Goiânia, 15/09 a 21/09/2004

 

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Entrevista do Mês: Ednardo

Carlos Willian 

 

A música não morreu

 

A música popular brasileira encontra-se numa encruzilhada. Comprimida entre os interesses do mercado – representado pelas grandes gravadoras - e pela conivência do governo diante do vendaval de pirataria, a população é assaltada diuturnamente com um derrame de músicas de péssima qualidade que invadem a mídia, dando ao panorama musical nacional algo próximo da mediocridade.

Enquanto isso ícones da Música Popular Brasileira como Ednardo – ao largo das trajetórias pasteurizadas convencionais – desbravam outros caminhos, adentrando um universo de rara beleza e profunda criatividade. O Ednardo de Terral, Pavão Mysteriozo, Ima, Ausência e Pastoril. É um poeta de expressão maior, músico escolado nos mistérios da gente simples, uma mistura quem sabe de anjo e homem.

Nascido em Fortaleza, consagrado em todo o Brasil, suas músicas tocam em vários países das Américas, Europa e Ásia. Com 30 anos de carreira e mais de 250 músicas gravadas é indubitavelmente um dos mais importantes artistas da cultura nacional.

O Brasil não tem que se privar do que tem de melhor. Ednardo e a MPB de qualidade estão mais vivos que nunca. É o que você verá nesta entrevista musical do ídolo de todos os tempos, o cearense Ednardo, o brasileiro Ednardo. Afunde na cadeira e leia uma das melhores entrevistas da Bula.

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Bula - Onde você nasceu?

Ednardo - Em Fortaleza/Ceará, em uma casa à rua Senador Pompeu, os cearenses brincam dizendo que é a rua mais extensa do mundo, inicia na beira da praia, atravessa em linha reta toda a cidade, transforma-se em estrada, vai pelo interior do Ceará, em direção a todo o Brasil.

 

Bula -Você acredita em artista injustiçado?

Ednardo - Não; Sim; Talvez; Quem saberá o que é isto que trafega entre a bruta força dos meios, onde os Artistas navegam com sutilezas? Grandes gravadoras e a “mass mídia”, com raras e honrosas exceções, tem tratado o assunto Música Brasileira, com distanciamento, desconhecimento e outros interesses prejudiciais às nossas diversidades e riqueza musical, rítmica, poética e estética. Não é difícil perceber.

Escutem rádios, vejam tv’s, saibam como se escolhem prioridades de lançamentos de discos, patrocínios, projetos artísticos, quais espaços e horários de programações, enfim o que é oferecido para consumo popular e de que forma.

Aquilo que grande parte da massa tem conhecimento é muito aquém da importância e popularidade das artes, e músicas realizadas pelos artistas brasileiros.

É só viajar por esse país, e ter conhecimento do que realmente está acontecendo, a sensibilidade aflora, o povo brasileiro é sofisticado em sua cultura popular e exige ser tratado com respeito, e requer ter acesso ao reflexo de seu verdadeiro espelho, em todas as cores e estéticas, o país é gigantesco, seu povo maior ainda.

Sabemos que a grande indústria cultural, aquela que comanda espaço e tempo na mídia tem objetivos diferentes da indústria cultural nacional que enfrenta sérias dificuldades ao seu crescimento. A consciência quanto à atenção aos produtos áudio e visuais, livros, teatro, cinema, etc., valorizando seu povo, costumes e identidade que são de importâncias fundamentais para se construir uma nação, fica em segundo plano. O brasileiro nos tempos atuais tem poucas opções e passa a consumir o que for filtrado e decidido por terceiros e seus representantes, empurrando entre campanhas publicitárias, marketing e canhões da mídia, tudo que determinam, aos seus exclusivos critérios.

A afirmação não é individualista, nem xenófoba, a manipulação da massificação instituída pelo jabá, pode ser chamada de crime irresponsável e indistinto, e estão fazendo isto com nosso povo, e seus artistas – antenas da raça – como fala Ezra Pound. Adjetivar no sentido singular é tentar desviar o foco da verdadeira questão.

 

Bula - O Zeca Baleiro afirmou que você o influenciou. E quanto a você, quais foram suas influencias?

Ednardo - Li matérias de vários artistas com esta afirmativa. Penso que são influências naturais e iniciais de admiração, respeito e aprendizado para depois decolar livre. Claro que também tive mestres, aprendendo bastante com todos.

Ao iniciar fazer música, estudava piano clássico e popular, entre os cinco e quatorze anos. Freqüentava auditórios de programas de rádios que apresentavam cantores e orquestras de fama nacional ao vivo, ao mesmo tempo escutava o que as rádios de Fortaleza, Rio de Janeiro e vários países ofereciam aos ouvintes. Tínhamos um rádio valvulado com ondas médias, curtas e tropicais, onde todas as correntes musicais coexistiam fartamente difundidas e uma discoteca ampla que eu tratava com carinho desde os discos de cera dos meus pais aos “long-plays” que passei a adquirir com freqüência.

Tanto em Fortaleza quanto em viagens aos litorais e interior do Ceará mais distantes, ia aos espaços públicos de carnavais e feiras livres, para ver e escutar maracatus, violeiros repentistas e sanfoneiros, bumba-boi, congados, frevos, forrós, cocos, emboladas e sambas descobrindo músicas, ritmos afro-brasileiros e indígenas e suas vertentes culturais.

