O PESSOAL DO CEARÁ E A MASSAFEIRA
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Parte da Monografia à UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ Departamento
de Comunicação Social e Biblioteconomia CENTRO DE
HUMANIDADES Orientador: Prof. Dr. Gilmar de Carvalho
Vanderly Campos de
Oliveira Bacharel em Comunicação Social Todos os Direitos
Reservados © Copyright da Autora Fortaleza – Ceará / 2000 Monografia Condensada, Autorizada pela Autora Cessão de
Publicação à Aura Edições Musicais
Vanderly, é
com agradecimento e emoção que li o imenso trabalho de pesquisa e idéias
bem articuladas e criativas que iluminam caminhos de entender,
impressos em sua monografia. Em quase todos momentos você reconstitui
fatos com tal fidelidade que fica-se a imaginar que acompanhou ao vivo
detalhes do nosso gigantesco esforço de trabalho grupal ao realizar estes
eventos sem clones até hoje.
Meu reconhecimento ao Mestre Gilmar de
Carvalho, seu orientador e brilhante fonte de energia, depositário
legítimo de informações de nossa cultura e arte .
Aos que
desejarem conhecer outras matérias, pontos de vistas e
informações sobre o assunto, é só clicar em Massafeira .
Acredito
que todos que participam da linha evolutiva do fazer que este assunto
aborda, também agradecem a dedicação e empenho com os quais vocês se
devotaram ao realizá-lo.
Abraços do
Ednardo 28/12/2002 |
- Pessoal
do Ceará: abrindo porteiras, conquistando espaços
- Anos
60: tempo de sonho, luta, esperança e desespero
- Golpe
Militar 64: fechamento político e integração
nacional
- Universidade:
berço de uma geração de artistas
- Novos
Pontos de Articulação: Institutos Básicos, Faculdade de Arquitetura, Bar
do Anísio
- Os
Festivais: revelando para o Brasil o novo Canto do
Ceará
- Arribação:
"O sul, a sorte, a estrada, me seduz"
- Massafeira
Livre: palco de conflitos e conciliações
- Pessoal
do Ceará volta a terrinha: em vídeo tapes e revistas
supercoloridas
- A
Geração Pós Pessoal
- Novos
Contextos: abertura política, novos partidos,
anistia
- O
Show Massafeira Livre: a algazarra criativa
- O
Silêncio da Imprensa
- A
Massa: massivo x popular nas sociedades
industrializadas
- A
Feira Theatro José de Alencar: espaço de articulação popular e
cultural
- O
Disco Massafeira Livre: a marmota do mormaço
- Transformação
do evento em mercadoria
- Conclusões
do trabalho: sem esgotar propostas
- Bibliografia
-
Ficha
Técnica dos Discos
- Relação
parcial de Participantes Massafeira 1979
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CAPÍTULO II - "O Pessoal do Ceará":
abrindo porteiras, conquistando espaços |
Neste
capítulo vamos acompanhar a trajetória de uma geração de artistas que
surgiu no Ceará na década de 60 e conquistou o Brasil, mostrando uma
música que rompia as barreiras do regionalismo folclórico, fundindo
elementos da cultura popular e da cultura de massa, traduzindo o universal
pelo regional. |
2.1 - Anos 60: tempo de sonho, luta,
esperança e desespero - projeto utópico de uma
geração |
A
década de 60 entrou para história e permanece no imaginário coletivo como
um momento único da história da humanidade - momento em que corações e
mentes de jovens do mundo inteiro convergiam para a construção de uma
sociedade mais igualitária, pacífica, democrática política, social e
culturalmente - embora para se chegar a essa Utopia o caminho, às vezes,
passasse pela luta armada.
Uma época
em que os sonhos eram coletivos, o desejo dos jovens era morar em
comunidades e o movimento hippie - cabelos compridos, dedo em V, roupas
super coloridas e o slogan "paz e amor" - se espalhou pelos quatro cantos
do mundo. Tempo de Beatles e Rolling Stones, mas também de passeatas,
golpes militares, guerrilhas... Tempo de luto e luta, esperança e
desespero de uma geração que sonhava e pagava com a própria vida o preço
do sonho.
"Na verdade, a aventura dessa geração não é um folhetim
de capa-e-espada, mas um romance sem ficção. O melhor do seu legado não
está no gesto - muitas vezes desesperado; outras, autoritário – mas na
paixão com que foi à luta, dando a impressão de que estava disposta a
entregar a vida para não morrer de tédio. Poucas - certamente nenhuma
depois dela - lutaram tão radicalmente por seu projeto, ou por sua utopia.
Ela experimentou os limites de todos os horizontes: políticos, sexuais,
comportamentais, existenciais, sonhando em aproximá-los todos. " (ZUENIR
VENTURA, 1988)
Esse espírito de
mudança, esse descontentamento com o modelo de sociedade que estava posto,
já se fazia sentir na década de 50, embora tenha irrompido de vez na
década seguinte, e se traduzia na recorrente utilização do adjetivo "novo"
que traía todo o espírito de uma época: bossa nova, cinema novo, teatro
novo, arquitetura nova, música nova. Acrescente-se a isso os estudos
desenvolvidos no ISEB, calcados na oposição entre a velha e a nova
sociedade.
Nessa perspectiva é possível dizer que as palavras-chave
da década de 60 eram juventude e movimento. Uma juventude que pretendia
transformar a sociedade e conscientizar a população. Ainda não haviam
chegado ao Brasil as idéias de Adorno acerca da indústria cultural e da
sociedade de massa.
- "um espaço
onde praticamente não mais existem conflitos (...), sociedade marcada pela
unidimensionalidade das consciências (...)" (RENATO ORTIZ,
1994).
É só a partir do final da
década de 60 e início de 70 que os intelectuais brasileiros vão se voltar
para o tema. A mídia daqueles jovens era o cinema, a música, o teatro, a
literatura. A televisão ainda não tinha o poder e o alcance que tem hoje.
Com idéias forjadas pela leitura de autores como Marx, Mao, Guevara,
Lukács, Gramsci, Marcuse, Sartre entre outros, a "geração sessenta"
discutia, participava, questionava tudo.
"Era difícil ser indiferente naqueles tempos apaixonados.
Também, havia muito o que discutir. Discutia-se nas universidades, nas
assembléias, nas passeatas, nos bares, nas praias: a altura das saias, o
caráter socialista da revolução brasileira, o tamanho dos cabelos, os
efeitos da pílula anticoncepcional, as teorias inovadoras de Marcuse, as
idéias de Lukács, o revisionismo de Althusser." (ZUENIR VENTURA,
1988)
A emergência dessa consciência
política foi resultado não só das idéias transformadoras vindas de fora,
mas de um momento crucial por que passava o país. O modelo
desenvolvimentista implantado por Juscelino não fora capaz de resolver as
contradições da economia brasileira. A sociedade brasileira encontrava-se
naquele momento diante de um impasse.
"... Já não haviam mais possibilidades políticas e
econômicas para a conciliação entre a ideologia nacionalista e o
capitalismo associado dependente. Além disso, as contradições entre as
classes sociais, tanto nas cidades como no campo, haviam-se aguçado. "
(MARY PIMENTEL AIRES, 1994)
Surgem,
nesse momento, os movimentos sociais que marcaram a década. O movimento
operário nas cidades, as Ligas Camponesas no campo, a mobilização de
intelectuais, artistas, profissionais liberais e, articulando tudo isso, o
movimento estudantil. Antes do golpe militar de 64, esse movimento já
mostrava sua força através do Centro Popular de Cultura da União Nacional
dos Estudantes. Entidade autônoma financeira e administrativamente, o CPC
era o órgão cultural da UNE e reunia grande número de jovens artistas,
dramaturgos, atores, compositores, cineastas, artistas plásticos, poetas e
líderes estudantis, além de pessoas de fora do movimento, geralmente
intelectuais e artistas.
"... O CPC
tinha um projeto intelectual bem definido: a elaboração de uma cultura
'nacional, popular e democrática'. Partindo da máxima fora da arte
política não há arte popular', o movimento objetivava desenvolver uma
práxis de conscientização política junto às classes populares, propondo-se
a extrair dai possibilidades reais de participação efetiva dessas camadas
na luta pela emancipação política e cultural da sociedade brasileira. "
(MARY PIMENTEL AYRES, 1994).
"Quando os militares deram o golpe de
64, abortaram urna geração cheia de promessas e esperanças.(...) As
reformas de base de João Goulart iriam expulsar o subdesenvolvimento e a
cultura popular iria conscientizar o povo. (... )" (ZUENIR VENTURA,
1988)
Com o golpe militar, o
movimento estudantil chamou para si a responsabilidade de mobilizar a
sociedade para lutar contra a ditadura.
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2.1.1 - Golpe Militar-64: fechamento
político e integração nacional |
Não cabe, no âmbito desse trabalho, analisar as
questões políticas e econômicas que desencadearam a "revolução" que
instaurou a ditadura militar no Brasil em 1964, mas suas conseqüências na
produção cultural do país. O regime autoritário instaurou a censura e
impôs o silêncio à sociedade. A cultura - música, cinema, teatro, pintura
etc. - passou a ser o único canal possível de expressão política.
Presencia-se, nesse momento, uma politização de todos os espaços
criativos. Da música à roupa, tudo era perpassado pelo discurso do
engajamento político.
"Os que
viveram intensamente aqueles tempos guardara a impressão de que não faziam
outra coisa: mais do que fazer amor, mais do que trabalhar, mais do que
ler, fazia-se política. Ou melhor, fazia-se tudo achando que se estava
fazendo política. A moda era politizar – do sexo às orações, passando pela
própria moda, que, durante pelo menos uma estação de 68, foi 'militar': as
roupas mimetizaram a cor e o corte das fardas e das túnicas dos
guerrilheiros. " (ZUENIR VENTURA, 1988)
E é na cultura que o Estado vai intervir sistematicamente,
na forme de um controle estrito às manifestações que se contrapunham ao
pensamento autoritário. Dessa forma, a censura age como elemento
disciplinador:
"... A censura não se
define exclusivamente pelo veto a todo e qualquer produto cultural; ela
age como repressão seletiva que impossibilita a emergência de um
determinado pensamento ou obra artística. São censuradas as peças
teatrais, os filmes, os livros, mas não o teatro, o cinema ou a indústria
editorial. ... " (ORTIZ, 1994,)
O
Estado reconhece a cultura como um campo simbólico capaz de expressar
valores contrários ao seu projeto político, mas também como um espaço
fundamental de propagação desse projeto. Não é, portanto, interesse do
Estado, fechar os canais de manifestação e produção cultural, mas, ao
contrário, financiá-los, promovê-los a fim de mantê-los tutelados,
circunscritos ao poder autoritário.
"... O Estado militar não pretende restringir-se a uma ação
repressora na cultura. Há o interesse em atuar na área, como forma de
colocá-la sob sua orientação, justamente por perceber a dimensão e a força
política da produção simbólica. ... " (ALEXANDRE BARBALHO,
1998)
Nessa perspectiva é
compreensível que a ditadura militar tenha sido "o momento da história
brasileira onde mais são produzidos e difundidos os bens culturais. "
(Ortiz, 1994). É nesse período que surgem entidades como o Conselho
Federal de Cultura, o Instituto Nacional de Cinema, a EMBRAFILME, a
FUNARTE, o Pró-Memória entre outros. Reconhecendo a importância dos meios
de comunicação de massa e sua capacidade de difundir idéias, o Governo
militar vai investir pesado nas telecomunicações. Em 1965 é criada a
EMBRATEL. No mesmo ano o Brasil se associa ao Sistema Internacional de
Satélites (INTELSAT). Em 1967 é criado o Ministério de Comunicações. Em
1968 a construção de um sistema de microondas possibilita a interligação
de todo o território nacional ' .
