A música não morreu
A música popular brasileira
encontra-se numa encruzilhada. Comprimida entre os interesses
do mercado – representado pelas grandes gravadoras - e pela
conivência do governo diante do vendaval de pirataria, a
população é assaltada diuturnamente com um derrame de músicas
de péssima qualidade que invadem a mídia, dando ao panorama
musical nacional algo próximo da mediocridade.
Enquanto isso ícones da Música
Popular Brasileira como Ednardo – ao largo das trajetórias
pasteurizadas convencionais – desbravam outros caminhos,
adentrando um universo de rara beleza e profunda criatividade.
O Ednardo de Terral, Pavão Mysteriozo, Ima, Ausência e
Pastoril. É um poeta de expressão maior, músico escolado nos
mistérios da gente simples, uma mistura quem sabe de anjo e
homem.
Nascido em Fortaleza, consagrado
em todo o Brasil, suas músicas tocam em vários países das
Américas, Europa e Ásia. Com 30 anos de carreira e mais de 250
músicas gravadas é indubitavelmente um dos mais importantes
artistas da cultura nacional.
O Brasil não tem que se privar do
que tem de melhor. Ednardo e a MPB de qualidade estão mais
vivos que nunca. É o que você verá nesta entrevista musical do
ídolo de todos os tempos, o cearense Ednardo, o brasileiro
Ednardo. Afunde na cadeira e leia uma das melhores entrevistas
da Bula.
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Bula - Onde
você nasceu?
Ednardo - Em
Fortaleza/Ceará, em uma casa à rua Senador Pompeu, os
cearenses brincam dizendo que é a rua mais extensa do mundo,
inicia na beira da praia, atravessa em linha reta toda a
cidade, transforma-se em estrada, vai pelo interior do Ceará,
em direção a todo o Brasil.
Bula -Você
acredita em artista injustiçado?
Ednardo - Não; Sim;
Talvez; Quem saberá o que é isto que trafega entre a bruta
força dos meios, onde os Artistas navegam com sutilezas?
Grandes gravadoras e a “mass mídia”, com raras e honrosas
exceções, tem tratado o assunto Música Brasileira, com
distanciamento, desconhecimento e outros interesses
prejudiciais às nossas diversidades e riqueza musical,
rítmica, poética e estética. Não é difícil
perceber.
Escutem rádios, vejam tv’s,
saibam como se escolhem prioridades de lançamentos de discos,
patrocínios, projetos artísticos, quais espaços e horários de
programações, enfim o que é oferecido para consumo popular e
de que forma.
Aquilo que grande parte da massa
tem conhecimento é muito aquém da importância e popularidade
das artes, e músicas realizadas pelos artistas
brasileiros.
É só viajar por esse país, e ter
conhecimento do que realmente está acontecendo, a
sensibilidade aflora, o povo brasileiro é sofisticado em sua
cultura popular e exige ser tratado com respeito, e requer ter
acesso ao reflexo de seu verdadeiro espelho, em todas as cores
e estéticas, o país é gigantesco, seu povo maior
ainda.
Sabemos que a grande indústria
cultural, aquela que comanda espaço e tempo na mídia tem
objetivos diferentes da indústria cultural nacional que
enfrenta sérias dificuldades ao seu crescimento. A consciência
quanto à atenção aos produtos áudio e visuais, livros, teatro,
cinema, etc., valorizando seu povo, costumes e identidade que
são de importâncias fundamentais para se construir uma nação,
fica em segundo plano. O brasileiro nos tempos atuais tem
poucas opções e passa a consumir o que for filtrado e decidido
por terceiros e seus representantes, empurrando entre
campanhas publicitárias, marketing e canhões da mídia, tudo
que determinam, aos seus exclusivos critérios.
A afirmação não é individualista,
nem xenófoba, a manipulação da massificação instituída pelo
jabá, pode ser chamada de crime irresponsável e indistinto, e
estão fazendo isto com nosso povo, e seus artistas – antenas
da raça – como fala Ezra Pound. Adjetivar no sentido singular
é tentar desviar o foco da verdadeira questão.
Bula - O
Zeca Baleiro afirmou que você o influenciou. E quanto a você,
quais foram suas influencias?
Ednardo - Li matérias de
vários artistas com esta afirmativa. Penso que são influências
naturais e iniciais de admiração, respeito e aprendizado para
depois decolar livre. Claro que também tive mestres,
aprendendo bastante com todos.
Ao iniciar fazer música, estudava
piano clássico e popular, entre os cinco e quatorze anos.
Freqüentava auditórios de programas de rádios que apresentavam
cantores e orquestras de fama nacional ao vivo, ao mesmo tempo
escutava o que as rádios de Fortaleza, Rio de Janeiro e vários
países ofereciam aos ouvintes. Tínhamos um rádio valvulado com
ondas médias, curtas e tropicais, onde todas as correntes
musicais coexistiam fartamente difundidas e uma discoteca
ampla que eu tratava com carinho desde os discos de cera dos
meus pais aos “long-plays” que passei a adquirir com
freqüência.
Tanto em Fortaleza quanto em
viagens aos litorais e interior do Ceará mais distantes, ia
aos espaços públicos de carnavais e feiras livres, para ver e
escutar maracatus, violeiros repentistas e sanfoneiros,
bumba-boi, congados, frevos, forrós, cocos, emboladas e sambas
descobrindo músicas, ritmos afro-brasileiros e indígenas e
suas vertentes culturais.
