; Teti - vocal

MÚSICAS & LETRAS


01 - Bicho Homem
Ednardo
(tema de abertura do programa)

Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Caminho do bicho homem
também é descaminhar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Faz muito feito bonito
a proposta é caminhar
No chão tem todo caminho
pra flor desabrochar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Meu nome lhes interessa
tenho muito pra contar

02 - Box do entrevistado

03 - Minas de Igrejas Soltas
Ednardo


Minas Gerais
Igrejas soltas na brancura do tempo
Terra sem mar
e um casario imenso
nas Minas Gerais
Nas Minas Gerais
Minas Gerais
de horizonte preso em verdes cabeceiras
lava teus mistérios nas águas das ribeiras
Das minas gerais, das minas gerais
Se você, você puder dizer, me diga
Se você, você puder contar, intrigas
Se você, você puder cantar, cantigas
Das Minas Gerais
Das Minas Gerais

04 - Chão Sagrado
Rodger Rogério / Belchior


Você conhece o nordeste
palmilhou seu chão sagrado
viu Cascavel e Colunas
sol quente por todo lado
Você conhece o nordeste
Morro Branco e Quixadá
palmilhou seu chão sagrado
por isso pode falar
Minha viola em meu peito
canta e nunca desafina
ela é que sabe dos modos
da cantoria nordestina

05 - Zôo
Ednardo / Rodger Rogério

Pica-pau fura madeira
Lagartixa sobe muro
E no meio da floresta
É a bicharada no duro
É tanto bicho no mundo
Tanta fera e coisa e ta
l
Onde entra a zoologia
No contexto nacional
... ... (neste trecho da letra as reticências sugerem corte ou censura prévia)
...

Por isso entenda dos bichos
Deste mundo animal
07 - Do Amazonas
Rodger Rogério


Do Amazonas muito grande
Fale, conte, seja claro
Do Amazonas muito grande
Respiradouro do mundo
Do Amazonas muito grande
Armazém geral do mundo
Do Amazonas muito grande
Fale, conte, seja claro
Do Amazonas muito grande
Um paraíso perdido
Do Amazonas muito grande
Os três reinos escondidos
Do Amazonas muito grande
Fale, conte, seja claro
Você que montaria
Já subiu todo esse mar
Do Amazonas muito grande
Queremos ouvir contar

07 - Proposta
Rodger Rogério / Belchior
(tema de encerramento do programa)

Esta é nossa proposta
tome a sua decisão
com seus olhos e ouvidos
e sua imaginação
Viver é grande perigo
perigosa profissão
mas nunca falta motivo
nunca falta ocasião
Para renovar o mundo
para renovar o mundo
Ciência, arte e razão
Para renovar o mundo
para renovar o mundo
Ciência, arte e razão

Apresentação - Cangaceiro manso com manhas de gato, exuberância de galo, pronto a riscar os esporões e explodir no canto, peixe místico, mandacaru "fulorado" - eis Aldemir Martins - Re-trato de Aldemir, do jeito que é só dele, ninguém pode traçar por escrito. Palavras poucas não dá, palavras demais complica.
Pra fazer um re-trato bem exato desse que é o mais universal dos cearenses, só um artista de abecê, capaz de ilustrar com os traços mais simples a complicadíssima discussão de Lampião com São Pedro, as bravuras dos doze pares de França ou os mistérios do Pavão Misterioso. Pois Aldemir Martins, artista é a identificação total com sua arte. Mais precisamente, identificação com a motivação que o inspira - o sertão gritando na atitude de cangaceiro ataviado ao lado de um pé de mandacaru, tendo o sol sobre a cabeça, dependurado num céu sem esperanças, ou mar (a promessa de liberdade quase inatingível) sintetizado num peixe de mil cores.

Hoje nós vamos falar com Aldemir Martins. Um cearense sensível, que procura cada vez mais identificar-se com as coisas mais simples. E que por isso mesmo contêm a beleza maior. A longa relação com seus amigos há muito vem tentando defini-lo e as coisas se complicam cada vez mais à medida que Aldemir amadurece. Audálio Dantas, outro cabra aperreado, foi talvez o que mais se aproximou. Mas para entender o nosso convidado central de hoje o melhor mesmo será ouvi-lo e conhecer as coisas que o cercarem.
Nada melhor do que fazer um programa com um cearense contando com a colaboração musical do Pessoal do Ceará.