Essa intervenção planejada do
Estado na cultura não acontece apenas por parte do Governo Federal. A
preocupação em promover a arte e a cultura se estende por diversos Estados
da Federação. No Ceará, o Governo Virgílio Távora já havia instituído, em
1962, a Superintendência do Desenvolvimento Econômico e Cultural do Ceará.
Em 1965 diversas foram as promoções que marcaram a atuação das esferas
governamentais na cultura. Entre os eventos se destacou o I Festival
Folclórico do Ceará promovido pelo Estado, Prefeitura e Universidade do
Ceará. Esse festival mostrou a preocupação do Estado em apropriar-se da
cultura popular para legitimar-se perante a sociedade. Ainda no final
desse ano tomou posse o Conselho Estadual de Cultura (CEC), ligado à
Secretaria de Educação e Cultura, com a finalidade de criar bibliotecas,
promover as artes, propor e dar parecer sobre assuntos culturais do
Governo. Mas somente no final do Governo, em 1966, foi criada a Secretaria
de Cultura do Estado do Ceará, a primeira do gênero no país.
"Integram a Secretaria de Cultura nesse momento
inicial o Arquivo Público Estadual, (... ), o Museu Histórico e
Antropológico do Ceará, a Biblioteca Pública, o Teatro José de Alencar, a
Casa de Juvenal Galeno e o Setor de Turismo, (...). Em lei de 1967 são
criados e incorporados à Secretaria o Centro de Artes Visuais Casa de
Raimundo Cela e o Museu de Aquiraz.(... )" (ALEXANDRE BARBALHO,
1998)
Uma peculiaridade da
Secretaria de Cultura do Ceará é que ela foi resultado da pressão de um
grupo de intelectuais para que o Estado passasse a operar no campo da
produção cultural. Não se pode, no entanto, concluir daí que ela se
constituiu numa instância autônoma.
"... esta parcela de intelectuais envolvidos com
o surgimento da Secretaria de Cultura acaba por estabelecer relações de
dependência com os poderes políticos... " (ALEXANDRE BARBALHO,
1998)
Em relação à sociedade o
pensamento militar se fundamenta na Ideologia da Segurança Nacional. Essa
ideologia,
"... Concebe o Estado
como uma entidade política que detém o monopólio da coerção, isto é, a
faculdade de impor, inclusive pelo emprego da força, as normas de conduta
a serem obedecidas por todos. Trata-se também de um Estado que é percebido
como o centro nevrálgico de todas as atividades sociais relevantes em
termos políticos, daí uma preocupação constante com a questão da
'integração nacional'. Uma vez que a sociedade é formada por partes
diferenciadas, é necessário pensar uma instância que integre, a partir de
um centro, a diversidade social. (... ) " (ORTIZ, 1994)
Dentro desse quadro, de um Estado disposto a
construir uma nação unificada, os meios de comunicação desempenharam um
papel fundamental, principalmente se os interesses dos donos dos meios -
diante de um mercado de bens culturais promissor e em pleno
desenvolvimento - se coadunavam com os interesses dos representantes do
Estado autoritário.
"... Ambos os
setores vêem vantagens em integrar o território nacional, mas enquanto os
militares propõem a unificação política das consciências, os empresários
sublinham o lado da integração do mercado. " (ORTIZ, 1994)
O Governo pretendia a integração do país, mas
uma integração centralizadora, funcionando a nova capital - Brasília -
como centro de tomada de decisões políticas e os estados do Rio e São
Paulo, como centros de produção cultural. Dessa forma, inovações
tecnológicas como o vídeo-tape e os satélites contribuíram
significativamente para a consolidação do projeto militar. A constituição
das redes de televisão, veículo preferido pelos militares para impor sua
ideologia, centralizou a produção cultural no eixo Rio-São Paulo,
reservando para as emissoras regionais o papel de repetidoras. Dessa forma
procurava-se, pela padronização das manifestações culturais, minar as
especificidades regionais, as formas de resistência - não através da
negação das expressões regionais, mas trazendo-as para o seu território
para, a partir daí, serem reelaboradas e redistribuídas para o restante do
país como um produto nacional. Assim, estava garantida a unidade da Nação
através, e apesar, de sua diversidade cultural.
"A unidade e a indivisibilidade (...) possuem suportes
empíricos (território, leis) e suportes simbólicos (sentimento nacional,
soberania popular). Evidentemente, unidade e indivisibilidade não
significam ausência de diversidade. Pelo contrário, o todo é visto como
internamente diversificado (por exemplo, regiões, no caso da nação; e
grupos, no caso do povo), mas a diversidade é encarada apenas como
pluralidade daquilo que é, em si, uno e idêntico. Não há diferença
interna. " (MARILENA CHAUÍ, 1989)
É
nessa perspectiva que se toma possível compreender a trajetória de sucesso
dos artistas cearenses que iniciaram a carreira naquele momento. Os
espaços estavam abertos para as manifestações culturais das diversas
regiões, vontade e coragem de lutar, enfrentar obstáculos, desbravar o
mundo não faltavam àquela geração que acreditava ter o poder transformar a
sociedade. O ponto de partida era a Universidade.
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2.2 - Universidade: berço de uma geração
de artistas |
Quando falamos na geração "Pessoal do
Ceará" logo vem à mente três nomes: Ednardo, Belchior e Fagner. Mas, no
momento em que nos propomos a traçar um panorama da década de 60, no
Ceará, sob o aspecto cultural, faz-se necessário referenciar uma gama de
artistas que, embora não haja alcançado sucesso na mídia nacional, foi
responsável por toda a efervescência artística que se observou naquele
período em nosso Estado: teatro, música, dança, artes plásticas
etc.
Toda essa movimentação artística começava, como não poderia
deixar de ser, na Universidade. O movimento estudantil iniciou a década
mostrando toda a força que mais tarde iria aglutinar os diversos setores
da sociedade na luta contra a ditadura. O acontecimento que detonou esse
movimento foi a decretação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional - Lei Nº 4024, 20 de dezembro de 1961.
Entre outras
prerrogativas essa Lei previa a representação dos estudantes nos órgãos
colegiados das Universidades. Os estatutos das Universidades, porém, não
previam tal participação. Os estudantes iam ter que lutar para garantir na
prática o direito previsto na Lei. Em abril de 1962, estudantes de todos o
país, sob a direção da UNE, se reuniram em Porto Alegre para organizar o
movimento a ser deflagrado. E não foi mera coincidência o fato de os
líderes da UNE escolherem a Universidade do Ceará como centro irradiador
do movimento que deveria se estender a todas as Universidades do
pais.
"Nas reuniões da UNE em Porto
Alegre, quando chegou a vez da situação dos estudantes na Universidade do
Ceará, o exame não se revestiu de muita complexidade. No consenso dos
líderes integrantes da UNE ali reunidos, no Ceará tudo seria facilitado,
pelo excelente relacionamento do Reitor com o alunado. " (MARTINS FILHO,
1996)
Imaginava-se que o objetivo
dos estudantes iria ser alcançado com facilidade na Universidade do Ceará,
o que aumentaria as chances de vitória nas Universidades do resto do país.
O que não se presumia era que o "excelente relacionamento do Reitor (de
orientação política antiesquerdista) com o alunado" não comportava
sublevações. Assim, a "greve do terço", como ficou conhecida, se estendeu
do dia 22 de maio ao dia 27 de julho de 1962, quando todas as dependências
da Universidade foram ocupadas por tropas do exército. O Reitor jamais
aceitou qualquer responsabilidade pelo resultado do movimento.
"... Se houve erro, foi da parte dos estudantes
que, influenciados pelo radicalismo dos agentes de Cuba e de Moscou,
procuraram tumultuar a Universidade, destruindo em grande parte aquilo que
me parecia essencial, ou seja, o otimismo e o entusiasmo no meu trabalho,
em favor da educação superior no Ceará. " (MARTINS FILHO, 1996) – (Antônio
Martins Filho foi Reitor da Universidade do Ceará durante doze anos desde
a sua fundação, assumindo o cargo por quatro mandados consecutivos (anos:
1955 à 1958, 1958 à 1961, 1961 à 1964, 1964 à 1967)
O que nem o Reitor, nem os demais representantes do Poder,
quis entender e aceitar é que aqueles jovens também eram otimistas e
entusiasmados e só estavam lutando pelo seu direito de participação nas
tomadas de decisões e nos debates sobre as emergentes questões nacionais.
A preocupação do movimento estudantil ultrapassava as fronteiras da
Universidades e alcançava a problemática situação política e econômica por
que passava a sociedade brasileira naquele momento. Ao reprimir os
estudantes com as tropas do Exército e negar legitimidade a sua luta, o
Estado estava jogando fora a possibilidade de uma sociedade mais
participativa, solidária, cidadã. Por isso o cronista do Jornal do Brasil,
José Carlos de Oliveira, lamentava:
"Que belo material humano estamos jogando fora. Na
clandestinidade. É com essa matéria-prima que se faz uma nação. " (José
Carlos de Oliveira, cronista do Caderno B do Jornal do Brasil, citado por
Zuenir Ventura no livro - 1968 O ano que não acabou - 1988)
Impossibilitados de participar e intervir
politicamente de forma direta, os estudantes direcionaram seu potencial
revolucionário e criativo para a cultura. O Centro Popular de Cultura
(CPC) da UNE se constituiu no foco de irradiação da efervescência cultural
que dominou a década. Propondo uma arte revolucionária, engajada, o CPC
objetivava conscientizar as classes populares e tinha como projeto a
elaboração de uma cultura " nacional, popular e democrática".
"O engajamento na arte expressa-se quando o
artista pretende ser popular, e ser popular é identificar-se com as
aspirações fundamentais do povo, quando se une ao esforço coletivo de
lutar pelo seu projeto de existência que pode ser traduzido como a luta
por sua emancipação política." (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)
No Ceará, em 1963, o Centro Popular de Cultura
da União Estadual dos Estudantes realizou diversas atividades artísticas e
culturais, com destaque para o teatro e a música. O Centro, na época, era
dirigido por Augusto Pontes - jornalista, publicitário, compositor - um
dos personagens centrais da história dessa geração, inclusive quando da
reaglutinação no movimento Massafeira. No teatro se destacavam nomes como
Aderbal Freire Filho, José Alberto Cavalcante, Carlos Paiva entre outros.
Eram encenadas peças de autores nacionais e estrangeiros. Os shows
musicais apresentavam um repertório marcadamente bossanovista mas já
aliado a um conteúdo de protesto influenciado pelas músicas de Edu Lobo,
Carlos Lyra, João do Vale e Nara Leão.
Esse movimento de teatro e
música que surgiu no CPC reuniu artistas e músicos que acabaram
organizando um grupo de grande expressão na época: o CACTUS, criado em
1964, abrigando nomes como Olga Paiva, Iracema Melo, Sérgio Costa, Nonato
Pereira, Renatinho e Cláudio Pereira.' Com o país já vivendo os duros
tempos do regime militar, o grupo CACTUS ousava apresentar shows de
caráter notadamente subversivos para os padrões da época, despertando a
revolta nos grupos mais reacionários.
"...O grupo CACTUS uma vez apresentando-se na
ultraconservadora Casa de Juvenal Galeno, empolgou o público com a música
de protesto 'Operário em Construção' de Vinícius de Morais, mas ao mesmo
tempo, criou uma reação negativa: 'Comunistas invadem a casa de Juvenal
Galeno e apresentam a subversão' ..." (MARY PIMENTEL AIRES,
1994)
Toda a produção cultural de
Fortaleza na década de sessenta se concentrou na Universidade e se
irradiou a partir dela:
"... Podemos
falar, sem medo de errar, numa conseqüência, num fruto da atividade da
instituição universitária, com toda a discussão que gerou, com a ampliação
de espaços, com o aprofundamento de questões. " (GILMAR DE CARVALHO,
1983/1984).