Entre os quinze e vinte e cinco
anos meu instrumento mais constante foi o violão, tanto na
vertente dos movimentos musicais que vinham de fora, rock,
blues e jazz, e vertente brasileira, baião, bossa nova, samba,
choro, e vertente latina, bolero, rumba. As músicas de
protesto contra guerras e ditaduras, chegaram ao nosso
conhecimento, e percebemos o que acontecia na América Latina
com regimes políticos autoritários e totalitários que alguns
tentaram combater pelas armas e outros pelas artes. Também
acontecia o pessoal da Bahia, São Paulo, Rio, Minas, Recife.
Paraíba, Piauí, e de muitas outras regiões do Brasil, tudo que
possível naquele momento. Fui abençoado por todas estas
vertentes que eivaram meu espírito e criatividade. É uma lista
enorme de influências, acho que dar para ter uma
idéia.
Agradeço aos sábios mestres terem
me proporcionado este universo. Os melhores ensinamentos que o
conjunto das influências proporcionaram, foi sem dúvida, ter
mente, sensibilidade e consciência, voz e conteúdo para cantar
e ouvidos abertos e atentos, com plenitude de emoções e
compreensão do que somos.
Bula -
Alguns críticos dizem que você ficou a sombra do Fagner, mesmo
sendo um artista mais completo do que ele. Em sua opinião, por
que você não alcançou a mesma projeção?
Ednardo
- Do ponto de vista artístico a abordagem é inusitada
e desconheço comentário neste sentido. Quem possui visão
abalizada e isenta e conhece nossos trabalhos artísticos, não
se refere desta maneira ao que tenho realizado nestes 32 anos
de música, somos diferentes e distantes o suficiente, o que
impossibilita estas colocações.
Por sermos conterrâneos, mesma
geração criativa, não induz comparações de nossas obras, de
nossos projetos artísticos e existenciais. Não se trata de
valoração pessoal, é uma constatação, sem equívoco.
Em meu estoque de propósitos não
está disponível vender o que não ofereço, nem existe vaga para
compradores de meus sonhos. Acho que caminho à minha própria
luz e não está em minhas preocupações obter massificação ao
custo da integridade artística ou do que possa aviltar aquilo
que acredito, está implícito e explícito em minha obra e
posição existencial. Porque querer essa tal de “mesma
projeção” onde alguns para alcançá-la vendem a
alma?
Bula - Por
que não se escuta mais Ednardo nas rádios?
Ednardo - Não se escuta
mais com tanta freqüência, grande e impressionante quantidade
de artistas brasileiros. É esclarecedor se programadores
destes meios e seus departamentos comerciais respondessem a
pergunta de forma clara e verdadeira, são eles que são
comandados na “escolha” e oferecem ao público o que escutamos
e vemos e deixam grande parte do que representa a música
brasileira fora da lista do que é difundido e executado para o
público.
Li recente matéria no Jornal Hora
do Povo (São Paulo), realizada por criteriosa pesquisa do
jornalista Sérgio Rubens, a qual recomendo leitura para todos
que se interessam pelo assunto. www.horadopovo.com.br/2004/julho/16-07-04/pag8a.htm
O Jabá! Famigerada forma
promovida pelas gravadoras estabeleceu a censura econômica
junto com a conivência e interesses de alguns meios de
comunicação e massificação.
Junto ao pagamento, enviam a
lista de poucos artistas e tendências musicais de seus casts
aos controladores do “mass media”. As trinta moedas da traição
à música brasileira têm forma sutil, sem rastros visíveis dos
“serviços prestados” por corrompidos aos corruptores. Outras
terríveis formas de convencimento são as demissões sumárias
daqueles que ousam divulgar o que não está na lista ou quando
expressam suas opiniões. E isto não é só na área da
música.
Talvez alguns executivos de
gravadoras, atualmente se arrependam de ter criado o monstro
que anualmente custa aos seus departamentos, noventa e cinco
milhões de reais e tende a crescer, pois a fome dos que
atendem ao controle é insaciável.
Deixo bem claro, que seria
injusto generalizar, pois alguns meios de comunicações cada
vez mais raros, demonstram em planilhas do Ecad que em várias
cidades e emissoras continuam sendo difundidos para grande
número de ouvintes, muitos artistas brasileiros sem que seja
necessário pagar para tocar. São emissoras que dignamente
entendem o que significa concessões públicas, além de
propósitos comerciais e sabem que música é música e comercial
é comercial e que sem cultura própria tudo fica nas mãos de
outros, incluindo a opção de escolha individual ou
coletiva.
Bula -Você
é um tipo raro de artista que mesmo estando fora da mídia, tem
um público cativo. Por quê?
Ednardo - Tipos raros de
artistas existem em vários segmentos da música brasileira.
Mídia é o conjunto de meios de comunicações, veículos,
recursos, técnicas, suporte, tecnologias de gravação e
registro de informações, jornal, livro, rádio, televisão,
cinema, audiovisuais, discos, dvd, vídeo, internet, show,
divulgação, etc. Quanto ao público que prestigia meus shows e
discos, é bem mais amplo.
Na parte que me cabe realizar são
atualmente mais de 350 obras e gravações registradas em discos
originais e compilações, trilhas de cinema e teatro, especiais
de televisão. Isso resulta em média de registros mais de 12
músicas por ano ao longo de 32 anos. Realizo shows pelo Brasil
que geram matérias em jornais, rádios, tvs, em espaços
significantes. Os produtores de shows constatam a
receptividade da platéia em eventos de médio e grande porte.
Então, nem tão fora da mídia assim. Seria mais adequado dizer
que na mídia limpa, sem forçar a barra, estou presente. Nenhum
artista resistiria tanto tempo sem a mesma. Esta constatação é
compartilhada por muitos e em grande escala nestas viagens
pelo Brasil.