Entre os quinze e vinte e cinco anos meu instrumento mais constante foi o violão, tanto na vertente dos movimentos musicais que vinham de fora, rock, blues e jazz, e vertente brasileira, baião, bossa nova, samba, choro, e vertente latina, bolero, rumba. As músicas de protesto contra guerras e ditaduras, chegaram ao nosso conhecimento, e percebemos o que acontecia na América Latina com regimes políticos autoritários e totalitários que alguns tentaram combater pelas armas e outros pelas artes. Também acontecia o pessoal da Bahia, São Paulo, Rio, Minas, Recife. Paraíba, Piauí, e de muitas outras regiões do Brasil, tudo que possível naquele momento. Fui abençoado por todas estas vertentes que eivaram meu espírito e criatividade. É uma lista enorme de influências, acho que dar para ter uma idéia.

Agradeço aos sábios mestres terem me proporcionado este universo. Os melhores ensinamentos que o conjunto das influências proporcionaram, foi sem dúvida, ter mente, sensibilidade e consciência, voz e conteúdo para cantar e ouvidos abertos e atentos, com plenitude de emoções e compreensão do que somos.

 

Bula - Alguns críticos dizem que você ficou a sombra do Fagner, mesmo sendo um artista mais completo do que ele. Em sua opinião, por que você não alcançou a mesma projeção?

 Ednardo - Do ponto de vista artístico a abordagem é inusitada e desconheço comentário neste sentido. Quem possui visão abalizada e isenta e conhece nossos trabalhos artísticos, não se refere desta maneira ao que tenho realizado nestes 32 anos de música, somos diferentes e distantes o suficiente, o que impossibilita estas colocações.

Por sermos conterrâneos, mesma geração criativa, não induz comparações de nossas obras, de nossos projetos artísticos e existenciais. Não se trata de valoração pessoal, é uma constatação, sem equívoco.

Em meu estoque de propósitos não está disponível vender o que não ofereço, nem existe vaga para compradores de meus sonhos. Acho que caminho à minha própria luz e não está em minhas preocupações obter massificação ao custo da integridade artística ou do que possa aviltar aquilo que acredito, está implícito e explícito em minha obra e posição existencial. Porque querer essa tal de “mesma projeção” onde alguns para alcançá-la vendem a alma?

 

Bula - Por que não se escuta mais Ednardo nas rádios?

Ednardo - Não se escuta mais com tanta freqüência, grande e impressionante quantidade de artistas brasileiros. É esclarecedor se programadores destes meios e seus departamentos comerciais respondessem a pergunta de forma clara e verdadeira, são eles que são comandados na “escolha” e oferecem ao público o que escutamos e vemos e deixam grande parte do que representa a música brasileira fora da lista do que é difundido e executado para o público.

Li recente matéria no Jornal Hora do Povo (São Paulo), realizada por criteriosa pesquisa do jornalista Sérgio Rubens, a qual recomendo leitura para todos que se interessam pelo assunto. www.horadopovo.com.br/2004/julho/16-07-04/pag8a.htm

O Jabá! Famigerada forma promovida pelas gravadoras estabeleceu a censura econômica junto com a conivência e interesses de alguns meios de comunicação e massificação.

Junto ao pagamento, enviam a lista de poucos artistas e tendências musicais de seus casts aos controladores do “mass media”. As trinta moedas da traição à música brasileira têm forma sutil, sem rastros visíveis dos “serviços prestados” por corrompidos aos corruptores. Outras terríveis formas de convencimento são as demissões sumárias daqueles que ousam divulgar o que não está na lista ou quando expressam suas opiniões. E isto não é só na área da música.

Talvez alguns executivos de gravadoras, atualmente se arrependam de ter criado o monstro que anualmente custa aos seus departamentos, noventa e cinco milhões de reais e tende a crescer, pois a fome dos que atendem ao controle é insaciável.

Deixo bem claro, que seria injusto generalizar, pois alguns meios de comunicações cada vez mais raros, demonstram em planilhas do Ecad que em várias cidades e emissoras continuam sendo difundidos para grande número de ouvintes, muitos artistas brasileiros sem que seja necessário pagar para tocar. São emissoras que dignamente entendem o que significa concessões públicas, além de propósitos comerciais e sabem que música é música e comercial é comercial e que sem cultura própria tudo fica nas mãos de outros, incluindo a opção de escolha individual ou coletiva.

 

Bula -Você é um tipo raro de artista que mesmo estando fora da mídia, tem um público cativo. Por quê?

Ednardo - Tipos raros de artistas existem em vários segmentos da música brasileira. Mídia é o conjunto de meios de comunicações, veículos, recursos, técnicas, suporte, tecnologias de gravação e registro de informações, jornal, livro, rádio, televisão, cinema, audiovisuais, discos, dvd, vídeo, internet, show, divulgação, etc. Quanto ao público que prestigia meus shows e discos, é bem mais amplo.

Na parte que me cabe realizar são atualmente mais de 350 obras e gravações registradas em discos originais e compilações, trilhas de cinema e teatro, especiais de televisão. Isso resulta em média de registros mais de 12 músicas por ano ao longo de 32 anos. Realizo shows pelo Brasil que geram matérias em jornais, rádios, tvs, em espaços significantes. Os produtores de shows constatam a receptividade da platéia em eventos de médio e grande porte. Então, nem tão fora da mídia assim. Seria mais adequado dizer que na mídia limpa, sem forçar a barra, estou presente. Nenhum artista resistiria tanto tempo sem a mesma. Esta constatação é compartilhada por muitos e em grande escala nestas viagens pelo Brasil.