Inclusive parte das
produções teatrais adaptadas para a TV Ceará, no início da década, saiam
do Curso de Arte Dramática do Teatro Universitário.
"A chegada de B. de Paiva, contratado pela Universidade do
Ceará, trouxe um grande alento ao teatro de nossa terra.. " Pode-se dizer
que num primeiro momento, a televisão buscou se legitimar através do
teatro. A inclusão da Comédia Cearense (Canção dentro do Pão ) e do Curso
de Arte Dramática (A jangada não voltou) na comemoração inaugural da tevê
reforça essa afirmativa. Na seqüência da programação normal, um dominical
Teatro Universitário na TV que reprisou o original de B. de Paiva (A
jangada) e levou ao vídeo 'Madrugada 27', também de B. de Paiva (...)"
(GILMAR DE CARVALHO, 1985)
O
recrudescimento das tensões políticas e da perseguição ao movimento
estudantil a partir do golpe militar de 64, acabou por dispersar o grupo
que tinha como espaço o DCE. Mas essa dispersão foi apenas temporária. Já
em 1965 recomeçava a articulação dos artistas, tendo o movimento agora se
deslocado para outros pontos da universidade.
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2.2.1 - Novos pontos de articulação:
Institutos Básicos, Faculdade de Arquitetura, Bar do
Anísio |
A repressão política dispersou aquele grupo mas
não conseguiu barrar o movimento cultural que se desenvolvia na
Universidade. Em sintonia com o que estava acontecendo no restante do
país, os universitários cearenses insistiam e não entregavam os pontos.
Estavam todos no mesmo barco, lutando contra um inimigo comum - a ditadura
militar. Era a característica marcante daquela geração: a ânsia de
expressar-se, o agrupar-se, o fazer coletivamente.
"O fato é marcante demais para ser atribuído ao acaso. E
nada se faz sem ser reflexo ou projeção de uma situação geral, num
contexto mais abrangente. "Esta geração teria ganho uma consciência do
fazer cultural, se engajando ou não numa militância, mas inegavelmente,
qualquer que tenha sido o caminho escolhido, ficou com esta angústia de se
expressar." (GILMAR DE CARVALHO, 1983/1984)
Nessa perspectiva, o movimento dos artistas apenas se
deslocou dentro da própria Universidade. Em 1965 o ponto de convergência
da atividade artístico-cultural de Fortaleza passou a ser os Institutos
Básicos - Física, Química e Matemática, principalmente no Instituto de
Física. Nesse momento começam a surgir em cena os nomes que constituiriam
aquele que ficou conhecido para o Brasil como "O Pessoal do Ceará": Rodger
Rogério, Francis Vale, Antônio Carlos, Brandão, integraram-se ao CACTUS e
organizaram um cine-clube com apresentação de filmes, shows musicais e
debates. Nesse segundo momento a atividade do CACTUS rompeu os limites da
cidade de Fortaleza e estendeu o movimento ao interior do Ceará e estados
vizinhos.
"... Com características
mambembes, foram organizadas as "caravanas" que tinham o objetivo de
disseminar a mobilização em outras regiões do estado: Juazeiro, Barbalha,
Vaqueira, Iguatu, como também no estado do Rio Grande do Norte. " (MARY
PIMENTEL AIRES, 1994)
Em 1966 surge
um novo grupo artístico com uma proposta diferente e mais ousada que
aquela desenvolvida no CPC pelo CACTUS: O Grupo Universitário de Teatro e
Arte (GRUTA) que abrigava nomes como Fausto Nilo, Antônio Carlos Coelho,
Hidelberg, Braguinha, Petrúcio Maia, entre outros. Do grupo anterior
vieram Augusto Pontes, Antônio José Soares Brandão e Cláudio Pereira.
Nesse momento as atividades se deslocaram novamente, desta vez para a
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, que se tornou ponto de irradiação de
um intenso processo criativo. O trabalho desenvolvido pelo GRUTA seguia a
mesma linha do que havia sido feito no CACTUS, de shows musicais e teatro.
A diferença é que, aqui, as produções assumem uma cor local com peças e
músicas criadas por artistas cearenses.
O GRUTA ampliou
significativamente o alcance das "caravanas de cultura", levando a cultura
a outros estados e até ao exterior. Numa atitude ousada, como eram todas
as atitudes daquela geração, organizou-se uma caravana internacional,
incluindo apresentações na Argentina e Uruguai.
"As caravanas de cultura, como o próprio termo designa,
consistiam na reunião e mobilização de um expressivo contingente de
artistas, intelectuais e pessoas engajadas no movimento que objetivava a
divulgação extensiva da criação-cultural produzida localmente aos diversos
recantos e regiões do Brasil como também do exterior. " (MARY PIMENTEL
AIRES, 1994)
Correndo o risco de
cairmos no sentimentalismo, podemos dizer que só mesmo o espírito de uma
época - marcada por um desejo coletivo de participação, liberdade e
solidariedade - explica a disposição daqueles artistas em atravessar o
país em ônibus semi-leito para mostrar a cultura cearense. O que acontecia
aqui era o reflexo do que estava acontecendo no Brasil e no mundo. Era o
espírito mesmo de uma geração. As assembléias, as passeatas, os confrontos
com a polícia denotam essa disposição de lutar para construir algo
diferente.
"Apesar dos riscos que
ofereciam, as passeatas são lembradas com doce nostalgia, talvez porque,
quando a polícia deixava, elas correspondiam ao que havia de mais generoso
naquela geração: a capacidade quase religiosa de comunhão, o impulso
irrefreável para a doação. Se houve na história um movimento em que seus
componentes não souberam o que era egoísmo, anulando-se como indivíduos
para se encontrar como massa, esse movimento foi o da espetacular, pública
e gregária geração de 68. " (ZUENIR VENTURA, 1988)
Mas essa juventude também tinha seu lado boêmio, como
expressou Ricardo Bezerra - compositor e arquiteto - em depoimento a Mary
Pimentel:
"A Arquitetura tornou-se o
local de realização das tertúlias etílico-lítero-musicais e badernosas...
" Assim, um bar localizado na Beira-Mar tornou-se quase que uma extensão
da Universidade: o Bar do Anísio. Era lá que o pessoal se encontrava,
varava a madrugada discutindo e compondo. "...O Anísio tinha bossa e
pintou como o lugar para onde o pessoal ia. Foi lá que se solidificaram
amizades, se formaram parcerias e no meio da madrugada, muita canção foi
composta." (GILMAR DE CARVALHO, 1977)
Compositores como Rodger Rogério, Fausto Nilo, Petrúcio
Maia, Brandão e Augusto Pontes, que atuavam no teatro, mais tarde vão se
destacar também na música, juntamente com Ednardo, Belchior e Fagner, que
se revelaram nos festivais musicais.
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2.3 - Os Festivais: revelando para o
Brasil o novo canto do Ceará |
O fenômeno mais significativo da década de
60, no que diz respeito à música, foram os festivais. Além dos inegáveis
talentos que se firmaram no cenário artístico nacional, neles se revelaram
, também, as contradições e ambivalências presentes no caldeirão cultural
em que se constituiu aquele período.
"É muito importante observar o papel dos festivais de
música com relação às transformações sócio-econômicas e políticas que
estavam em curso naquele período da história brasileira. Através deles, as
contradições emergentes eram reveladas com grande força, colocando em
cheque as várias tendências políticas e culturais existentes. O caráter
competitivo inserido nos festivais acentuava e, ao extremo, radicalizava
certas posições políticas e artísticas. Sinalizavam um momento limítrofe,
um espaço fronteiriço no que diz respeito às mudanças que vinham
ocorrendo." (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)
O confronto mesmo se deu entre dois movimentos que dividira
gosto da parcela mais intelectualizada da população: o movimento cepecista
(canção-protesto) e o tropicalismo (cujos maiores representantes na música
eram Caetano Veloso e Gilberto Gil). No entanto, não se pode negar a
importância da "Jovem Guarda" - movimento influenciado pelo grupo inglês
"The Beatles", comandado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia.
Se, como já vimos no capítulo anterior, naquele momento emergia, no
Brasil, uma cultura de massa, com a televisão se firmando como veículo de
comunicação, a "Jovem Guarda" se apresenta como símbolo dessa indústria
cultural emergente, instituindo padrões de comportamento e
consumo.
"... O 'rei' e a
'ternurinha' davam força ao coro de rebeldia, assimilado, num instante
seguinte, pelo lançamento de sapatilhas, calças, camisas, enfim, o que o
sistema lucra com as estratégias mercadológicas. " (GILMAR DE CARVALHO,
1985)
Retomando o confronto entre a
canção-protesto e o tropicalismo vamos observar que embora as propostas
apresentassem pontos comuns – contestação ao regime militar, à estrutura
econômica, social e familiar, aos valores e padrões comportamentais
impostos, à dominação estrangeira - divergiam na forma de conduzir o
processo transformador.
"O Brasil
musical de então vivia apaixonadamente dividido, como costuma acontecer em
situações radicais. Com a distância de hoje, pode-se observar que essas
divisões, às vezes, estavam mais nas intenções do que nos resultados. Os
conceitos de 'novo' e 'velho', com que se procurava rachar
sistematicamente o país, nem sempre davam conta de um panorama mais
matizado do que os olhos sectarizados podiam perceber. " (ZUENIR VENTURA,
1988)
Enquanto a canção-protesto
propunha uma música engajada - comprometida com a conscientização da
população, com a denúncia contra a ditadura - o tropicalismo defendia uma
revolução mais ampla, antipartidária, o rompimento mesmo das estruturas
arcaicas em que se fundava a sociedade brasileira. O público assimilou
esse embate e o levou às últimas conseqüências nos festivais.
Nas eliminatórias do III Festival Internacional
da Canção, em 1968, as vaias da torcida impediram Caetano Veloso de cantar
"É Proibido Proibir". Na finalíssima, protesto contra o 1° lugar obtido
por "Sabiá" - de Tom Jobim e Chico Buarque. Esperava-se, como certa, a
vitória de "Caminhando" - de Geraldo Vandré. À parte as divergências, o
fato é que ambos os movimentos legaram ao país os nomes mais
significativos da música popular brasilei
a dos últimos 30 anos:
Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Geraldo
Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivan Lins, Luiz Gonzaga Júnior,
Aldir Blanc, Nara Leão, Maria Bethânia, Gal Costa entre tantos
outros.
No Ceará, o movimento
artístico seguia influenciado pelo que acontecia no Sul do país. Também
por aqui se realizaram os festivais. Foi neles que se forjou a consciência
de um trabalho musical que ganhava consistência e qualidade. Segundo
Gilmar de Carvalho, foi a fase da aprendizagem para aquela
geração.
"... Os festivais, por sua
vez, ao invés de separar pelo caráter de competição, juntava mais a turma.
Era a certeza de que havia um trabalho, um processo e de que todo mundo
estava perseguindo a mesma meta, apesar de serem diversos os caminhos. "
(GILMAR DE CARVALHO, 1977)
Praticamente todos os artistas envolvidos com a atividade
musical no Ceará, naquele momento, participaram dos festivais. E foram
muitos: Rodger Rogério, Petrúcio Maia, Fausto Nilo, Fagner, Jorge Melo,
Ricardo Bezerra, Ednardo, Lauro Benevides, Cirino, Luís Fiúza, Belchior,
Sérgio Pinheiro, Pretextato Melo, Dedé e Maninho, para citar apenas
alguns. E, atuando como uma espécie de mentor desse movimento, Augusto
Pontes, personagem presente onde quer que despontasse uma algazarra
criativa. Ele acompanhou - como compositor, animador cultural, produtor,
aglutinador de idéias - toda a trajetória dessa geração até o reencontro
no final da década de 70, no movimento Massafeira, como veremos no próximo
capítulo. (...)