Acho que não cabe a mim,
explicar, decifrar, traduzir este fato, o que sei é que desde
os primeiros discos, é visível a aceitação popular, penso que
não me distanciei do depositário da cultura popular do qual
recebo e ao qual devolvo. Assim demonstram sucessos de várias
músicas, também reservo espaço onde outras pessoas interagem
com seus próprios sonhos e realidades, formam imagens
exclusivas em novas combinações das histórias do cotidiano,
reportagem do que penso que merece ser musicado, pontes entre
minha percepção e personas que habitam o coletivo existencial
de cada um de nós. Algumas de imediato nos braços do povo,
outras passam pelo tempo necessário à percepção
geral.
Especialistas musicais e
culturais escrevem sob seus pontos de vistas atestando que
existe alquimia sonora e de palavras que juntos a minha
posição existencial artística, formam conjunturas de
credibilidade em diferentes abordagens válidas e atuais em
várias faixas etárias e segmentos sociais. Estou no meu lugar
e a realidade também pertence a todos.
Bula - Como
é o seu contato com o “Pessoal do Ceará?” Ficou mágoas de
algum deles?
Ednardo - Sempre que nos
encontramos existem momentos gratificantes. Conversamos sobre
arte, vida, cultura, lances normais do cotidiano, colocamos em
dia relacionamentos artísticos e convivências. Alguns projetos
se concretizam, outros são adiados.
Em 2004 realizamos shows no
Festival de Inverno Petrópolis e Friburgo, Rio de Janeiro -
Ednardo, Amelinha, Belchior, para grande público, sobre nosso
disco lançado na Warner 2002. O show de Fortaleza 2001 –
Ednardo, Belchior, Fagner, que não gerou disco embora
realizado ao público de cem mil pessoas. Outro encontro de
show gravado TV Globo/Som Brasil – Ednardo, Amelinha,
Belchior, com público idêntico, também sem disco gerado por
este evento.
Mas tem a Massafeira 1979 com
mais de trezentos artistas de diversas áreas e gerações
criativas que resultou no disco duplo Massafeira CBS (Sony)
1980 que é um capítulo especial do Pessoal do Ceará. E ainda o
Balanço da Massa, Fortaleza 1995, junto a artistas da nova
geração.
É preciso entender que “Pessoal
do Ceará” é bem maior que o grupo que a mídia costumou citar.
Quem tem o primeiro disco Pessoal do Ceará – Ednardo, Teti,
Rodger Rogério, Continental 1972, vinil capa dupla, sabe da
diversidade e valor de muitos nomes citados na capa
interna e diversa significação artística nos segmentos de
música, poesia, literatura, artes plásticas, teatro e outras
formas de expressão, dá para ter idéia da
amplitude.
Como em todo grupo,
principalmente de pessoas ligadas ao fazer artístico e
cultural de qualquer lugar, existem naturais competições de
egos e defesas de ponto de vista estéticos devido à
diversidade de propostas, que são resolvidas com inteligência,
amizade, civilidade e bom humor. Dificilmente perduram mágoas
ou qualquer coisa desse tipo, a não ser se houver sacanagem ou
falta de ética, mas aí já é outra coisa.
Bula -Quais são as novas revelações da musica
brasileira?
Ednardo - A cada geração
que se renova, conhecemos valorosos autores e intérpretes. É
vital que cada geração artística reconheça a importância
daqueles que a antecedem e seja generosa àqueles que chegam na
continuidade evolutiva da música brasileira.
Também temos a realidade absurda
que embota e apaga o que é significante dos registros e
memórias brasileiras. Às vezes para falar do presente, é
necessário dar uma volta no passado para termos saudades do
futuro.
Desenvolvemos projetos neste
sentido: Nosso primeiro disco já tinha esta característica de
entender individualidades criativas dentro de processos
grupais. Também lançamos o primeiro disco dos piauienses
Climério, Clodo e Clésio, livro de poesias do Brandão,
primeiras músicas dos cearenses Petrúcio Maia, Fausto Nilo,
Augusto Pontes, Fagner, Ricardo Bezerra, os movimentos da
Massafeira Livre e Balanço da Massa.
Especialmente a Massafeira uma
das mais ousadas e seminais iniciativas de mostrar ao país o
que acontecia em termos de arte contemporânea espontânea e
enraizada no final dos 70 para o início dos 80. Grande feira
cultural feita por nós artistas sem nenhuma injunção exterior,
juntou música, artes plásticas, literatura, teatro, dança,
cinema, artesanato e culinária sem nenhuma espécie de
filtragens com artistas de várias regiões, mais de trezentos,
reunidos no Theatro José de Alencar - Fortaleza, março 1979.
Depois, outros tantos na gravação do disco duplo no Rio de
Janeiro. E em seguida para lançar o disco duplo no Theatro
José de Alencar, outubro 1980. Muito pouco se falou no Brasil
da importância da Massafeira.
Desde meus primeiros discos
coabitam várias gerações, a constante vem aos mais recentes
discos “Única Pessoa” por exemplo, tem autores de várias
regiões: Rio de Janeiro, Ceará, Piauí, Goiás, Rio Grande do
Sul, Minas Gerais, Pará, Maranhão, Paraíba.
Acompanho a cena musical
brasileira sempre que possível. Percebo que de todos lugares
despontam pessoas que se somam aos que já tem estrada, a
quantidade e qualidade de discos nas áreas alternativas e
independentes e alguns poucos de forma bem mais rara nas
majors, tem seus devidos reconhecimentos, muitos dos bons
estão lutando por seus espaços e colhendo frutos, mesmo que o
terreno atual esteja difícil de plantar.