Acho que não cabe a mim, explicar, decifrar, traduzir este fato, o que sei é que desde os primeiros discos, é visível a aceitação popular, penso que não me distanciei do depositário da cultura popular do qual recebo e ao qual devolvo. Assim demonstram sucessos de várias músicas, também reservo espaço onde outras pessoas interagem com seus próprios sonhos e realidades, formam imagens exclusivas em novas combinações das histórias do cotidiano, reportagem do que penso que merece ser musicado, pontes entre minha percepção e personas que habitam o coletivo existencial de cada um de nós. Algumas de imediato nos braços do povo, outras passam pelo tempo necessário à percepção geral.

Especialistas musicais e culturais escrevem sob seus pontos de vistas atestando que existe alquimia sonora e de palavras que juntos a minha posição existencial artística, formam conjunturas de credibilidade em diferentes abordagens válidas e atuais em várias faixas etárias e segmentos sociais. Estou no meu lugar e a realidade também pertence a todos.


 

Bula - Como é o seu contato com o “Pessoal do Ceará?” Ficou mágoas de algum deles?

Ednardo - Sempre que nos encontramos existem momentos gratificantes. Conversamos sobre arte, vida, cultura, lances normais do cotidiano, colocamos em dia relacionamentos artísticos e convivências. Alguns projetos se concretizam, outros são adiados.

Em 2004 realizamos shows no Festival de Inverno Petrópolis e Friburgo, Rio de Janeiro - Ednardo, Amelinha, Belchior, para grande público, sobre nosso disco lançado na Warner 2002. O show de Fortaleza 2001 – Ednardo, Belchior, Fagner, que não gerou disco embora realizado ao público de cem mil pessoas. Outro encontro de show gravado TV Globo/Som Brasil – Ednardo, Amelinha, Belchior, com público idêntico, também sem disco gerado por este evento.

Mas tem a Massafeira 1979 com mais de trezentos artistas de diversas áreas e gerações criativas que resultou no disco duplo Massafeira CBS (Sony) 1980 que é um capítulo especial do Pessoal do Ceará. E ainda o Balanço da Massa, Fortaleza 1995, junto a artistas da nova geração.

É preciso entender que “Pessoal do Ceará” é bem maior que o grupo que a mídia costumou citar. Quem tem o primeiro disco Pessoal do Ceará – Ednardo, Teti, Rodger Rogério, Continental 1972, vinil capa dupla, sabe da diversidade e valor de muitos nomes citados na capa interna e diversa significação artística nos segmentos de música, poesia, literatura, artes plásticas, teatro e outras formas de expressão, dá para ter idéia da amplitude.

Como em todo grupo, principalmente de pessoas ligadas ao fazer artístico e cultural de qualquer lugar, existem naturais competições de egos e defesas de ponto de vista estéticos devido à diversidade de propostas, que são resolvidas com inteligência, amizade, civilidade e bom humor. Dificilmente perduram mágoas ou qualquer coisa desse tipo, a não ser se houver sacanagem ou falta de ética, mas aí já é outra coisa.

 

Bula -Quais são as novas revelações da musica brasileira?

Ednardo - A cada geração que se renova, conhecemos valorosos autores e intérpretes. É vital que cada geração artística reconheça a importância daqueles que a antecedem e seja generosa àqueles que chegam na continuidade evolutiva da música brasileira.

Também temos a realidade absurda que embota e apaga o que é significante dos registros e memórias brasileiras. Às vezes para falar do presente, é necessário dar uma volta no passado para termos saudades do futuro.

Desenvolvemos projetos neste sentido: Nosso primeiro disco já tinha esta característica de entender individualidades criativas dentro de processos grupais. Também lançamos o primeiro disco dos piauienses Climério, Clodo e Clésio, livro de poesias do Brandão, primeiras músicas dos cearenses Petrúcio Maia, Fausto Nilo, Augusto Pontes, Fagner, Ricardo Bezerra, os movimentos da Massafeira Livre e Balanço da Massa.

Especialmente a Massafeira uma das mais ousadas e seminais iniciativas de mostrar ao país o que acontecia em termos de arte contemporânea espontânea e enraizada no final dos 70 para o início dos 80. Grande feira cultural feita por nós artistas sem nenhuma injunção exterior, juntou música, artes plásticas, literatura, teatro, dança, cinema, artesanato e culinária sem nenhuma espécie de filtragens com artistas de várias regiões, mais de trezentos, reunidos no Theatro José de Alencar - Fortaleza, março 1979. Depois, outros tantos na gravação do disco duplo no Rio de Janeiro. E em seguida para lançar o disco duplo no Theatro José de Alencar, outubro 1980. Muito pouco se falou no Brasil da importância da Massafeira.

Desde meus primeiros discos coabitam várias gerações, a constante vem aos mais recentes discos “Única Pessoa” por exemplo, tem autores de várias regiões: Rio de Janeiro, Ceará, Piauí, Goiás, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pará, Maranhão, Paraíba.