O Ceará tornou-se, então, pequeno para as
aspirações daquele artistas. Não dava para ficar andando em círculos,
reinventando as coisas nos mesmo lugares para o mesmo público. Um público
pequeno, diga-se de passagem. E, como não existiam aqui os meios de
produção e divulgação do trabalho em escala maior, o jeito era ir ao
encontro destes meios lá onde eles estavam centralizados: no
Centro-Sul.
"O que a nova safra de
compositores podia fazer, ela o fez. Soube, heróica e impavidamente ocupar
todas as brechas nos 'mass media'. Ninguém pode acusá-los de estrelismo,
esnobismo ou qualquer coisa desse tipo. Mas não dava para passar a vida
inteira cantando nas festinhas familiares, fazendo apresentações nos
programas do Canal 2 ou inventando festivais todo mês. Impôs-se,
fortemente, a necessidade de falar para um público maior. A decisão não
deve ter sido fácil. Estavam todos diante do impasse: resistir na terra
(correndo o risco de não acontecer) ou alçar vôo. (GILMAR DE CARVALHO,
83/84)
voltar
"... Alegres ou tristes somos um povo que
canta" . E anda ... Poderíamos acrescentar: e dança, e sorri, e faz
peraltices etc. Existiriam, mesmo, traços característicos inerentes à
personalidade do cearense que o diferenciasse dos demais componentes do
povo brasileiro? Parsifal Barroso defende que sim:
"Embora o cearense se pareça com o brasileiro a muitos
respeitos, sua presença sempre se assimila por uma modalidade própria de
ser, de falar, de agir e de afirmar-se, que se não confunde com qualquer
outra. ... " (PARSIFAL BARROSO, 1969).
Várias foram as determinações históricas que contribuíram
para forjar esse ser migrante, moleque, inquieto, astuto. A predominância
do elemento indígena na colonização da província
"Ficou-nos, também, a tradição da extrema
jovialidade dos nossos aborígenes; crianças grandes num mundo maravilhoso,
palradores, risonhos, amantes de danças e folguedos. " ... (FERNANDES,
1977).
O desenvolvimento da pecuária
extensiva como base da economia, o que obrigava a uma constante migração,
acompanhando o leito dos rios, em busca de novos pastos.
"Eis que dentro do silêncio maior do sertão vem
subindo um ruído compassadamente monótono, difusamente anônimo. Pesados
passos batem a areia frouxa dos caminhos de fora, insinuam-se,
devagarinho, rios acima, e, num ritmo preguiçoso, ultrapassam os
taboleiros, entram os boqueirões, atingem as caatingas e multiplicam-se,
afinal, num tropel que enche dois séculos. São as boiadas, - e a sua
marcha potamocêntrica marca os tempos repousados e dolentes das toadas dos
tangerinos, que vão embalar, num rústico acalanto, os ecos longínquos das
quebradas. " (FERNANDES, 1977
As
boiadas também desenvolveram no cearense a capacidade de enfrentar
adversidades de adaptar-se aos meios inóspitos, o que lhe confere um
caráter passional, rude.
"Dentro
dessa perspectiva, portanto, bem se poderá admitir que se externem formas
passionais de radicalismo, oriundos dessa indiferença espar
ana,
que leva o cearense a desamar a vida, enfrentando inopinadamente riscos
inúteis com uma belicosidade à flor da pele, bem própria de quem plasmou
sua personalidade na civilização do couro e se acostumou a lutar como se
estivesse brincando." (BARROSO, 1969)
Poderíamos explicar a necessidade dessa geração de artistas
migrar para o Centro-Sul como uma imposição mercadológica determinada pela
centralização dos meios de produção cultural no eixo Rio-São Paulo. Mas
não podem esquecer a herança indelével de nossos antepassados indígenas -
raça andeja, nômade, coletora - que juntamente com o europeu (não só os
portugueses, mas também franceses e holandeses) - aventureiro, desbravador
- constituíram a base de nossa formação étnica.
"Nunca perde, pois, o cearense a inquietação territorial
dos antepassados, que lhe dá a ânsia de situar em diferentes espaços as
suas atividades. " (FERNANDES, 1977).
Essa inquietação também poderia ser traduzida como uma
herança mística da eterna busca da terra prometida.
"... O selvagem sempre viveu a perseguir mitos e a
incorporá-los à sua existência imediata. (...) Os tupis subiam a costa à
procura da 'terra onde se não morria'; por todo o hinterland fervilhavam
os iluminados, criando psicoses gregárias com o fácil acenar duma próxima
era de juventude eterna e de eterna abundância.(...)" (FERNANDES,
1977)
O mito agora
seria o sucesso na mídia. A "terra prometida", São Paulo e Rio de
Janeiro, como expressa a música "Carneiro" - de Ednardo e Augusto
Pontes. Aliás, essa música sintetiza o que seria "o modo de ser
cearense", na perspectiva defendida por Yaco Femandes e Parsifal
Barroso: a migração, a irreverência, os mitos, a fé em Deus -
instância superior que vai livrá-lo dos perigos - em toda a sorte de
jogos. (...)
Assim, armados de talento e coragem, partiram
rumo ao Sul. (...) Belchior, Fagner, Ednardo, Rodger Rogério, Teti,
Fausto Nilo, Manassés, Jorge Melo,. ... Não formavam um grupo, mas a
necessidade os obrigou muitas vezes a unir-se para enfrentar a
batalha. |
- CARNEIRO - Ednardo e
Augusto Pontes
"Amanhã se der carneiro, carneiro vou
embora daqui pro Rio de Janeiro as coisas vêm de lá, eu mesmo
vou buscar e vou voltar em vídeo-tapes e revistas super
coloridas pra menina meio distraída repetir a minha voz e
Deus salve todos nós e Deus guarde todos vós
" |
"Tínhamos, que
entrar na luta, na batalha. Morávamos num quitinete pequeno em Nossa
Senhora de Copacabana. Na época do calor violento no Rio, deixávamos
a porta aberta para ventilar, e, toda noite a gente revezava para
que todos tivessem a chance de dormir com a cabeça para fora do
corredor que era o local mais ventilado. Depois fomos para São Paulo
e ficamos morando numa casa em Pinheiros quase um ano. A casa estava
prestes a ser demolida, mas o seu proprietário deixou a gente ficar
lá com a condição de continuar derrubando a casa. E o jeito foi
ficar, mudando-se de um quarto para o outro... (... ) Ao lado da
casa tinha uma construção onde trabalhavam operários, em grande
parte nordestinos. eles formavam platéia para a gente. O bairro era
universitário e muitas pessoas iam tomar cachaça com a
gente." (Entrevista com EDNARDO concedida à MARY PIMENTEL
AIRES, 1994)
As dificuldades, no entanto, não desanimaram
aquela turma. Havia espaço na mídia, naquele momento, para os
valores regionais, especialmente os nordestinos. A indústria
fonográfica assimilou o discurso da integração nacional, (...) e
passou a explorar o "filão" da música regionalista. Embora
resistindo a aceitar essa rotulação, os compositores cearenses
aproveitaram a brecha para mostrar seu trabalho e se firmar no
cenário artístico nacional.
Ednardo, Rodger Rogério, Teti,
gravaram o disco "Meu Corpo Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem",
em 1972, (...) Em 1973, Ednardo grava o disco "O Romance do Pavão
Mysteriozo", Fagner grava o disco "Manera Frufru" (...) Rodger e
Teti gravam o disco "Chão Sagrado" Em 1974 Belchior grava o disco
"Belchior" incluindo entre outras "Na Hora do Almoço", "A Palo Seco"
– esta música também gravada anteriormente por Ednardo – em 1973 no
disco "O Romance do Pavão Mysteriozo", e por Fagner em 1974 em seu
segundo disco - "Ave Noturna". |
Esses primeiros trabalhos são marcados pela
saudade, pela angústia da partida.
"A intensa mobilidade do
cearense não impede que este arrancar as raízes e cair na estrada se faça
com menos dor. "Trata-se, antes de tudo, de uma rejeição que se sente. A
terra que nos gerou não é capaz de nos suportar. (... ) "Não há alegria
nesta partida, mas o medo do desconhecido e o desafio de começar de novo.
" (Gilmar de Carvalho 83/84)
A angústia da partida, o medo, a insegurança diante do
novo, no entanto, são superadas pela alegria de cantar a terra
natal. A distância e a saudade operam como elemento de
sublimação. É assim em Terral, música de Ednardo, do
primeiro disco. |
- TERRAL -
Ednardo
"Eu venho das dunas brancas de onde eu queria
ficar deitando os olhos cansados por onde a vida
alcançar meu céu é pleno de paz sem chaminés ou
fumaças no peito enganos mil na terra é pleno abril Eu
tenho a mão que aperreia eu tenho o sol e a areia Sou da
América , Sul da América, South América eu sou da nata do
lixo eu do luxo da aldeia Sou do Ceará
" |
A esse lugar de
sol e luz se contrapõe uma São Paulo fria e cinza, às dunas brancas
o concreto. |
- CURTA METRAGEM - Rodger
e Dedé
"Embaixo das marquises nem tristes nem
felizes olhando, olhando a chuva cair não há nada para ser
feito está tudo, tudo tão direito a noite vem chegando um
ônibus parando a vida, a vida é mesmo
normal... |
Se é verdade que o cearense é migrante
por natureza, a decisão de partir, no entanto, só é tomada quando
esgotadas as chances de sobrevivência na terra.
"Tal como um amante que se deixasse
prender à sua amada infiel e ingrata, o cearense prefere ficar em
sua terra e somente cumpre o destino migratório, após se desiludir
por inteiro, vítima dos erros e das omissões que se acumularam ao
longo dos séculos." (BARROSO, 1969)
Fagner canta, no primeiro disco, a resistência em
deixar o torrão natal. |
- ÚLTIMO PAU DE ARARA -
Venâncio e Corumba e J. Guimarães
"Enquanto a minha
vaquinha tiver o coro e o osso e puder com o
chocalho pendurado no pescoço eu vou ficando por aqui que
Deus do céu me ajude quem foge a terra natal em outros
cantos não pára só deixo o meu Cariri no último
pau-de-arara..." |
Belchior não escapa à lembrança do patriarcalismo,
característica marcante da sociedade nordestina, composta de
famílias numerosas, onde ao grande número de filhos vêm se juntar,
na casa grande da fazenda de criar, os netos, avós, genros e
apadrinhados. |
- NA HORA DO ALMOÇO -
Belchior
"No centro da sala diante da mesa no fundo
do prato comida e tristeza a gente se olha, se toca e se
cala e se desentende no instante em que fala pai na
cabeceira - é hora do almoço minha mãe me chama - é hora
do almoço minha irmã mais nova negra cabeleira minha avó
responde é hora do almoço... " |
A
lembrança e a saudade da terra natal vai continuar sendo cantada ao
longo da carreira de cada um. Lembrado - ora pelas secas constantes
do senão e pelas belezas do litoral, ora por costumes pitorescos e
por fatos históricos - o Ceará vai ser tema constante das músicas de
Ednardo, Fagner, Fausto Nilo, Belchior, Brandão, Petrúcio Maia,
Augusto Pontes e Rodger Rogério, principais representantes daquela
geração. No disco "O Berro", de 1976, Ednardo presta homenagem à
heroína da Revolução de 1817 - Bárbara de Alencar. |
- PASSEIO PÚBLICO -
Ednardo
"Hoje ao passar pelos lados das brancas paredes,
paredes do forte Escuto ganidos, ganidos, ganidos,
ganidos ganidos de morte Vindos daquela janela, é
Bárbara, tenho certeza É Bárbara, sei que é ela Que de
dentro da Fortaleza Por seus filhos e irmãos Joga gemidos,
gemidos no ar Que sonhos tão loucos, tão loucos, tão
loucos Tão loucos, foi Bárbara sonhar...