É delicado nominar artista ou
grupo, no estágio inicial do que chamam “os novos”. Citar
alguns, é possível esquecer outros tão importantes quanto, e
não quero para mim a função de ficar indicando ou descobrindo
novos talentos de maneira paternalista, parecendo que não
tenho assunto próprio para colocar em pauta. Mas assim como
antes, continuo a ter olhos e ouvidos atentos para o que
acontece com a mesma capacidade de abraçar e dizer: sejam
bem-vindos.
Bula - Quem
é o maior compositor brasileiro: Chico Buarque ou Tom
Jobim?
Ednardo - Justamente pela
compreensão do gigantesco universo da música brasileira seria
adequado fazer uma lista bem maior, lógico que também
incluindo estes bem-citados artistas e muitos, muitos outros.
Seria indelicado escolher “o maior” entre todos, a não ser que
fosse por medida da estatura física. A música brasileira não é
somente aquela feita em determinada região, ou por
compositores de correntes musicais ou gerações criativas, ou
ao que está visível na atualidade.
Bula - A letra da música “Ima” aparece em
alguns livros de literatura. Em sua opinião, letra de música é
poesia?
Ednardo - A Editora que
administra minhas obras tem informado que além desta, outras
tem sido usadas em livros de literatura, compilações de
poesia, crônicas e até em livros didáticos. Partindo do
princípio que poesia pode ser musicada, em contra partida,
muitas letras de músicas quando realizadas com critério,
também existem como poesia, independente da música. Isto é um
fato que se observa com muita freqüência desde os antigos
bardos e trovadores até as obras lítero musicais atuais no
Brasil e exterior, a música brasileira está plena destes
exemplos.
Pessoalmente não pretendo
enquadrar o que escrevo para minhas músicas nestas especiais
categorias de poetas ou letristas. É uma outra forma, de
juntar sensações que se completam pela música junto a palavras
ritmadas ou não.
Bula - Onde
você buscou inspiração para compor a música
"Ausência”?
Ednardo - A
música em referência está no disco “O Romance do Pavão
Mysteriozo” que é uma idéia completa e conceitual de juntar em
um disco a longa metragem contemporânea e não datada de vários
assuntos que sugerissem viagens grupais e individuais não só
entre estados físicos de sair de um lugar e ir para outro em
busca de realizações de sonhos, mas também da capacidade
humana de construir seus próprios mecanismos de vôo quando se
defronta com alguma dificuldade e descobre dentro de si a
possibilidade de transpor. As músicas deste disco existem como
blocos musicais e de palavras que fica mais pleno se
escutarmos por inteiro o conjunto.
Pra cada ausência existe uma
presença, pra cada condição adversa existe a criatividade de
como enfrentá-la é claro que pra cada música existem os
motivos da “inspiração/transpiração” mas não necessariamente
são feitas para uma única finalidade.
Bula - A
música “Lagoa de Alúa” foi feita para alguém em
especial?
Ednardo - A letra desta
canção é do parceiro Climério, ele pode falar melhor sobre a
parte da letra. Realizei com outro parceiro, o Vicente Lopes,
a música. Climério foi passar férias em Fortaleza, e nosso
parceiro Dominguinhos também estava por lá, apostamos para ver
quem faria mais músicas e letras durante 30 dias, muitas são
desta fornada “Enquanto Engoma a Calça”, “Lagoa de Aluá”,
“Brincando é que se Aprende”, “Flora” e outras ainda
inéditas.
Climério é um dos grandes
letristas e poetas atuais. Pouco conhecido do público, no
entanto suas letras fazem parte, de vários sucessos na música
brasileira. Tive a honra de produzir seu primeiro disco onde
também estão seus irmãos Clodo e Clésio – O disco chama-se:
São Piauí. Além disso, professor e mestre de comunicação da
UNB (Universidade Nacional de Brasília), tem vários livros de
poesias, é um mestre das artes sugiro que a Revista Bula o
entreviste.
Bula - Qual
a sua opinião sobre a ditadura musical da
atualidade?
Ednardo- Revisitando o passado não tão
distante, durante a ditadura militar, a indústria fonográfica
atual foi implantada por empresas multinacionais, obteve
regalias bastante significativas, tais como isenção de
impostos e outras benesses governamentais, com o poder destas
corporações, as gravadoras nacionais foram sendo aniquiladas
ou compradas. No período da distensão veio a farra de
distribuição de concessões de emissoras de rádio e tv, como
moeda de troca para aprovações de projetos governamentais.
Formaram-se monopólios e oligopólios, entre parlamentares do
congresso, senadores, deputados, amigos de políticos, fortes
grupos econômicos que começaram disputar o jabá das gravadoras
e foi virando uma bola de neve. A música começou a ser
entendida nesta espécie de negociação como comercial ou
jingle, os espaços foram leiloados para quem der mais. A
nivelação pela disponibilidade de pagar misturou o trigo e o
joio e foi instituída a ditadura econômica, que é resultado
destes e outros tipos de realidades cruéis extremamente
prejudiciais à música brasileira.
Bula - Qual a sua avaliação sobre a atuação do ECAD no
Brasil?
Ednardo- Direito Autoral no Brasil de forma
geral ainda é muito desrespeitado de várias
maneiras.