Ainda em Fortaleza, ilustra alguns número para o suplemento do Jornal "Unitário", Surgem os primeiros quadros, depois vai para o Sul, mais precisamente para o Rio de Janeiro, onde passa fome e dificuldades e após um ano de Rio de Janeiro, decide ir para São Paulo, quando chega em 1946, vestindo seu terno de labene cor-de-rosa e calçando sapatos brancos e percorrendo as ruas e avenidas de São Paulo, carregando em sua mente as imagens do mar e do sertão do Ceará, e também, a esperança amalucada de realizar um sonho incrível para a época - viver da arte e para a arte - isto no Brasil de 1946.

Nos primeiros dez anos de São Paulo, vence três bienais seguidas, e em 1956 levanta seu primeiro grande prêmio no exterior, e o reconhecimento nacional e mundial.

Júlio Lerner

PROPOSTA - Programa 05

Entrevistado - Aldemir Martins
Artista Plástico, Pintor e Desenhista

Produção e Direção: Júlio Lerner
Gravação: 08/Agosto/1972
TV Cultura - São Paulo

Trilha Musical e Letras:
Ednardo/ Belchior/ Rodger Rogério

Equipe Artística: Pessoal do Ceará:
Ednardo, Belchior, Rodger Rogério, Teti

Músicos:
Sérgio Shara - flautas; Sérgio Palha - contra baixo; Cacá - percussões; Ednardo, Rodger e Belchior - vocais e violões; Teti - vocal 

MÚSICAS & LETRAS

01 - Bicho Homem
Ednardo
(tema de abertura do programa)

Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Caminho do bicho homem
também é descaminhar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Mas na volta - volta e meia
muita coisa pode dar
Faz muito feito bonito
a proposta é caminhar
No chão tem todo caminho
pra flor desabrochar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
que também tem muito espinho
pra nego se espetar
Peço licença, senhores
pois eu vou me apresentar
Meu nome lhes interessa
tenho muito pra contar

02 - Mundo Bonito
(Pessoal do Ceará)

Box do entrevistado


Quero um mundo mais bonito
do que as noites do sertão
descobri beleza nova
com o traço de minha mão
Bichos da noite e do dia
tudo noutra dimensão

03 - Eh! Bumba
(Pessoal do Ceará)

Eh! Bumba Eh! Boi
Eh! Bumba Eh! Boi
Amigo vê se te lembras
Daquele tempo que foi
A cadeira na varanda
Casa grande, campo e céu
Os dores pares de França
O romance de cordel
Trabalho, sol do meio-dia
João Mendes, o coronel
Mateus, Matias
Eh! Bumba Eh! Boi
Amigo vê se te lembras
Dos heróis daqueles dias

04 - Cheiro da Terra
(Pessoal do Ceará)

Quem mora na beira do mar
Não sabe que coisa é o sertão
Não tem notícia de cangaceiro
Nem do Juazeiro
Do Padim Ciço Romão.
Olha o boi, olha o diabo
Olha a fala, olha o sangue
Olha o cheiro da terra
Subindo do chão
Oi solzão
O forró, o candeeiro
A sanfona o sanfoneiro
É o ôco do mundo
Poeira, fole e baião
É a senda das coisas
Rede branca, trança de carnaúba
É o olho por olho
Olha a luz de Lampião
Quem viu cabra cangaceiro
Do bando do Lampião
Do bando do Lampião
Governador do Sertão
Governador do Sertão
05 - Coivara
Ednardo

A chuva em cima da cinza
A cinza em cima da terra
Nascido da terra sou eu
Mistura de tudo eu sou
Coivara, coivara
Coivara que já queimou
Coivara, coivara
Coivara que já queimou
Juntei os garranchos do mato
Por onde passou meu amor
Juntei alegria e tristeza
Do bem que agora murchou
O olho olhando pro tempo
A chuva caindo do olho
Molhou o sertão e a cinza
Do verde que se acabou
Coivara, coivara
Coivara que já queimou
Coivara, coivara
Coivara que já queimou

06 - Ingazeiras
Ednardo


Nascido pela Ingazeiras
Criado no ôco do mundo
Meus sonhos descendo ladeiras
Varando cancelas, abrindo porteiras
Sem ter o espanto da morte
Nem do ronco do trovão
O sul, a sorte, a estrada
Me seduz
Eh! iê eh!
É ouro
É pó
É ouro em pó
Que reluz
É ouro, é pó
è ouro em pó que reluz

07 -
Proposta
Rodger Rogério / Belchior
(tema de encerramento do programa)

Esta é nossa proposta
tome a sua decisão
com seus olhos e ouvidos
e sua imaginação
Viver é grande perigo
perigosa profissão
mas nunca falta motivo
nunca falta ocasião
Para renovar o mundo
para renovar o mundo
Ciência, arte e razão
Para renovar o mundo
para renovar o mundo
Ciência, arte e razão