" |
Fagner, no disco de 1976, canta um antigo costume reinante no
interior do Ceará no período colonial: o rapto das "sinhás-moças",
reforçando sua origem sertaneja dos rincões do Orós. |
- MATINADA - Adaptação
Fagner - Autor desconhecido
"Arriei o
Matinada meia-noite mais ou menos pra roubar uma
morena Na praça do Rio Pequeno eu cheguei na casa
dela tardezinha, escurecendo ela estava me esperando bem
na hora que nós marquemos com o cabelo molhadinho orvalhado
do sereno... " |
Extravasada a saudade, o trabalho prossegue com
os compositores cearenses afirmando-se definitivamente no cenário
artístico nacional. Era a confirmação do talento, a resposta àqueles que
acreditavam tratar-se de mais um produto descartável da indústria
cultural, fadado a desaparecer com o surgimento de novas
tendências.
Rodger Rogério e Teti desistiram e retornaram ao Ceará.
Mas, Ednardo, Manassés, Fausto Nilo, Petrúcio Maia, Belchior, Fagner,
seguiram em frente e se firmaram como grandes representantes da música
popular brasileira com repercussão, inclusive, no exterior.
voltar
E, assim, chegamos à década de 70 com a geração
de Ednardo, Belchior e Fagner já conquistando definitivamente seu espaço
na música popular brasileira. Enquanto isso, uma nova safra de talentos
surge por aqui, encontrando dificuldades para divulgar seu trabalho num
contexto que já não oferecia oportunidade para novas propostas. No final
da década essas duas gerações vão se encontrar e organizar um evento de
múltiplas manifestações culturais. Um evento "massa", uma feira livre, uma
Massafeira - Livre. É disso que vamos tratar neste capítulo.
voltar
Vimos no capítulo anterior que no início da
década de 70 os espaços estavam abertos para as propostas regionalistas, o
que facilitou o ingresso dos artistas cearenses no mercado fonográfico. No
entanto, a continuação do trabalho exigiu mais do que talento e coragem.
(...)
A censura não é o maior "inimigo" que aqueles artistas vão
enfrentar para se estabelecer no mercado fonográfico. Emerge, nesse
momento, uma indústria de bens culturais que passa a se organizar nos
moldes da indústria de bens materiais, dentro de um mercado nacional
unificado onde esses setores se imbricam, num jogo dialético de
apropriação e influência recíprocas.
É preciso situar a trajetória
desses artistas dentro da perspectiva de uma indústria de bens simbólicos
que se consolida no Brasil a partir dos anos 70. Já vimos anteriormente
que, embora o rádio já existisse desde a década de 20 e a televisão desde
a década de 50, é somente no final dos anos 60 que surgem, no Brasil,
estudos sobre a Indústria Cultural e a emergência de uma cultura de massa.
A efervescência cultural que dominou a década de 60 partia da
Universidade. Os meios de comunicação funcionavam apenas como veiculadores
das produções desenvolvidas a partir dos Diretórios e Centros acadêmicos.
Com a decretação do AI-5, em dezembro de 1968, esses canais foram
definitivamente fechados e os meios de comunicação - aí incluídas as
gravadoras - assumiram o papel de fomentadores das atividades artística,
obedecendo a critérios mercadológicos de estandardização e organização que
caracterizam a Indústria Cultural na perspectiva defendida por
Adorno.
"... Em todos os seus ramos
fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos adaptados ao consumo
das massas e que em grande medida determinam esse consumo. Os diversos
ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo menos ajustam-se uns aos
outros. Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso,
graças tanto aos meios atuais da técnica, quanto à concentração econômica
e administrativa.(... )" (ADORNO, 1987)
Dessa forma, perdem sentido as disputas ideológicas no
campo das produções simbólicas - tão comuns na década de 60 - que
colocavam em confronto cepecistas e tropicalistas. Dentro da lógica de
mercado, onde as explicações justificações são fornecidas em termos
tecnológicos, as diversas formas de manifestações artísticas vão ser
classificadas como mercadorias, com todas , implicações que essa
classificação aduz.
"As mercadorias
culturais da indústria se orientam, (...), segundo o princípio de sua
comercialização e não segundo seu próprio conteúdo e sua figuração
adequada. Toda a praxis da indústria cultural transfere, sem mais, a
motivação do lucro às criações espirituais. (... )" (ADORNO,
1987)
A noção de integração
estabeleceu uma ponte entre os interesses dos empresários e dos militares.
No entanto, enquanto os militares propunham unificação política da nação,
os empresários assimilaram esse projeto visando ao outro lado: a
integração do mercado. Dessa forma podemos dizer que todo o aparato
tecno-burocrático que compõe a Indústria Cultural - rádio, televisão,
gravadoras, distribuidoras, editoras, jornais etc. - não fabricam nem
despertam o gosto por determinado produto a partir do nada, mas a partir
de uma situação da qual se apropriam. Vejamos, por exemplo, o espaço que a
música "sertaneja" vem ocupando mídia brasileira de uns anos para cá. Esse
espaço se abriu e se consolidou a partir desenvolvimento da indústria
agropecuária no interior dos estados de São Paulo, Goiás e Paraná, que
possibilitou o surgimento de um mercado paralelo de bens materiais e
simbólicos - a indumentária, os rodeios, a música etc. A esse exemplo
seguiriam-se muitos. Os artistas que apresentam uma proposta mais ampla,
que visam a algo que vai além do sucesso fácil das fórmulas
preestabelecidas, têm consciência da dimensão do problema a enfrentar.
Ednardo fala, com a propriedade de quem tem procurado de diversas formas
escapar a esse esquema triturador, do funcionamento desse
sistema.
"Enquanto uma composição
não entrava para o esquema de divulgação intensiva e pelos principais
veículos de comunicação, ficava no completo desconhecimento por parte do
público (...) tomando como base a política das gravadoras de disco o que
se assistia era o aproveitamento de artistas sintonizados com toda uma
política mercadológica e econômica previamente estabelecida. A
mistificação de um determinado artista, corroborava com o padrão de
idolatria de uma meia dúzia, a necessidade de se forjar ídolos, em função
meramente das vendagens de discos e de investimentos financeiros de fazer
divulgar o estabelecido. " (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)
A Indústria Cultural segue as diretrizes do
desenvolvimento econômico de determinados setores, mas também alimenta
esse desenvolvimento na medida em que publiciza estilos de vida,
fomentando o consumo de determinados produtos.
"... Sendo a cultura de massa, o mais das vezes, produzida
por grupos de poder econômico com fins lucrativos, fica submetida a todas
as leis econômicas que regulam a fabricação, a saída e o consumo dos
outros produtos industriais: ' o produto deve agradar ao freguês', não
levantar-lhe problemas; o freguês deve desejar o produto e ser induzido a
um recâmbio progressivo do produto. Daí as características aculturais
desses mesmos produtos, e a inevitável ' relação de persuasor para
persuadido', que é, indiscutivelmente, unta relação patemalista,
estabelecida entre produtor e consumidor.
"... A cultura de massa é
um fato industrial e, como tal, sofre muitos dos condicionamentos típicos
de qualquer atividade industrial. " (Humberto Eco, 1993)
Dentro desse quadro, compreende-se a abertura de
espaço naquele momento, na mídia brasileira, para os artistas nordestinos
- no caso específico, os cearenses - como uma apropriação de uma situação
propícia à manifestação das diversidades culturais. Situação forjada pela
propaganda ideológica do regime militar de uma "Mitologia
Verde-Amarela":
"... A mitologia
verde-amarela foi elaborada ao longo dos anos pela classe dominante
brasileira para servir-lhe de suporte e de auto-imagem celebrativa (... )"
(MARILENA CHAUÍ, 1989).
Os artistas,
como toda a sociedade, não estão alheios nem fora desse jogo de
apropriação.
"... O universo das
comunicações de massa é - reconheçamo-lo ou não - o nosso universo; e se
quisermos falar de valores, as condições objetivas das comunicações são
aquelas fornecidas pela existência dos jornais, do rádio, da televisão, da
música reproduzida e reproduzível, das novas formas de comunicação visual
e auditiva. Ninguém foge as essas condições(... ) " (HUMBERTO ECO,
1993)
Diante dessas circunstâncias o
que pode fazer o artista que almeja mostrar seu trabalho a um público
maior? Entrar no esquema e encontrar nele brechas através das quais possa
desenvolver suas propostas. E isso os artistas cearenses fizeram, dentro
das possibilidades e das perspectivas de cada um. Em 1974, Ednardo lança
seu primeiro LP solo - "O Romance do Pavão Mysteriozo - pela gravadora
RCA.
Se o disco - "O Pessoal do Ceará..." - pode ser traduzido como
uma crônica da chegada, esse primeiro trabalho individual de Ednardo
é:
"... Afirmação de presença, de quem tomou pé da situação e já sabe o que
falar. O discurso é ainda muito marcado pelo trauma do choque cultural,
mas dá início a um processo de 'digestão'. Ele explica porque foi, ainda é
preciso. " (GILMAR DE CARVALHO, 83, 84).
Num "Avião de Papel", ou num "Alazão", torcendo pelo
"Carneiro" e pelas chuvas para as bandas de cá, (idéia contido na música
"Água Grande" - de Ednardo e Augusto Pontes - do LP "O Romance do Pavão
Mysteriozo), Ednardo vai fazer uma viagem poético-imagético-musical que
não cabe em rótulos. Sem levantar bandeiras e dentro das limitações
impostas pelo mercado, ele segue uma linha criativa que se constrói a
partir de influências rurais e urbanas, misturando elementos da literatura
de cordel, frevo, rock, maracatu, samba etc.
Disso não se conclua
que desse aparente caos sai a desordem porque é daí que surge a coerência
multifacetada de sua proposta. Ednardo tem realizado, sem fórmulas - ao
longo de 27 anos de carreira, doze discos, quatro trilhas sonoras de
filmes - uma alquimia sonora que escapa a classificações.
Sobre o discurso musical de Ednardo ver excelente trabalho de
Gilmar de Carvalho: Referências Cearenses na Comunicação Musical de
Ednardo - Rev. Com Social, Fortaleza (jan./dez./1983/1984)
Em 1975, Fagner grava seu segundo disco - "Ave
Noturna", continuando uma trajetória em que vai se revelar como um dos
grandes intérpretes da música popular brasileira. Dentro de uma proposta
de diversificação de seu trabalho Fagner vai estabelecer parcerias com
inúmeros compositores e poetas ao longo da carreira - entre eles Fausto
Nilo, Ferreira Gullar, Climério, Chico Buarque, Petrúcio Maia, Abel Silva.
Fagner atuou também no lado da produção. Como diretor artístico da CBS,
responsável pelo selo Epic, produziu discos de Amelinha, Ricardo Bezerra,
Manassés, Petrúcio Maia, Robertinho de Recife entre
outros.
Seguindo uma linha poético-literária, Belchior lança em
1976 seu segundo LP - "Alucinação". O disco superou todas as expectativas
de vendas e a música "Apenas um Rapaz Latino-Americano" ocupou o primeiro
lugar nas paradas de sucesso do Rio e de São Paulo durante seis
semanas.
Enquanto isso, Fausto Nilo segue carreira, consolidando-se
como um dos mais importantes compositores brasileiros, com músicas
gravadas por grandes nomes da música popular. Manassés faz excursões pela
Alemanha, França e Inglaterra e grava um disco instrumental pela CBS em
1979. Petrúcio Maia também grava pela CBS "Melhor que Mato Verde" - em
1980.
A "profecia" de Augusto Pontes, na música "Carneiro" - "... E
vou voltar em vídeo-tapes e revistas supercoloridas..." - enfim se
realizara. Em 1976, a música "Pavão Misterioso", de Ednardo, foi incluída
na trilha sonora da novela "Saramandaia", da Rede Globo, garantido ampla
divulgação de seu trabalho. Ainda em 1976, Elis Regina grava "Como Nossos
Pais" no disco "Falso Brilhante", contribuindo para um maior divulgação do
trabalho de Belchior. E, em 1978, a música "Revelação", de Clodo e
Climério, gravada por Fagner no disco "Quem Viver Chorará", ocupou espaço
entre as dez músicas mais executadas nas rádios do país por várias
semanas. Já dava para voltar... E eles voltaram.