Autores e intérpretes sabem muito
bem disto. Antes era terrível, não existia, depois vieram leis
para regulamentar, em 1973 – que deixava muito a desejar; em
1998 – que ainda não é ideal e precisa avançar. O
direito fonomecânico proveniente da vendagem dos produtos, é
repassado pelas gravadoras às editoras que por sua vez
repassam aos titulares dos direitos, que não tem como conferir
exatidão das contas. Resta aceitar, é comum não escutar
queixas daqueles que ainda tem contrato de gravação. Colocar
dúvidas sobre a “lisura” pode render extinção de
contrato.
O direito de execução pública vem
da arrecadação das planilhas do que é executado em rádios,
tvs, cinema, show, demais usuários, etc, é controlado pelo
Ecad, formado por várias associações autorais em número de
doze entidades. Algumas representam autores e intérpretes,
outras representam gravadoras e editoras e autores e
intérpretes, juntando ao mesmo tempo os fornecedores da
matéria prima e usuários numa espécie figurada da raposa
tomando conta do galinheiro, e outras servem mais como
dispersão de propósitos.
Aqui no Brasil gravadora é
“parceira” no direito autoral de execução pública, pois as
associações que contam com a presença maciça das gravadoras
majors e suas editoras detêm mais de 60% do poder de voto no
Ecad para qualquer decisão de forma que recebem este direito
de execução pública na mesma proporção.
E aí entra novamente o jabá como
vilão, pois se a industria que o pratica detêm quase 90% do
mercado de discos e execução pública, a maior parte da
arrecadação de direitos de execução pública, dá uma meia volta
e retorna aos mesmos.
Há bastante tempo o Ecad era
desorganizado e existia muita corrupção em seu quadro, no
início dos anos 80 o governo brasileiro chegou a formar o CNDA
(Conselho Nacional do Direito Autoral) numa tentativa de
regular a esculhambação generalizada, veio o governo Collor
que o extinguiu. Em seguida teve outro movimento para também
extinguir o Ecad.
Algumas associações começaram a
ver nisto uma espécie de desmonte dos meios possíveis de
arrecadação de direitos aqui no Brasil e começaram a
questionar quais interesses na realidade estariam por trás
destes propósitos, pois as sugestões da “nova forma” eram
absurdas.
Atualmente o Ecad demonstra que
existe visível esforço em moralizar, monitorar e pluralizar
suas atenções, se comunicando e informando melhor aos autores
o que está acontecendo com a utilização de suas músicas.
Posiciona-se de forma mais objetiva em relação aos fatos o que
resulta em melhor redistribuição.
Sabemos que ainda existe muito a
fazer, mas isto não deve partir somente do Ecad, e sim
principalmente de uma maior conscientização dos autores e
intérpretes brasileiros através de suas associações, porque a
outra parte está organizada e seus propósitos são
preocupantes.
Bula
- Você acredita viável o caminho percorrido pelo cantor
Lobão, de buscar uma alternativa para a onipresença das
gravadoras?
Ednardo -
Muitos dos mais importantes artistas brasileiros e os que
iniciam, cada vez mais, procuram viabilizar caminhos próprios
de forma a não ficar refém deste absurdo tipo de censura.
Formam seus próprios selos de gravação, editoras e gravadoras
individuais ou procuram gravadoras independentes e
alternativas para escoar com maior liberdade suas
obras.
Este caminho ainda enfrenta
problemas de percurso na distribuição, divulgação, e
principalmente na perspectiva que meios de comunicação de
massa sejam realmente democráticos. Por sua vez os artistas
devem se informar melhor e manter união em busca dos melhores
objetivos gerais que atenda as partes.
De importância fundamental é
necessário que o governo brasileiro, ministério da
cultura, políticos, estejam juntos aos artistas
brasileiros, aliás, todos estão nestes cargos porque ali foram
colocados pelo povo brasileiro para representá-lo, repensando
e percebendo claramente o que está acontecendo para tomar
providências, a demora pode ser interpretada ou confundida
como se houvesse junções de interesses que atrapalham a grande
maioria em função de poucos.
Tramita no congresso projeto de
lei que criminaliza o jabá como altamente danoso a todos, é na
verdade dumping e concorrência desleal e ilegal. Deve ser
combatido pelo governo de qualquer país, é contraproducente
aos esforços de brasilidade na área de produção artística
musical, uma das maiores do mundo em sua capacidade
criativa.
Bula - Como
é sua relação com a internet?
Ednardo - A internet é
evento maravilhoso, uma das grandes descobertas da humanidade,
possibilita movimentação de informações atuais em velocidade e
democracia nunca antes imaginada. Compreendida por muitos como
marco da civilização mundial tão importante como a invenção da
roda, do rádio, do avião, dá um salto quântico para a
locomoção e comunicação virtual, além de ser a mídia
eletrônica de maior importância na
atualidade.
Como é utilizada é outra
história. Muitos que mergulharam nos livros de George Orwell;
de Isaac Asimov e outras informações; são partidários da idéia
que ficção e realidade têm proximidades
preocupantes.
O controle geral do big brother,
o longo porrete da persuasão que tudo vê e administra, as leis
da robótica descumpridas, é comum falar de hackers do bem e do
mal.
Entre programas, programações de
sistemas, cookies, vírus, antivírus, firewall, e-mails,
sistemas de telefonia fixas, celulares, satélites, etc., nada
disso deixa dúvidas que tudo é xeretado, acompanhado e às
vezes conduzido à sua revelia por outros, e para outros
propósitos.
Tem filmes e livros de ficção
assustadores, antecipam o que virá ou constatam o que já é
feito, e esta tecnologia de ponta é domínio de poucos.