Acompanho a cena musical brasileira sempre que possível. Percebo que de todos lugares despontam pessoas que se somam aos que já tem estrada, a quantidade e qualidade de discos nas áreas alternativas e independentes e alguns poucos de forma bem mais rara nas majors, tem seus devidos reconhecimentos, muitos dos bons estão lutando por seus espaços e colhendo frutos, mesmo que o terreno atual esteja difícil de plantar.

É delicado nominar artista ou grupo, no estágio inicial do que chamam “os novos”. Citar alguns, é possível esquecer outros tão importantes quanto, e não quero para mim a função de ficar indicando ou descobrindo novos talentos de maneira paternalista, parecendo que não tenho assunto próprio para colocar em pauta. Mas assim como antes, continuo a ter olhos e ouvidos atentos para o que acontece com a mesma capacidade de abraçar e dizer: sejam bem-vindos.

 

Bula - Quem é o maior compositor brasileiro: Chico Buarque ou Tom Jobim?

Ednardo - Justamente pela compreensão do gigantesco universo da música brasileira seria adequado fazer uma lista bem maior, lógico que também incluindo estes bem-citados artistas e muitos, muitos outros. Seria indelicado escolher “o maior” entre todos, a não ser que fosse por medida da estatura física. A música brasileira não é somente aquela feita em determinada região, ou por compositores de correntes musicais ou gerações criativas, ou ao que está visível na atualidade.

 

 Bula - A letra da música “Ima” aparece em alguns livros de literatura. Em sua opinião, letra de música é poesia?

Ednardo - A Editora que administra minhas obras tem informado que além desta, outras tem sido usadas em livros de literatura, compilações de poesia, crônicas e até em livros didáticos. Partindo do princípio que poesia pode ser musicada, em contra partida, muitas letras de músicas quando realizadas com critério, também existem como poesia, independente da música. Isto é um fato que se observa com muita freqüência desde os antigos bardos e trovadores até as obras lítero musicais atuais no Brasil e exterior, a música brasileira está plena destes exemplos.

Pessoalmente não pretendo enquadrar o que escrevo para minhas músicas nestas especiais categorias de poetas ou letristas. É uma outra forma, de juntar sensações que se completam pela música junto a palavras ritmadas ou não.

 

Bula - Onde você buscou inspiração para compor a música "Ausência”?

Ednardo - A música em referência está no disco “O Romance do Pavão Mysteriozo” que é uma idéia completa e conceitual de juntar em um disco a longa metragem contemporânea e não datada de vários assuntos que sugerissem viagens grupais e individuais não só entre estados físicos de sair de um lugar e ir para outro em busca de realizações de sonhos, mas também da capacidade humana de construir seus próprios mecanismos de vôo quando se defronta com alguma dificuldade e descobre dentro de si a possibilidade de transpor. As músicas deste disco existem como blocos musicais e de palavras que fica mais pleno se escutarmos por inteiro o conjunto.

Pra cada ausência existe uma presença, pra cada condição adversa existe a criatividade de como enfrentá-la é claro que pra cada música existem os motivos da “inspiração/transpiração” mas não necessariamente são feitas para uma única finalidade.

 

Bula - A música “Lagoa de Alúa” foi feita para alguém em especial?

Ednardo - A letra desta canção é do parceiro Climério, ele pode falar melhor sobre a parte da letra. Realizei com outro parceiro, o Vicente Lopes, a música. Climério foi passar férias em Fortaleza, e nosso parceiro Dominguinhos também estava por lá, apostamos para ver quem faria mais músicas e letras durante 30 dias, muitas são desta fornada “Enquanto Engoma a Calça”, “Lagoa de Aluá”, “Brincando é que se Aprende”, “Flora” e outras ainda inéditas.

Climério é um dos grandes letristas e poetas atuais. Pouco conhecido do público, no entanto suas letras fazem parte, de vários sucessos na música brasileira. Tive a honra de produzir seu primeiro disco onde também estão seus irmãos Clodo e Clésio – O disco chama-se: São Piauí. Além disso, professor e mestre de comunicação da UNB (Universidade Nacional de Brasília), tem vários livros de poesias, é um mestre das artes sugiro que a Revista Bula o entreviste.

 

Bula - Qual a sua opinião sobre a ditadura musical da atualidade?

 Ednardo- Revisitando o passado não tão distante, durante a ditadura militar, a indústria fonográfica atual foi implantada por empresas multinacionais, obteve regalias bastante significativas, tais como isenção de impostos e outras benesses governamentais, com o poder destas corporações, as gravadoras nacionais foram sendo aniquiladas ou compradas. No período da distensão veio a farra de distribuição de concessões de emissoras de rádio e tv, como moeda de troca para aprovações de projetos governamentais. Formaram-se monopólios e oligopólios, entre parlamentares do congresso, senadores, deputados, amigos de políticos, fortes grupos econômicos que começaram disputar o jabá das gravadoras e foi virando uma bola de neve. A música começou a ser entendida nesta espécie de negociação como comercial ou jingle, os espaços foram leiloados para quem der mais. A nivelação pela disponibilidade de pagar misturou o trigo e o joio e foi instituída a ditadura econômica, que é resultado destes e outros tipos de realidades cruéis extremamente prejudiciais à música brasileira.

 

Bula - Qual a sua avaliação sobre a atuação do ECAD no Brasil?

Ednardo- Direito Autoral no Brasil de forma geral ainda é muito desrespeitado de várias maneiras.