Nota do Editor: O Trecho da Letra "profecia"
- "E Vou voltar em vídeo-tapes e revistas super coloridas... na música
Carneiro é de Ednardo
voltar
Enquanto Ednardo, Belchior e Fagner trilhavam o
caminho do estrelato no Sul, surge em Fortaleza uma nova geração de
artistas. Nomes como Alano Freitas, Stélio Vale, Graccho Silvio, Caio
Silvio, Célio Loureiro, Tarcísio Lopes, José Maia, Ferreirinha, Vicente
Lopes, Elaine Batista, Betty Albano, Capri, Chico Pio, Lúcio Ricardo, Mona
Gadelha, Calé Alencar entre outros começam a chamar a atenção nos shows
"Aves do Céu", "Rodagem", "Aqui e Agora" e na peça "Cancão de Fogo". Esse
pessoal apresenta propostas musicais diferenciadas. Alguns, como Lúcio
Ricardo, tentam fazer rock, enfrentando - além das dificuldades impostas
pelo mercado - problemas técnicos, inclusive da falta de equipamentos
adequados. Mary Pimentel Aires, 1994)
"... O resto do pessoal segue
as passadas dos cearenses que emigraram ou que apareceram antes, ou seja,
uma recodificação a nível urbano de um universo nordestino, tudo isso
situado num Brasil pós 68. " (Gilmar de Carvalho, 1977). Outro espaço
importante para a divulgação desses novos valores foi o Festival da
Credimus, patrocinado pelo Jornal O POVO, que durante quatro anos - de
1976 a 1979 - revelou nomes e mostrou as novas tendências da música
cearense.
Contrariando a tradição mística de arribar em busca da
terra prometida, essa geração optou por ficar no Ceará. Vislumbravam a
possibilidade de fazer aqui o seu trabalho, de já não ter que abandonar
sua gente, sua terra, suas raízes em busca de uma oportunidade num mercado
que estava cada vez mais fechado.
Poderíamos mesmo falar de opção?
Arrefecido o movimento universitário após o AI-5 e passado o "boom" da
música regionalista, o mercado fonográfico já estava focalizado em outra
tendência muito mais lucrativa: a música estrangeira, que já chegava
pronta, não requeria gastos com produção, estúdio, promoção de shows para
divulgação. E esse é um problema que atinge a música brasileira como um
todo.
"Acho que em relação ao
problema da música popular, a grande dificuldade é a ação das chamadas
multinacionais, a grande dificuldade é a mesma da vida brasileira em todos
os setores, que se define por uma palavra antiga e fora de moda mas que
vou insistir em dizer aqui: é o chamado imperialismo norte-americano (...
) No caso da música popular de consumo, isto é, aquela música que você
cria para fazer discos, para cantar em TV, em rádio, em shows, aquela
música popular que está inserida no campo comercial, industrial, a grande
dificuldade que aí se encontra decorre da ação do já citado imperialismo
norte-americano (...) No Brasil, o criador, o compositor, o cantor, têm
que enfrentar primeiramente esse inimigo externo. É realmente um inimigo
porque disputa uma faixa de trabalho que é a do profissional brasileiro,
que aqui de fato não tem vez. " (SÉRGIO CABRAL, 1976)
Dentro dessa perspectiva, teriam os artistas
dessa nova geração outra alternativa que não ficar na terra e tentar
desenvolver aqui suas propostas? Essa também é uma geração urbana,
universitária, mas o ambiente universitário desse momento - meados da
década de 70 - era bem diferente daquele da década de 60. A ditadura
militar abortara a efervescência política e cultural que partia da
Universidade, mandando para o exílio ou torturando nas dependências do
DOI-CODI os principais representantes político-culturais daquele
movimento.
Essa nova geração já nasce sufocada pelo AI-5. Sufocada
também pelos monopólios dos meios de comunicação: as gravadoras, todas
multinacionais, e a Rede Globo, que naquela época, praticamente não
enfrentava concorrência.
"Há 10
anos, praticamente todos os compositores da música que eu faço, da música
que seu amigo chama de música de nível universitário, surgiram nas
universidades. (... ) A TV, os vários canais que existiam na época,
disputavam essa gente nova que estava surgindo e que estava ali fazendo
música como fazia cinema e teatro (...) Hoje em dia, não há mais grêmios,
não há mais diretórios funcionando de verdade e há uma só TV que funciona
nesse país. Naquele tempo não, havia a TV Record concorrendo (...) Estavam
todos disputando essa gente. " (CHICO BUARQUE, 1976)
Fica claro, portanto, que os artistas cearenses
que despontaram naquele momento, como todos os que vieram depois deles,
não fizeram simplesmente a opção de ficar aqui. Eles foram como que
obrigados a permanecer no Ceará por força das circunstâncias. E não foi
por falta de talento ou capacidade de enfrentar o mercado. É claro que o
talento individual é fundamental para o artista se estabelecer e realizar
um trabalho consistente, duradouro. Mas, para começar mesmo, para furar o
bloqueio, para entrar nessa poderosa Indústria Cultural, é necessário que
alguma porta esteja aberta. E parece que naquele momento todas as portas
estavam fechadas para as novas propostas. Até os artistas já estabelecidos
reconhecem a dificuldade de os novos compositores mostrarem seu
trabalho.
"O problema do compositor
novo no país é o mesmo problema do médico ou do jornalista novo, do
metalúrgico novo; é um problema de encontrar vaga para trabalhar. Quer
dizer: não é fácil. A gente sabe que tem gente nova que está fazendo boa
música. Mas qual é o meio de pegar isso, qual é o meio que vão encontrar
para divulgar essa música? Por enquanto, o que existe são os chamados
meios convencionais: as gravadoras, as editoras de música e nada mais além
disso. E eu realmente- não vejo um meio objetivo de ajudar o compositor
novo. " (SÉRGIO CABRAL, 1976)
E
aqueles artistas cearenses que já contavam com o respaldo da mídia
brasileira, não podiam fazer nada para abrir caminho para os novos valores
que surgiam aqui? Não no sentido patemalista de apadrinhamento e tutela,
mas no sentido de movimentar a turma, trabalhar em conjunto, atrair a
atenção da mídia para a movimentação cultural que estava acontecendo aqui?
Eles podiam, e fizeram. O evento Massafeira foi o resultado dessa vontade
de juntar todo mundo numa algazarra criativa que realmente chamou a
atenção do público - da mídia, nem tanto - pelo menos durante quatro
dias.
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O Massafeira aconteceu num momento de
transição. O Brasil ainda vivia sob o regime militar, mas já avançava o
processo de abertura política iniciada no governo Geisel. O momento era de
inquietação política. As pressões em prol da anistia e a mobilização
efetiva dos trabalhadores - especialmente dos metalúrgicos do ABC paulista
- coadunavam-se com a ansiedade nacional de redemocratizar o país. O
General João Batista Figueiredo tomava posse na Presidência da República,
assumindo o compromisso de consolidar a abertura política iniciada por seu
antecessor.
A partir da decretação do AI-5, (13/12/1968), a
população ficou paralisada. O movimento estudantil, que comandava as
manifestações arrefeceu com a prisão e exílio de seus principais líderes.
Dois fatos, ocorridos ainda no governo Geisel, vão concorrer para a
rearticulação do movimento e pressão das forças populares em prol de uma
abertura do regime: a morte do jornalista Vladimir Herzog (25/10/1975) - e
do metalúrgico Manuel Fiel Filho – (17/01/1976) - nas dependências do
DOI-CODI, em São Paulo. Em 1977 os estudantes voltam a se manifestar. Em
1978 eclode a greve do ABC paulista, reivindicando aumentos salariais e
liberdade de organização sindical. Cresce o movimento pela libertação de
presos políticos, exilados e banidos pelo regime militar. Os comitês se
espalham pelo Brasil e em 19 países. As mulheres entram na luta e criam o
Movimento Feminino pela Anistia (MFPA). A mobilização em prol da anistia
acabou por reforçar outras lutas como o movimento "Diretas Já" e o
"Movimento Contra a Carestia". No Ceará, os movimentos pela não expulsão
de trabalhadores assentados e de famílias moradoras de favelas em
Fortaleza recebeu o apoio dos militantes da anistia.
Enfim, em
18/08/1979, o Congresso Nacional aprovou a Lei da Anistia. O projeto do
governo João Batista Figueiredo, que deu liberdade a milhares de presos
políticos e permitiu a volta de exilados ao país, não saiu como queriam os
comitês, mas foi a anistia possível para aquele momento.
" TRECHO DA LEI DA ANISTIA
Art. 1° - É
concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de
setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou
conexos com estes crimes, crimes eleitorais aos que tiveram seus direitos
políticos suspensos e aos servidores da administração direta e indireta,
de fundações vinculadas ao Poder Público, aos servidores dos Poderes
Legislativo e Judiciário, aos militares e aos representantes sindicais,
punidos corri fundamentos em atos institucionais e complementares corri
diplomas legais. '
Após a anistia
foram extintos os dois partidos que comandavam a política brasileira:
Arena e MDB. Abriu-se espaço para o pluripartidarismo, surgindo, de
início, cinco novos partidos: PMDB, PDS, PTB, PDT e PT. Esse partidos
surgiram em função de uma Reforma Partidária imposta pelo governo com o
objetivo de dividir o movimento de oposição ao regime. Estavam postas as
condições para uma transição futura.
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3.4 - O show MASSAFEIRA-LIVRE: a algazarra
criativa |
Foram as águas de março do ano de 1979 que
vieram banhar a capital cearense de música, teatro, dança, poesia, luz,
som, imagem, ação, imaginação... Tudo isso, e muito mais, representado
por duzentos artistas, resultou num movimento que durante quatro dias -
15, 16, 17 e 18 - sacudiu o Teatro José de Alencar. Foi o Massafeira
Livre, uma verdadeira algazarra num momento em que o país ainda vivia sob
o mormaço da ditadura militar. No dia mesmo da abertura do Massafeira - 15
de março de 79 - o Coronel Virgílio Távora tomava posse no Governo do
Estado e o General João Batista Figueiredo assumia a Presidência da
República. Enquanto iniciavam-se os acordes do Massafeira, banhando de
azul o palco do Teatro José de Alencar.
Fagner e Belchior, cantavam
no Paulo Sarasate no show de posse de Virgílio Távora. (...) Disso não se
conclui, no entanto, haver qualquer relação entre os dois acontecimentos,
ao contrário.
O Massafeira, nas palavras de Augusto Pontes, um dos
articuladores do movimento - a idéia mesmo partiu de Ednardo - foi
"completamente sem apoio, fora da lei, não tinha nenhuma lei protegendo ".
Não teve sequer o apoio da imprensa como veremos no decorrer deste
tópico.
Em janeiro de 1979, Ednardo - que estava passando férias em
Fortaleza - lançou a idéia e os artistas remanescentes da década de 60 se
aglutinaram com os novos valores que despontavam no cenário artístico
local para dar à luz, em março do mesmo ano, ao caleidoscópio de imagens,
sons, letras e cores denominado Massafeira. Esse encontro, (...) numa
conciliação que, à parte as divergências individuais, possibilitou a
aglutinação dos esforços no sentido de realizar um movimento que mostrasse
para o Brasil o que estava acontecendo em termos de arte no
Ceará.
O espaço em que aconteceu esse encontro já não foi o
ambiente universitário. O momento era de abertura democrática, não de
fechamento, como foram os anos 60. A lógica da produção cultural, agora, é
a do mercado, não a do sonho. A Universidade - como espaço de fomentação,
manifestação e expressão artística – é superada pela indústria cultural.