Qualquer pessoa ao entrar na rede já está dando informações e
recebendo recados da humanidade, resta saber de quem e para
quem. De minha parte sou entusiasta e uso com
comedimento.
Bula
- Quais livros fizeram ou estão fazendo sua
cabeça?
Ednardo
- Tenho acesso a muitos livros desde quando menino.
Cultivei hábito de leitura ao longo de minha adolescência aos dias
de hoje. Escolher especificamente alguns livros-cabeça fica
difícil. Livros de cabeceira seria relativamente mais fácil
porque estou ao lado de minha estante com muitos nas
prateleiras, não tem todos que eu quero, mas também é
impossível ler tudo. Leio da forma que me apraz, às vezes do
início ao fim incluindo as orelhas. Outras, folheando páginas
ao sabor de abri-las aleatoriamente, e outras leio das últimas
páginas para as primeiras, e tem aqueles que tenho, e ainda
não li, aguardo vontade.
É essencial que se tenha bons
livros, discos, revistas, publicações, ver bons filmes, sobre
diversos assuntos, e diversas vertentes. O material imaterial
dos pensamentos humanos registrados nestes formatos, tudo o
que for digno do interesse de cada um. Ao pensar sobre o que é
importante existe muito que se ver, bulir nestes ícones da
sabedoria também significa tocá-los, comover-se, sensibilizar
a si próprio com os conhecimentos adquiridos, concordar,
discordar, mudar de posição, ficar na mesma, se possível e
interesse leiam todas as bulas.
Bula - A
música pop é descartável?
Ednardo - O que é
descartável é a baixa qualidade musical de qualquer onda
pré-fabricada e modismos que passam. O que é consistente
continua e fica. Além do mais “pop” não necessariamente é
sigla de “popular”, como pensam muitos.
Dizem que a expressão usada na
indústria se origina de “Point Of Payment – P O P”, é quando o
investimento em determinado produto atinge ponto de equilíbrio
entre o que foi gasto na produção, fabricação, difusão e
distribuição, e passa gerar lucros por sua venda.
Na música, esta tendência chegou
do exterior a reboque de grupos que fazem do fácil consumo e
assimilação geralmente pobres de músicas e letras seu
principal lema. Utilizam “investimento” de jabá e outros
efeitos mirabolantes, coreografias aeróbicas e sensuais pra
uma parcela da moçada cheia de hormônios gastarem suas
energias e dinheiro.
É diretriz de executivos em
alguns países que passaram a inventar, produzir e contratar
shows de grupos e subgrupos nesta formatação, em Pindorama se
plantando, tudo cresce e floresce.
Quanto mais baixo o nível –pop,
mais pipocam de todos os lados pop-rock, pop-samba, pop-mpb,
pop-sertanejo, pop-forró, pop-axé, pop-romântico,
pop-rebelde.
Alguns detestam e combatem a
vertente que é aceita pelos menos exigentes, acredito no poder
da deglutição, transformação e devolução de outra forma mais
criativa e plena que inúmeras vezes a música brasileira
demonstra ter.
Bula -
Quais são os caminhos para a musical regional
brasileira?
Ednardo - Todo tipo de
classificação reduz e apequena. Na música é maneira de
compartimentar, segmentar e controlar. Indicar caminhos seria
mais complicado ainda.
Mas abstraindo a questão, estão
abertos todos caminhos possíveis e imagináveis ao que se
inventar. Como música regional entendo aquilo que é feito por
artistas de uma região ou local. Para tornar o regional em
amplitude universal, existem fatores entre os quais: a
importância e densidade do centro emissor, maestria e
qualidade das músicas & letras/poesias, o carisma de
artistas e grupos e principalmente a junção destes itens
abrangentes nas propostas junto à identificação pública e
descobrir os meios que realizem estes objetivos.
A rigor toda e qualquer música,
têm seu berço em regiões, cidades, bairros, zonas, nenhuma
nasce universal. No Brasil, foi e é assim com o samba, choro,
bossa nova, tropicália e tantos outros movimentos e tendências
da música feita por brilhantes artistas residentes em qualquer
lugar deste imenso país. O que torna mais amplo é a junção dos
ingredientes que emulam o povo brasileiro a entender este
liquidificador cultural e estético, a aceitá-lo como sua mais
completa tradução naquele instante.
Cada região do Brasil é plural e
tem características próprias. Unificadas pela língua, mas com
códigos próprios e características culturais longe da
hegemonia que aniquilaria nossas ricas diferenças. Ao
cultivarmos a pluralidade cultural, musical, religiosa,
política, costumes, junto com nossa miscigenação racial,
marcamos um ponto gigantesco a nosso favor, mas em paralelo
comparativo, se não cuidarmos bem deste dom natural, seremos
fatiados como no modelo das capitanias hereditárias entre
feudos, quilombos e arraiais, em pequenas repúblicas das
bananas e outras lavouras arcaicas.
Chegando ao Pessoal e à nossa
geração criativa, inicialmente atuamos nas cenas de nossos
locais, estávamos sabendo e sentindo na pele os fatos,
tínhamos conhecimento do que era oferecido e também querendo
oferecer algo para interagir, participar e atuar de forma
ampla na música brasileira.
Esta realidade, era a mesma em
outras regiões. Saímos daqui e dali e de todo lugar que se tem
pra partir em meados dos anos 60, chegamos à caixa de
ressonância do sudeste levando a cena brasileira nossas
músicas. Nos anos 70, fomos abrindo espaços para outras
estéticas de ver e sentir.
De várias regiões que chegávamos
nos identificaram junto aos nossos nomes, os locais de origem:
*do Ceará, *de Belém. *Matogrosso. *de Recife. *da Vila.