Autores e intérpretes sabem muito bem disto. Antes era terrível, não existia, depois vieram leis para regulamentar, em 1973 – que deixava muito a desejar; em 1998 – que ainda não é ideal e precisa avançar.
 
O direito fonomecânico proveniente da vendagem dos produtos, é repassado pelas gravadoras às editoras que por sua vez repassam aos titulares dos direitos, que não tem como conferir exatidão das contas. Resta aceitar, é comum não escutar queixas daqueles que ainda tem contrato de gravação. Colocar dúvidas sobre a “lisura” pode render extinção de contrato.

O direito de execução pública vem da arrecadação das planilhas do que é executado em rádios, tvs, cinema, show, demais usuários, etc, é controlado pelo Ecad, formado por várias associações autorais em número de doze entidades. Algumas representam autores e intérpretes, outras representam gravadoras e editoras e autores e intérpretes, juntando ao mesmo tempo os fornecedores da matéria prima e usuários numa espécie figurada da raposa tomando conta do galinheiro, e outras servem mais como dispersão de propósitos.

Aqui no Brasil gravadora é “parceira” no direito autoral de execução pública, pois as associações que contam com a presença maciça das gravadoras majors e suas editoras detêm mais de 60% do poder de voto no Ecad para qualquer decisão de forma que recebem este direito de execução pública na mesma proporção.

E aí entra novamente o jabá como vilão, pois se a industria que o pratica detêm quase 90% do mercado de discos e execução pública, a maior parte da arrecadação de direitos de execução pública, dá uma meia volta e retorna aos mesmos.

Há bastante tempo o Ecad era desorganizado e existia muita corrupção em seu quadro, no início dos anos 80 o governo brasileiro chegou a formar o CNDA (Conselho Nacional do Direito Autoral) numa tentativa de regular a esculhambação generalizada, veio o governo Collor que o extinguiu. Em seguida teve outro movimento para também extinguir o Ecad.

Algumas associações começaram a ver nisto uma espécie de desmonte dos meios possíveis de arrecadação de direitos aqui no Brasil e começaram a questionar quais interesses na realidade estariam por trás destes propósitos, pois as sugestões da “nova forma” eram absurdas.

Atualmente o Ecad demonstra que existe visível esforço em moralizar, monitorar e pluralizar suas atenções, se comunicando e informando melhor aos autores o que está acontecendo com a utilização de suas músicas. Posiciona-se de forma mais objetiva em relação aos fatos o que resulta em melhor redistribuição.

Sabemos que ainda existe muito a fazer, mas isto não deve partir somente do Ecad, e sim principalmente de uma maior conscientização dos autores e intérpretes brasileiros através de suas associações, porque a outra parte está organizada e seus propósitos são preocupantes.

 

Bula - Você acredita viável o caminho percorrido pelo cantor Lobão, de buscar uma alternativa para a onipresença das gravadoras?

Ednardo - Muitos dos mais importantes artistas brasileiros e os que iniciam, cada vez mais, procuram viabilizar caminhos próprios de forma a não ficar refém deste absurdo tipo de censura. Formam seus próprios selos de gravação, editoras e gravadoras individuais ou procuram gravadoras independentes e alternativas para escoar com maior liberdade suas obras.

Este caminho ainda enfrenta problemas de percurso na distribuição, divulgação, e principalmente na perspectiva que meios de comunicação de massa sejam realmente democráticos. Por sua vez os artistas devem se informar melhor e manter união em busca dos melhores objetivos gerais que atenda as partes.

De importância fundamental é necessário que o governo brasileiro, ministério da cultura,  políticos, estejam juntos aos artistas brasileiros, aliás, todos estão nestes cargos porque ali foram colocados pelo povo brasileiro para representá-lo, repensando e percebendo claramente o que está acontecendo para tomar providências, a demora pode ser interpretada ou confundida como se houvesse junções de interesses que atrapalham a grande maioria em função de poucos.

Tramita no congresso projeto de lei que criminaliza o jabá como altamente danoso a todos, é na verdade dumping e concorrência desleal e ilegal. Deve ser combatido pelo governo de qualquer país, é contraproducente aos esforços de brasilidade na área de produção artística musical, uma das maiores do mundo em sua capacidade criativa.

 

Bula - Como é sua relação com a internet?

Ednardo - A internet é evento maravilhoso, uma das grandes descobertas da humanidade, possibilita movimentação de informações atuais em velocidade e democracia nunca antes imaginada. Compreendida por muitos como marco da civilização mundial tão importante como a invenção da roda, do rádio, do avião, dá um salto quântico para a locomoção e comunicação virtual, além de ser a mídia eletrônica de maior importância na atualidade.

Como é utilizada é outra história. Muitos que mergulharam nos livros de George Orwell; de Isaac Asimov e outras informações; são partidários da idéia que ficção e realidade têm proximidades preocupantes.

O controle geral do big brother, o longo porrete da persuasão que tudo vê e administra, as leis da robótica descumpridas, é comum falar de hackers do bem e do mal.

Entre programas, programações de sistemas, cookies, vírus, antivírus, firewall, e-mails, sistemas de telefonia fixas, celulares, satélites, etc., nada disso deixa dúvidas que tudo é xeretado, acompanhado e às vezes conduzido à sua revelia por outros, e para outros propósitos.