Os artistas - que no final da década de 60 se reuniram nos Centros
Acadêmicos, nas casas dos amigos, participaram dos festivais de TV,
dividiram apartamentos apertados nas grandes metrópoles do "Sul
Maravilha", voltaram em "vídeo-tapes e revistas
supercoloridas".
Fagner, Ednardo e Belchior já haviam conquistado
espaço na mídia nacional e se estabelecido entre os grandes nomes da
música popular brasileira. Os que despontavam aqui tentavam cavar brechas,
chamar atenção, encontrar uma vaga nessa indústria cada vez mais fechada a
novas propostas.
Especialmente se estas novas propostas vinham do
Nordeste, (...)
"O fato é que, no
final dos anos 70, o Brasil se tornou o quinto mercado fonográfico do
mundo, deixando profundas marcas na indústria cultural do país. Grande
parte dos investimentos externos na indústria cultural brasileira estava
vinculada ao crescimento da indústria do disco nos anos 70, período em que
a música pop nacional e internacional teve grande destaque ". (BRANDÃO,
1990 )
O mercado musical naquele
momento era dominado pela "discothèque", fenômeno responsável pela venda
de grande quantidades de discos, principalmente em 1978, na esteira do
sucesso de filmes e novelas (...)
A "discothèque" veio afirmar o
controle exercido pelos grandes meios de comunicação sobre o mercado
discográfico, controlando todos os canais de divulgação, estabelecendo
certos padrões de consumo e restringindo as informações sobre as novas
propostas musicais que estavam surgindo na música
brasileira.'
Dentro desse contexto podemos dizer que o Massafeira
foi uma tentativa ousada de mostrar ao país o que estava acontecendo em
termos de arte - não só de música - por debaixo, e apesar, das imposições
mercadológicas. O Massafeira não defendia nenhuma proposta - estética,
política, ideológica. Foi uma manifestação "de arte contemporânea,
enraizada, espontânea, na medida em que um acontecimento desse porte possa
prescindir de organização. " (Gilmar de Carvalho, 83/84).
A idéia
era juntar todas as tendências numa grande feira cultural. E teve de tudo:
música, artes plásticas (pintura, escultura, desenho, xilogravura),
literatura (poesia, cordel), teatro, dança, cinema, artesanato e até
culinária.
"O que foi que você viu
nesse minuto? Um reisado pop, um xaxado blues, um tecno-galope, um rock de
repente. E vídeos em super-8, e o Cariri é aqui, e Patativa do Assaré
assanha a platéia com seus versos políticos. No meio da festa, gente e
arte, artesanato e underground. ("20 anos depois" - artigo da jornalista
ELEUDA DE CARVALHO - Caderno Vida e Arte, Jornal O
POVO,13/3/99.)
Havia muita gente
também. Da geração 60 vieram todos: Fausto Nilo, Brandão, Rodger Rogério,
Ednardo, Teti, Petrúcio Maia, Ricardo Bezerra, Fagner, Jorge Mello,
Belchior, Manassés, Francis Vale, Augusto Pontes . A nova geração estava
toda ali: Alano de Freitas, Amelinha, Ângela Linhares, Caio Silvio, Calé
Alencar, Chico Pio, Eugênio Leandro, Ferreirinha, Gracho Silvio, Lúcio
Ricardo, Marta Lopes, Mona Gadelha, Régis Soares, Rogério Soares, Stélio
Vale, Oswald Barroso, para citar apenas alguns. Veio o pessoal do Cariri:
Abdoral Jamacaru, Bola, Cego Oliveira, Cícera do Barro Cru, Geraldo Urano,
Irmãos Aniceto, Patativa do Assaré, Pacheli Jamacaru, Rosemberg Cariry,
entre outros.
Outros estados também marcaram presença: Dominguinhos
(Pernambuco), Ana Fonteles e Climério (Piauí), Zé Ramalho (Paraíba) e
Walter Franco (São Paulo). Todos imbuídos do mesmo espírito e da mesma
determinação de promover a arte em todas as suas manifestações. Da
diretora de teatro Rosane Limaverde à artesã Ana Rute, de apenas dez anos
de idade; do fotógrafo Silas ao artista do ferro e da sucata, Zé
Pinto.
Veja
a Relação (parcial) dos participantes do Massafeira em anexo no final da
Monografia.
Se
existia uma proposta, embora não declarada, era a de chamar a atenção para
a pluralidade da cultura brasileira - porque o que aconteceu aqui poderia
ter acontecido em todos os estados ao mesmo tempo e com a mesma
multiplicidade de manifestações - denunciando o caráter castrador da
Indústria Cultural que pretende uma cultura nacional unificada,
padronizada. Era denunciar, também, o marasmo em que se encontrava a
cultura brasileira naquele momento, amordaçada pela padronização imposta
pelas multinacionais do disco, pelas FM'S e pela redes de
televisão.
"... A nossa cultura hoje
ou fala com dificuldade ou fala com sotaque. Num esforço desesperado dá
voltas, faz contornos, finge que diz mas não diz e acaba quase sempre
voltando para as gavetas dos seus criadores, quando não é cortada e
emasculada. Não chega a se realizar. É uma tentativa tímida e apática ou
uma aventura frustradora e perigosa. "Sua outra face é também
irreconhecível. A invasão de valores estranhos e duvidosos e a imposição
de modelos externos descaracterizaram de tal maneira o nosso perfil
cultural que ele hoje tem cara de tudo, menos de Brasil. Censurada ou
colonizada, o que se poderia chamar de cultura nacional - crítica,
polêmica, refletindo os anseios e angústia de seu tempo e de seu povo -
vive uma interminável e assustadora fase de subnutrição e pobreza mental.
" (ZUENIR VENTURA, 1976, p. 8)
O
Massafeira foi, então, uma tentativa de implodir com esses modelos
empurrados "goela a baixo", fazer uma coisa absolutamente solta, fora dos
esquemas, apontar novos caminhos.
"Massafeira começou faz muito tempo, até bem antes do que
quando se materializou em forma de um grande ajuntamento de som, imagem,
movimento, poesia e muita, muita gente transando tudo isso, numa
efervescência febril, bela e loucamente solta durante quatro dias. Era
como se fosse o Carnaval mudando de data e mais verdadeiro, março de 79 /
Fortaleza". "No espanto da descoberta que não se traduz, a mágica reza
das palavras vestidas de canção na boca plural de todos nós, o chifre
desse carneiro apontando o infinito do caminho e a certeza dessa força,
motor da transformação e evolução plena, constante nesse imenso estoque de
dias que o sol tem pra nascer, se pôr e nascer de novo." – ( EDNARDO texto
impresso na contra-capa do disco duplo Massafeira 1980).
Mas o sucesso daqueles quatro loucos dias foi
resultado de uma árdua batalha. Dá para imaginar a dificuldade em
congregar e dar forma a tantas idéias. Qualquer atividade coletiva requer
grande capacidade de organização e conciliação, tanto mais um evento
artístico daquele porte onde afloram vaidades egos inflamados,
estrelismos, etc.
Ednardo lançou a idéia, Brandão encarregou-se de
dar o nome e criar o cartaz de divulgação do evento. Faltava alguém para
fazer a ponte com a nova geração, articular as propostas e comandar o
diálogo. Faltava Augusto Pontes.
"... A dificuldade que eles tinham era de realizar a idéia.
Mas esses movimentos, artísticos, culturais, de ajuntamento de pessoas,
aqui no Ceará, sempre tiveram uma dúvida entre duas grandes linhas
opostas. Uma, que sou muito simpático a ela, é de aproveitar a tudo e a
todos. A outra linha era restringir por critérios estéticos, que são muito
duvidosos, aprioristicamente aplicados. A minha função foi realizar essa
mágica de todos participarem. " "... Naquele instante apareceu muita
gente, que ninguém conhecia nem ouvira falar. Muita gente, muita gente,
muita gente. E, sobretudo: a insubordinação, o atrevimento, as vontades
pessoais, os interesses mesquinhos se dissolvem na participação. " "O
balaio do guru" - entrevista de Augusto Pontes à jornalista Eleuda de
Carvalho. Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte, 13/3/99.
As discussões varavam a noite no apartamento de
Ednardo, no Estoril e no Teatro José de Alencar. As reuniões, nem sempre
amigáveis, revelaram a dificuldade de fazer convergir vontades díspares-
em prol de um objetivo comum. O alvo maior das acusações era Ednardo.
Diziam que ele idealizou o evento e tomou para si a tarefa de realizá-lo
como uma estratégia de marketing para o disco "Imã", que ele estava
produzindo.
"... Ednardo -
provavelmente estimulado por Augusto Pontes - idealizou e tomou para si a
realização do Massafeira, lutando sozinho dentro da CBS para levar a termo
o seu projeto.(...)." Graco Silvio Braz - "Entre a algazarra criativa e a
marmota do mormaço" - Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte, 13/3/99, -
Augusto Pontes bota lenha na fogueira: "Absolutamente não. ... Massafeira
foi muita gente, foi grande, acolhedor, todos participaram."
Todos participaram, mas não deixaram de
expressar seu descontentamento por estarem ali apenas para entreter a
massa até a apresentação das grandes estrelas. E faltou espaço para tantos
protestos. Stênio Diniz (xilógrafo) montou um grande painel em branco, no
hall do Teatro, para quem quisesse escrever.
"Não havia propriamente uma
ordem de seqüência nas apresentações. Sabia-se que para Fagner, Belchior e
Ednardo, principalmente para Ednardo, estava reservado o clímax do
espetáculo. Mas, desde cedo, era por eles que o público esperava. E
enquanto as estrelas não se apresentavam, nós 'cometas sem cauda'
tentávamos fazer a luz da Massafeira, uma massa tão indócil quanto
impaciente. (... )" (sic) "... Escrevi no painel do Stênio: já não
precisamos de nenhuma estrela, nós mesmos, cometas sem cauda, faremos a
luz deste planeta'. Outros escreveram desaforos maiores. Ednardo soube e
não gostou. Tinha razão, afinal a festa era dele, principalmente. (... ) "
(Oswald Barroso - "Memórias do Woodstock cearense" - Jornal O POVO,
Caderno Vida e Arte. 16/3/99)
Ednardo refuta tais acusações:
" Massafeira surgiu, não em função de minha pessoa, mas sim
em função de nossas pessoas e nossos trabalhos artísticos. (... ). Em
1980, depois de mais de um ano em exaustivas reuniões para desengavetar os
discos Massafeira, encontrei a única saída no momento, junto ao
departamento de divulgação da CBS, solicitando que o mesmo fosse prensado
com parte da verba de divulgação do meu disco Imã, que estava sendo
lançado. (... ) Por todo o Brasil, onde estivesse realizando shows, levei
também o disco coletivo Massafeira, que foi distribuído em rádios, TVs e
imprensa especializada. " (Ednardo - "Nem tudo é verdade" - Jornal O POVO,
Caderno Vida e Arte, 22/3/99.)
Mas
aquelas reuniões revelaram também a irreverência, o espírito moleque do
cearense que sempre encontra um jeito de fazer sorrir em qualquer
situação.
"... Em nossos papos,
lembro da risada gostosa de Petrúcio, sempre que, para nos referirmos a
alguma coisa meio disparatada, meio despropositada, mas com alguma piração
interessante dizíamos: 'é a marmota do mormaço. ...'' (Graco Silvio Braz -
"Entre a algazarra criativa e a marmota do mormaço" - Jornal O POVO,
Caderno Vida e Arte)
As intrigas, no
entanto, não comprometeram o show. Durante quatro dias, Fortaleza foi
sacudida por uma verdadeira algazarra criativa, embora a imprensa não
tenha se dado conta disso. A cidade foi à feira e lotou os jardins, a
praça, os camarotes e a platéia do Teatro José de Alencar. As mágoas e
ressentimentos, que ainda hoje se percebe pelas declarações dos
participantes do evento, devem ser resultado da frustração pelo insucesso
do disco, o que a nosso ver foi o grande equívoco dos idealizadores do
Massafeira. Mas isso será discutido em outro tópico.