*Baianos. *da Paraíba, *da Mangueira, *do Estácio, *do Piauí,
*de Pernambuco, *da Fronteira,... Até hoje não se sabe se
forma simpática de entender o Brasil do tamanho que é, ou
disfarçada forma de segregação.
Era comum a referência da parte
de nossas músicas como “invasão nordestina” outros a
classificaram como regionais, no entanto são músicas
letras/poesias que tocam pessoas de todo o país e exterior,
sem sombra de dúvidas, brasileiras.
São centenas de artistas de
várias regiões que responderam ao chamado do povo brasileiro,
enfrentamos o exílio em nossa própria terra, lutamos pela
volta dos banidos, construímos com vigor, páginas plenas da
música brasileira que o povo não esquece. Até hoje não são
justos aos artistas desta geração, os estudos e reconhecimento
de nossas obras em termos coletivos e individuais. Saltam por
cima sem cerimônia, como se fosse período insignificante de
conteúdo. Como se aquele tempo tão negro da história política
brasileira tivesse fechado olhos de estudiosos e críticos à
intensidade de luz que emitimos e que servem de faróis até
hoje.
Bula - O que as gravadoras buscam num
artista?
Ednardo - Necessário
entender diferenças entre diversos tipos de gravadoras
existentes no Brasil.
As maiores empresas da indústria
fonográfica no Brasil, atualmente em número de quatro
mega-corporações: controlam quase noventa por cento do mercado
do disco e execução pública, têm matrizes no exterior e suas
atividades não se limitam apenas ao meio musical, e como
qualquer empresa deste tipo, busca lucro, prestígio da marca,
competição de mercado, remessas de lucros e cuidam de suas
ações nas bolsas mundiais.
Empresas de capitais mistos,
representadas, interligadas, meios de comunicação, grupos
empresariais, religiosos, são dezenas e têm sete por cento do
mercado do disco e execução pública. Matrizes no Brasil e
outras não se sabem.
Gravadoras nacionais; selos
individuais; artistas independentes; são centenas e têm três
por cento do mercado do disco e execução pública. Matrizes no
Brasil, seus proprietários são geralmente pessoas da área
artística, ou interligada diretamente à produção empresarial
artística.
O Artista é o lado mais sutil da
engrenagem, oferece suas obras, interpretações e idéias, sem
as quais nenhuma gravadora existiria. Quando é aceito, faz e
ao mesmo tempo não faz parte das gravadoras, não é empregado
nem executivo, seu contrato é temporário por obras gravadas ou
anualmente dependendo da vontade dos contratantes e resultados
de vendas. A não ser no caso específico do artista ser dono de
sua própria gravadora, editora e voz.
Paradoxalmente, somos a parte
mais importante e dispensável do sistema, não é preciso
grandes exercícios para entender esta vulnerabilidade e o que
as gravadoras buscam em cada caso. Neste universo coexistem
interesses diferentes o artista pode ser manipulado em sua
vontade servindo de marionete, ou respeitado como mestre em
sua arte.
Bula - Te
incomoda o fato de ter ficado marcado por uma música que foi
tema de novela?
Ednardo - Não tenho este
preconceito. Por que algum artista ficaria incomodado em ter
uma de suas músicas utilizadas em tema de novela? A utilização
foi digna e escolhida por mestres como Walter Avancini e Dias
Gomes, nos dias de hoje, gravadoras e artistas se debateriam
ou pagariam para estar presentes naquela obra audiovisual e
naquele momento foi espontâneo e serviu para o grande público
ter conhecimento do restante das músicas dos três primeiros
discos que eu havia gravado anteriormente.
Em meu acervo autoral constam
mais de 600 músicas entre gravadas e inéditas, todas me marcam
e minha marca está em todas, não no sentido de incômodo, eu
mesmo as fiz e seria absurdo não considerar todos os frutos
bem-vindos.
Além do mais a música Pavão
Mysteriozo realizada e gravada 1973 no disco “O Romance do
Pavão Mysteriozo” é um link entre a literatura de cordel, o
ritmo afro-brasileiro do maracatu e a música urbana.
Atualmente foi utilizada em mais de trinta regravações no
Brasil e Exterior além de ter sido tema principal do excelente
folhetim popular “Saramandaia” 1976, foi também tema indígena
em ritual sagrado no Xingu, é considerado hino pelos Blocos de
Maracatus do Ceará, tem versões para outras línguas, foi
utilizada pelo pessoal do GLS em desfile para 1 mihão e cem
mil pessoas em São Paulo. Cantadores e repentistas do Nordeste
também perpetuam e respondem no universo popular. O Ballet
Stagium, um dos mais respeitados no mundo, a colocou em seu
repertório de apresentações. Em qualquer lugar do Brasil todos
cantam, em diversas faixas etárias e segmentos sociais, dando
visão que a importância da música está além de suas
utilizações.
Bula - Na
sua opinião, o Fagner se vendeu?
Ednardo
- Além da polarização complexa da pergunta, deixo
claro que não costumo opinar sobre direcionamento de cada um à
sua arte.
Mas, é conhecido que Fagner criou
espécie de persona com a qual conseguiu ser aceito no meio
artístico, estribado em seu talento e atritos com gravadoras,
artistas de destaque na cena musical brasileira. Ter
diferenças com modus operandi de gravadoras é considerado
normal no Brasil, mas desentender-se constantemente com
colegas e companheiros artísticos é estranho. Se a estratégia
deu certo durante algum tempo, também ao se colocar em pauta
na mídia abusando do clichê, o tornou refém da caricatura de
si próprio e cansou o público.