Tem filmes e livros de ficção assustadores, antecipam o que virá ou constatam o que já é feito, e esta tecnologia de ponta é domínio de poucos. Qualquer pessoa ao entrar na rede já está dando informações e recebendo recados da humanidade, resta saber de quem e para quem. De minha parte sou entusiasta e uso com comedimento.

 

Bula - Quais livros fizeram ou estão fazendo sua cabeça?

Ednardo - Tenho acesso a muitos livros desde quando menino. Cultivei hábito de leitura ao longo de minha adolescência aos dias de hoje. Escolher especificamente alguns livros-cabeça fica difícil. Livros de cabeceira seria relativamente mais fácil porque estou ao lado de minha estante com muitos nas prateleiras, não tem todos que eu quero, mas também é impossível ler tudo. Leio da forma que me apraz, às vezes do início ao fim incluindo as orelhas. Outras, folheando páginas ao sabor de abri-las aleatoriamente, e outras leio das últimas páginas para as primeiras, e tem aqueles que tenho, e ainda não li, aguardo vontade.

É essencial que se tenha bons livros, discos, revistas, publicações, ver bons filmes, sobre diversos assuntos, e diversas vertentes. O material imaterial dos pensamentos humanos registrados nestes formatos, tudo o que for digno do interesse de cada um. Ao pensar sobre o que é importante existe muito que se ver, bulir nestes ícones da sabedoria também significa tocá-los, comover-se, sensibilizar a si próprio com os conhecimentos adquiridos, concordar, discordar, mudar de posição, ficar na mesma, se possível e interesse leiam todas as bulas.

 

Bula - A música pop é descartável?

Ednardo - O que é descartável é a baixa qualidade musical de qualquer onda pré-fabricada e modismos que passam. O que é consistente continua e fica. Além do mais “pop” não necessariamente é sigla de “popular”, como pensam muitos.

Dizem que a expressão usada na indústria se origina de “Point Of Payment – P O P”, é quando o investimento em determinado produto atinge ponto de equilíbrio entre o que foi gasto na produção, fabricação, difusão e distribuição, e passa gerar lucros por sua venda.

Na música, esta tendência chegou do exterior a reboque de grupos que fazem do fácil consumo e assimilação geralmente pobres de músicas e letras seu principal lema. Utilizam “investimento” de jabá e outros efeitos mirabolantes, coreografias aeróbicas e sensuais pra uma parcela da moçada cheia de hormônios gastarem suas energias e dinheiro.

É diretriz de executivos em alguns países que passaram a inventar, produzir e contratar shows de grupos e subgrupos nesta formatação, em Pindorama se plantando, tudo cresce e floresce.

Quanto mais baixo o nível –pop, mais pipocam de todos os lados pop-rock, pop-samba, pop-mpb, pop-sertanejo, pop-forró, pop-axé, pop-romântico, pop-rebelde.

Alguns detestam e combatem a vertente que é aceita pelos menos exigentes, acredito no poder da deglutição, transformação e devolução de outra forma mais criativa e plena que inúmeras vezes a música brasileira demonstra ter.

 

Bula - Quais são os caminhos para a musical regional brasileira?

Ednardo - Todo tipo de classificação reduz e apequena. Na música é maneira de compartimentar, segmentar e controlar. Indicar caminhos seria mais complicado ainda.

Mas abstraindo a questão, estão abertos todos caminhos possíveis e imagináveis ao que se inventar. Como música regional entendo aquilo que é feito por artistas de uma região ou local. Para tornar o regional em amplitude universal, existem fatores entre os quais: a importância e densidade do centro emissor, maestria e qualidade das músicas & letras/poesias, o carisma de artistas e grupos e principalmente a junção destes itens abrangentes nas propostas junto à identificação pública e descobrir os meios que realizem estes objetivos.

A rigor toda e qualquer música, têm seu berço em regiões, cidades, bairros, zonas, nenhuma nasce universal. No Brasil, foi e é assim com o samba, choro, bossa nova, tropicália e tantos outros movimentos e tendências da música feita por brilhantes artistas residentes em qualquer lugar deste imenso país. O que torna mais amplo é a junção dos ingredientes que emulam o povo brasileiro a entender este liquidificador cultural e estético, a aceitá-lo como sua mais completa tradução naquele instante.

Cada região do Brasil é plural e tem características próprias. Unificadas pela língua, mas com códigos próprios e características culturais longe da hegemonia que aniquilaria nossas ricas diferenças. Ao cultivarmos a pluralidade cultural, musical, religiosa, política, costumes, junto com nossa miscigenação racial, marcamos um ponto gigantesco a nosso favor, mas em paralelo comparativo, se não cuidarmos bem deste dom natural, seremos fatiados como no modelo das capitanias hereditárias entre feudos, quilombos e arraiais, em pequenas repúblicas das bananas e outras lavouras arcaicas.

Chegando ao Pessoal e à nossa geração criativa, inicialmente atuamos nas cenas de nossos locais, estávamos sabendo e sentindo na pele os fatos, tínhamos conhecimento do que era oferecido e também querendo oferecer algo para interagir, participar e atuar de forma ampla na música brasileira.

Esta realidade, era a mesma em outras regiões. Saímos daqui e dali e de todo lugar que se tem pra partir em meados dos anos 60, chegamos à caixa de ressonância do sudeste levando a cena brasileira nossas músicas. Nos anos 70, fomos abrindo espaços para outras estéticas de ver e sentir.

De várias regiões que chegávamos nos identificaram junto aos nossos nomes, os locais de origem: *do Ceará, *de Belém. *Matogrosso. *de Recife. *da Vila. *Baianos. *da Paraíba, *da Mangueira, *do Estácio, *do Piauí, *de Pernambuco, *da Fronteira,... Até hoje não se sabe se forma simpática de entender o Brasil do tamanho que é, ou disfarçada forma de segregação.

Era comum a referência da parte de nossas músicas como “invasão nordestina” outros a classificaram como regionais, no entanto são músicas letras/poesias que tocam pessoas de todo o país e exterior, sem sombra de dúvidas, brasileiras.

São centenas de artistas de várias regiões que responderam ao chamado do povo brasileiro, enfrentamos o exílio em nossa própria terra, lutamos pela volta dos banidos, construímos com vigor, páginas plenas da música brasileira que o povo não esquece. Até hoje não são justos aos artistas desta geração, os estudos e reconhecimento de nossas obras em termos coletivos e individuais. Saltam por cima sem cerimônia, como se fosse período insignificante de conteúdo. Como se aquele tempo tão negro da história política brasileira tivesse fechado olhos de estudiosos e críticos à intensidade de luz que emitimos e que servem de faróis até hoje.

 

Bula - O que as gravadoras buscam num artista?

Ednardo - Necessário entender diferenças entre diversos tipos de gravadoras existentes no Brasil.

As maiores empresas da indústria fonográfica no Brasil, atualmente em número de quatro mega-corporações: controlam quase noventa por cento do mercado do disco e execução pública, têm matrizes no exterior e suas atividades não se limitam apenas ao meio musical, e como qualquer empresa deste tipo, busca lucro, prestígio da marca, competição de mercado, remessas de lucros e cuidam de suas ações nas bolsas mundiais.

Empresas de capitais mistos, representadas, interligadas, meios de comunicação, grupos empresariais, religiosos, são dezenas e têm sete por cento do mercado do disco e execução pública. Matrizes no Brasil e outras não se sabem.

Gravadoras nacionais; selos individuais; artistas independentes; são centenas e têm três por cento do mercado do disco e execução pública. Matrizes no Brasil, seus proprietários são geralmente pessoas da área artística, ou interligada diretamente à produção empresarial artística.

O Artista é o lado mais sutil da engrenagem, oferece suas obras, interpretações e idéias, sem as quais nenhuma gravadora existiria. Quando é aceito, faz e ao mesmo tempo não faz parte das gravadoras, não é empregado nem executivo, seu contrato é temporário por obras gravadas ou anualmente dependendo da vontade dos contratantes e resultados de vendas. A não ser no caso específico do artista ser dono de sua própria gravadora, editora e voz.

Paradoxalmente, somos a parte mais importante e dispensável do sistema, não é preciso grandes exercícios para entender esta vulnerabilidade e o que as gravadoras buscam em cada caso. Neste universo coexistem interesses diferentes o artista pode ser manipulado em sua vontade servindo de marionete, ou respeitado como mestre em sua arte.


 

Bula - Te incomoda o fato de ter ficado marcado por uma música que foi tema de novela?

Ednardo - Não tenho este preconceito. Por que algum artista ficaria incomodado em ter uma de suas músicas utilizadas em tema de novela? A utilização foi digna e escolhida por mestres como Walter Avancini e Dias Gomes, nos dias de hoje, gravadoras e artistas se debateriam ou pagariam para estar presentes naquela obra audiovisual e naquele momento foi espontâneo e serviu para o grande público ter conhecimento do restante das músicas dos três primeiros discos que eu havia gravado anteriormente.

Em meu acervo autoral constam mais de 600 músicas entre gravadas e inéditas, todas me marcam e minha marca está em todas, não no sentido de incômodo, eu mesmo as fiz e seria absurdo não considerar todos os frutos bem-vindos.

Além do mais a música Pavão Mysteriozo realizada e gravada 1973 no disco “O Romance do Pavão Mysteriozo” é um link entre a literatura de cordel, o ritmo afro-brasileiro do maracatu e a música urbana. Atualmente foi utilizada em mais de trinta regravações no Brasil e Exterior além de ter sido tema principal do excelente folhetim popular “Saramandaia” 1976, foi também tema indígena em ritual sagrado no Xingu, é considerado hino pelos Blocos de Maracatus do Ceará, tem versões para outras línguas, foi utilizada pelo pessoal do GLS em desfile para 1 mihão e cem mil pessoas em São Paulo. Cantadores e repentistas do Nordeste também perpetuam e respondem no universo popular. O Ballet Stagium, um dos mais respeitados no mundo, a colocou em seu repertório de apresentações. Em qualquer lugar do Brasil todos cantam, em diversas faixas etárias e segmentos sociais, dando visão que a importância da música está além de suas utilizações.

 

Bula - Na sua opinião, o Fagner se vendeu?

 Ednardo - Além da polarização complexa da pergunta, deixo claro que não costumo opinar sobre direcionamento de cada um à sua arte.

Mas, é conhecido que Fagner criou espécie de persona com a qual conseguiu ser aceito no meio artístico, estribado em seu talento e atritos com gravadoras, artistas de destaque na cena musical brasileira. Ter diferenças com modus operandi de gravadoras é considerado normal no Brasil, mas desentender-se constantemente com colegas e companheiros artísticos é estranho. Se a estratégia deu certo durante algum tempo, também ao se colocar em pauta na mídia abusando do clichê, o tornou refém da caricatura de si próprio e cansou o público.