Quando ocupou cargo executivo na
CBS se auto-instituiu gerente da música de artistas
nordestinos ao seu critério pessoal, tentou fazer aquilo que
achava que Caetano Veloso fazia na Polygram, entre os mesmos
foram registrados constantes bate-bocas via imprensa. Foram se
juntando desacertos com Elba Ramalho, Robertinho de Recife, Zé
Ramalho, Geraldo Azevedo, Belchior, Biga Maia, viúva de
Petrúcio Maia, Patativa do Assaré, com a família da poetisa
Cecília Meirelles, e família do autor Heckel Tavares e
outros.
Suas atenções mergulharam em
opção declarada para atender solicitações de mercado a
qualquer custo, diferente dos primeiros discos vieram posições
de indistintas atitudes arrogantes e fome exagerada de
autopromoção utilizando à máquina da gravadora para alcançar
metas pessoais, pagando este tipo de sucesso a um alto custo
numa espécie de suicídio lento de sua própria alma
artística.
De 78 a 80 eu estava contratado
pela CBS, direção artística Jairo Pires, (que saiu da
gravadora em 79). Realizei e produzi quatro discos nestes
quatro anos e não guardo boas recordações do Fagner neste
período. O cargo de direção do selo Epic era transitório, mas
em seu delírio de ego, imaginava que era eterno, houve
manipulação de departamentos e produções a seu favor com falta
de ética profissional e artística, demonstrando seu caráter,
despreparo e imaturidade.
Não me deixo envenenar por mágoas
e rancores que esgotam tônus de energia, o tempo aplaina
arestas, cicatriza feridas, mas isto não significa apagar da
memória os fatos que meus discos: Ednardo (1979);
Massafeira/Disco Duplo Coletivo (1979); Imã/Ednardo (1980);
foram prejudicados em boicotes absurdos e surreais dentro da
gravadora que a princípio deveria difundir seus produtos no
mercado.
Os discos não eram distribuídos
na mídia; o Massafeira foi engavetado por um ano e seis meses,
por sugestão dele próprio que embora participando do projeto
artístico o traiu e a todos os amigos e colegas que
participaram coletivamente, alegando à direção da CBS que não
era importante e daria prejuízo à gravadora. Depois quando o
disco saiu numa queima de estoque deliberado em outubro/80,
foi com um selo colado à capa fixando o preço de um álbum
duplo de forma irrisória e desmerecedora, sem antes testá-lo
em sua receptividade pública, numa atitude que até hoje não vi
nenhuma gravadora realizar desta forma. Foi prensado com verba
de divulgação do disco Imã/Ednardo em outubro/80, prejudicando
os lançamentos destes discos.
Chegou ao cúmulo de mandar
retirar aparelhagem de sonorização que pertencia a CBS, três
horas antes do início de meu show de lançamento do disco Imã
no Teatro Tereza Raquel no Rio de Janeiro/1980. Não dava mais
tempo para contratar outra aparelhagem, mas o produtor Daniel
Rodrigues que trabalhava com Gilberto Gil, estava presente no
momento, viu o fato e ficou indignado, telefonou pro Gil que
disponibilizou de imediato que fosse montado seu equipamento
de sonorização para o show poder acontecer.
Bula -
Quais são os seus projetos futuros?
Ednardo - Tenho alguns projetos
no presente, por enquanto suficientes. Estão gravados três
discos que pretendo lançar por meu selo. Um ao vivo em shows,
outro com trilhas de cinema e o terceiro gravado em estúdio
com músicas inéditas. Tem a seqüência de shows que faço pelo
Brasil e também a continuação de shows que eu, Amelinha e
Belchior, inauguramos recentemente no Rio de Janeiro –
Petrópolis e Friburgo e pretendemos sempre que houver
possibilidades e condições levar a outras
cidades.
Bula - Quando fará um show em
Goiânia?
Ednardo - Por minha vontade em
breve, existem contatos entre produção local e minha produção,
mas não fui informado ainda de data e local.
Bula - Qual
frase te define?
Ednardo - Definir o
universo de cada pessoa em uma frase seria desconhecer a
dimensão infinita do ser humano, prefiro não definir ninguém e
principalmente a mim próprio em uma frase. É o tipo de hai-kai
existencial que não pratico. Quem quiser sintetizar desta
forma as pessoas, seus trabalhos, seus sonhos, suas
existências, que o faça por sua própria
responsabilidade.
Bula - O
que mudaria na sua carreira? Arrepende-se de
algo?
Ednardo - Se pudéssemos
perguntar ao mar que em suas ondas de vai e vem sempre se
renova, o que mudaria em nossas vidas se do presente voltasse
ao passado para reformular o futuro, acho que o mar
responderia - Nada, compreenda o tudo e nada. O presente é o
grande lance. Aqui e agora é que podemos fazer tudo de novo e
nadar de outro jeito.
Sobre minha carreira artística
não tenho insatisfação comigo próprio, sei que qualquer um
está sujeito a acertos e erros, mas não detecto violação
artística, ética, moral, delito nas leis naturais ou dos
homens, em minha conduta que leve ao ato de contrição do
arrependimento ou repensar minha orientação. Faço e canto
músicas destes tempos para interagir com outras
pessoas.
Não sou partidário de idéia tipo:
“se não posso mudar o mundo, mudo a mim próprio, adequando
minha voz interior ao silêncio”. Faz parte da responsabilidade
autoral fornecer seu testemunho e ação com convicção sobre a
vida e seu
tempo. |