Quando ocupou cargo executivo na CBS se auto-instituiu gerente da música de artistas nordestinos ao seu critério pessoal, tentou fazer aquilo que achava que Caetano Veloso fazia na Polygram, entre os mesmos foram registrados constantes bate-bocas via imprensa. Foram se juntando desacertos com Elba Ramalho, Robertinho de Recife, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Belchior, Biga Maia, viúva de Petrúcio Maia, Patativa do Assaré, com a família da poetisa Cecília Meirelles, e família do autor Heckel Tavares e outros.

Suas atenções mergulharam em opção declarada para atender solicitações de mercado a qualquer custo, diferente dos primeiros discos vieram posições de indistintas atitudes arrogantes e fome exagerada de autopromoção utilizando à máquina da gravadora para alcançar metas pessoais, pagando este tipo de sucesso a um alto custo numa espécie de suicídio lento de sua própria alma artística.

De 78 a 80 eu estava contratado pela CBS, direção artística Jairo Pires, (que saiu da gravadora em 79). Realizei e produzi quatro discos nestes quatro anos e não guardo boas recordações do Fagner neste período. O cargo de direção do selo Epic era transitório, mas em seu delírio de ego, imaginava que era eterno, houve manipulação de departamentos e produções a seu favor com falta de ética profissional e artística, demonstrando seu caráter, despreparo e imaturidade.

Não me deixo envenenar por mágoas e rancores que esgotam tônus de energia, o tempo aplaina arestas, cicatriza feridas, mas isto não significa apagar da memória os fatos que meus discos: Ednardo (1979); Massafeira/Disco Duplo Coletivo (1979); Imã/Ednardo (1980); foram prejudicados em boicotes absurdos e surreais dentro da gravadora que a princípio deveria difundir seus produtos no mercado.

Os discos não eram distribuídos na mídia; o Massafeira foi engavetado por um ano e seis meses, por sugestão dele próprio que embora participando do projeto artístico o traiu e a todos os amigos e colegas que participaram coletivamente, alegando à direção da CBS que não era importante e daria prejuízo à gravadora. Depois quando o disco saiu numa queima de estoque deliberado em outubro/80, foi com um selo colado à capa fixando o preço de um álbum duplo de forma irrisória e desmerecedora, sem antes testá-lo em sua receptividade pública, numa atitude que até hoje não vi nenhuma gravadora realizar desta forma. Foi prensado com verba de divulgação do disco Imã/Ednardo em outubro/80, prejudicando os lançamentos destes discos.

Chegou ao cúmulo de mandar retirar aparelhagem de sonorização que pertencia a CBS, três horas antes do início de meu show de lançamento do disco Imã no Teatro Tereza Raquel no Rio de Janeiro/1980. Não dava mais tempo para contratar outra aparelhagem, mas o produtor Daniel Rodrigues que trabalhava com Gilberto Gil, estava presente no momento, viu o fato e ficou indignado, telefonou pro Gil que disponibilizou de imediato que fosse montado seu equipamento de sonorização para o show poder acontecer.

 

Bula - Quais são os seus projetos futuros?

Ednardo - Tenho alguns projetos no presente, por enquanto suficientes. Estão gravados três discos que pretendo lançar por meu selo. Um ao vivo em shows, outro com trilhas de cinema e o terceiro gravado em estúdio com músicas inéditas. Tem a seqüência de shows que faço pelo Brasil e também a continuação de shows que eu, Amelinha e Belchior, inauguramos recentemente no Rio de Janeiro – Petrópolis e Friburgo e pretendemos sempre que houver possibilidades e condições levar a outras cidades. 

 

Bula - Quando fará um show em Goiânia?

Ednardo - Por minha vontade em breve, existem contatos entre produção local e minha produção, mas não fui informado ainda de data e local.

 

Bula - Qual frase te define?

Ednardo - Definir o universo de cada pessoa em uma frase seria desconhecer a dimensão infinita do ser humano, prefiro não definir ninguém e principalmente a mim próprio em uma frase. É o tipo de hai-kai existencial que não pratico. Quem quiser sintetizar desta forma as pessoas, seus trabalhos, seus sonhos, suas existências, que o faça por sua própria responsabilidade.

 

Bula - O que mudaria na sua carreira? Arrepende-se de algo?

Ednardo - Se pudéssemos perguntar ao mar que em suas ondas de vai e vem sempre se renova, o que mudaria em nossas vidas se do presente voltasse ao passado para reformular o futuro, acho que o mar responderia - Nada, compreenda o tudo e nada. O presente é o grande lance. Aqui e agora é que podemos fazer tudo de novo e nadar de outro jeito.

Sobre minha carreira artística não tenho insatisfação comigo próprio, sei que qualquer um está sujeito a acertos e erros, mas não detecto violação artística, ética, moral, delito nas leis naturais ou dos homens, em minha conduta que leve ao ato de contrição do arrependimento ou repensar minha orientação. Faço e canto músicas destes tempos para interagir com outras pessoas.

Não sou partidário de idéia tipo: “se não posso mudar o mundo, mudo a mim próprio, adequando minha voz interior ao silêncio”. Faz parte da responsabilidade autoral fornecer seu testemunho e ação com convicção sobre a vida e seu tempo.