Assim, desse
encontro de gerações - uma "estabelecida" e outra abrindo caminho -
eclodiu o movimento Massafeira, um evento plural, resultado de um
ajuntamento de gente com muitas idéias, sonhos e vontade de fazer. Mas, se
o movimento Massafeira tinha a pretensão de mostrar ao Brasil o que se
estava produzindo em arte no Ceará - na perspectiva de uma arte universal,
mas sem perder de vista o contexto regional em que estava inserido -
precisava-se de um elemento que costurasse o tecido do universal pelo
regional. E Patativa do Assaré, juntamente com Cego Oliveira e os Irmãos
Aniceto, entraram como esse elemento de raiz que deu a textura necessária
para que o Massafeira se inscrevesse no cenário cultural
brasileiro.
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3.4.1 - O Silêncio da
Imprensa |
Quando elegemos como objeto de estudo o
Movimento Massafeira, nossa primeira preocupação foi fazer uma pesquisa
nos dois principais jornais da época - Tribuna do Ceará e O POVO - para
obtermos algumas informações preliminares. Surpreendeu-nos o descaso
com que a imprensa cearense tratou aquele multievento. No dia 15 de março,
primeiro dia do movimento, o Jornal O POVO publicou uma pequena matéria de
vinte linhas, sem fotos. A Tribuna do Ceará não publicou nada. Nos dias
imediatamente anteriores, vários anúncios chamavam a atenção para o show
de posse do Governador Virgílio Távora - com a participação de Fagner,
Belchior, Miss Lene e Zenaide - mas nada sobre o Massafeira. Nem uma foto
do cartaz - por sinal, muito bonito - foi publicada nos jornais.
Se
existiu alguma intencionalidade por trás desse descaso; se o movimento
tinha um caráter contestador que ia de encontro aos princípios do regime
estabelecido; se a imprensa cearense mantinha uma relação de dependência
com os representantes locais desse regime, são questões que pretendemos
deslindar neste tópico.
|
Como já
vimos anteriormente, o Massafeira não apresentava nenhuma proposta
ideológica, transgressora, nada parecido com as canções-protesto
apresentadas nos festivais da década de 60. A contestação ao regime
militar aparecia na letra de algumas canções, mas de forma diluída,
passando despercebida no meio de tantas manifestações artísticas. Como na
canção "O Rei", interpretada por Tânia Cabral. |
- "Não ver, não ouvir, não
falar
não sonhes, não podes sonhar que o rei te manda
prender te manda matar, menina mas o rei também passa a
noite com medo de cochilar pois seu poder é tão grande que não
sabe onde pode guardar por isso, bela menina, ouve o conselho que
dei te enfeitas só para o dia de grande alegria do enterro do
rei... " ( O Rei - Tânia Araújo) |
Ou na canção
"O Sol Acordou", de Ednardo. |
- "O Sol acordou
e deu
um claro bom dia a quem já o tinha sempre e a noite continuou sem
estrelas pros habitantes dos desesperos... " ( O Sol Acordou -
Ednardo) |
Havia muita
coisa acontecendo naquele momento, como a luta em prol da anistia, por
exemplo. Mas o Massafeira não levantou bandeiras. O que se ouviu de mais
forte, em termos de denúncia, foi a voz cortante e os versos
desconcertantes de Patativa do Assaré. |
- "Seu doutor só me parece que o
senhor não me conhece
nunca soube quem sou eu nunca viu minha
paioça, minha muié, minha roça e os fios que Deus me deu sou
aquele que conhece as privação que padece o mais pobre
camponês tenho passado na vida de quatro mês em seguida sem comê
carne uma vez sou o que durante a semana, cumprindo a sina
tirana na grande labutação mode sustentar a famia, só tem direito
a dois dia o resto é para o patrão sou o sertanejo que cansa de
votar com esperança do Brasil ficar mió Mas o Brasil
continua na cantiga da pirua que é pió, pió, pió.
" (Senhor Doutor - Patativa do Assaré )
|
Não cremos que o conteúdo das letras de algumas
músicas tenha sido o responsável pelo descaso da imprensa cearense para
com o Massafeira. O fato é que aquele ajuntamento de gente fazendo
algazarra, mobilizando a cidade, por si só, já assustava os grupos do
poder. Não podemos esquecer que a imprensa cearense, especialmente seu
veículo mais expressivo - o jornal O POVO - era aliada de longa data da
elite dominante. Desde o primeiro mandato de Virgílio Távora – de 1963 a
1966 - o jornal O POVO mantinha uma relação de dependência com o Governo,
inclusive com os salários dos jornalistas sendo complementados pelo Poder
Público.
"Do ponto de vista
jornalístico, a mais importante empresa de comunicação do II Veterado
continuava a ser o jornal 'O POVO' que, além de ser referência básica para
os noticiários das emissoras de rádio e televisão, formava realmente a
opinião pública pela credibilidade adquirida ao longo de mais de cinqüenta
anos de existência.
"Os profissionais que ousavam desobedecer as
diretrizes da empresa de apoio ao governo ou eram sumariamente demitidos
ou 'cozinhados' lentamente. Geralmente, o combate a um jornalista
'rebelde' se iniciava com matérias feitas por ele sendo jogadas no lixo.
(... ) " (VIDAL, 1994)
Dentro dessa
perspectiva - tendo o Massafeira se iniciado, coincidentemente, no dia da
posse de Virgílio Távora no governo do Estado pela segunda vez -
imagina-se que muitas das matérias sobre o evento tenham ido parar no
lixo. As pequenas matérias que saíram sobre o movimento durante aqueles
quatro dias ou foram publicadas em pé de página (em tipos reduzidos), ou
imprensadas entre matérias mais chamativas sobre outros
assuntos.
Existia naquele momento um interesse especial do Estado,
através da Secretaria de Cultura, em promover a cultura popular cearense,
entendida esta – do ponto de vista dos órgãos oficiais - como a
"manifestação mais pura do povo", "reflexo de todas as raízes", "cultura
ingênua, primitiva". Alexandre Barbalho - Relações entre Estado e Cultura
no Brasil – 1998)
"... A busca do
'ceararentismo' e a procura de nossa 'cultura genuína' tornam-se uma
exigência constante de diversos setores intelectuais, ligados ou não à
Secretaria de Cultura, a partir de uma visão paternalista e
assistencialista de política cultural.(...)"(BARBALHO, 1994)
E naquela feira armada no Teatro José de Alencar
estavam presentes todas as formas de manifestação dessa cultura popular:
comidas típicas, artesanato, literatura de cordel, xilogravura, cantadores
etc. A imprensa cearense viu-se, então, diante de um impasse: como chamar
a atenção para as mais representativas expressões da nossa tradição sem ao
mesmo tempo dar visibilidade ao Massafeira?
A saída foi apresentar
matérias sobre determinados grupos sem relacioná-los com o evento. Assim,
no dia 16 de março - segundo dia do Massafeira - o jornal O POVO publicou
uma matéria de meia página, ilustrada com várias fotos, sobre a Banda de
Pífaros dos Irmãos Aniceto, do Crato, mas não citou, em nenhum momento,
que o grupo estava em Fortaleza - a convite de Ednardo - para participar
do Massafeira. Era uma forma de abafar o movimento.
A restrição, no
entanto, não era aos valores individuais. Como vimos, Fagner e Belchior
participaram, inclusive, do show de posse do governador Virgílio Távora. E
havia grandes anúncios naquele período chamando a atenção para aquele
show. A restrição era ao movimento. Embora o evento não apresentasse nada
de transgressor - ao contrário, apresentava muito mais aquilo que o Estado
estava interessado em apropriar como forma de legitimação - o fato é que
aquele grande ajuntamento de gente, fazendo arte, sem o patrocínio dos
órgãos oficiais, em época de ditadura, representava perigo. Ou, então, os
jornalistas cearenses, que na sua maioria recebia do governo parte de seus
salários, preferiram não ofuscar a posse do padrinho- mor da categoria na
época: Virgílio Távora.
"Muitas
matérias não eram publicadas não era só porque a censura não permitia, mas
porque afetavam os interesses do governador e indiretamente os interesses
de determinados jornalistas, que mantinham uma relação estreita com o
governo.(...)"(VIDAL, 1994)
Assim, só agora - 20 anos depois - o Massafeira recebeu o
devido destaque da imprensa. No dia 13 de março de 1999, o jornal O POVO
publicou um caderno quase que totalmente dedicado ao movimento. Pena que o
espaço, que poderia ter sido aproveitado para ressaltar os pontos
positivos do evento - sem dúvida significativo para a história cultural do
Ceará - foi utilizado como desabafo de antigas mágoas e rancores. E
seguiram-se, por vários dias, artigos sobre o Massafeira, sempre
ressaltando os pontos negativos daquela empreitada.
"Não digo que tinha qualidade na proposta nem nos
participantes, mas foi a última vez que se juntou em num mesmo saco de
gato todos os conterrâneos fazedores e produtores de arte: gênios,
talentosos e medíocres, todos juntos e se divertindo muito. " (sic)
Fernando Costa - "O vôo do abutre" - jornal O POVO, 22/3/99, Caderno Vida
e Arte.
Esse olhar negativo sobre o
Massafeira - que também se observa sobre outros acontecimentos que não
cabe, no âmbito desse trabalho, analisarmos - denotam uma característica
marcante do povo cearense: uma visão rigorosamente negativa que tem de si
mesmo e de suas manifestações.
"Bem
se pode assegurar que se plasmou através do complexo das secas e das
limitações da civilização do couro, a qualidade fundamental do cearense,
incorporada ao seu próprio ser como uma segunda natureza, produto de
reações seculares de luta e de insatisfação: o espartanismo negativo. "
(BARROSO, 1969)
O Massafeira bem que
poderia ter continuado a se realizar nos anos seguintes, como uma feira
anual de cultura. Por que não? Porque qual nossos antepassados indígenas - que desde antes da
colonização faziam o percurso litoral/sertão e vice-versa, sem
preocupar-se em construir casas ou fazer plantações, ficando em uma aldeia
somente enquanto não se esgotavam as raízes, frutas e pássaros silvestres
– YACO FERNANDES - "Notícia do Povo Cearense".
Continuamos apagando os vestígios de nossa história,
destruindo nosso patrimônio histórico-cultural, sempre de olho no amanhã
antes mesmo de terminar o hoje.
"Pode-se admitir que a contingência do meio ambiente,
levando-o ao imediatismo e à improvisação, sem nenhum tempo para criar
algo a longo prazo, sempre o transforma num negocista inteiramente
despreocupado com as minúcias e as peripécias da produção, porque sempre
apressado e cada vez mais atraído pelo êxito de suas iniciativas
oportunistas. "(BARROSO, 1969)
Falar
bem do Massafeira - ressaltar o grande encontro de artistas das mais
variadas tendências, a apresentação para o grande público de artistas do
interior que pela primeira vez se apresentaram no Teatro José de Alencar,
o êxito daquele evento coletivo, plural - está além da capacidade de um
povo com personalidade calcada no individualismo.
O certo é que
somos impiedosos para com nossa arte e nossos artistas. Vinte anos depois,
percebe-se pelas matérias publicadas sobre o Massafeira, que o tom que
predomina nas entrelinhas e em declarações abertas, é o da ironia, do
rancor, quando não do cinismo. E o que é mais estranho é que a crítica
mais dura vem dos próprios participantes do evento. Assim, no Ceará, nada
persiste em linha de continuidade e de enraizamento, e jamais houve clima
favorável à tradição. (...)
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3.4.2
- A MASSA: massivo x popular nas sociedades
industrializadas |
Neste tópico vamos tentar deslindar o
imbricado jogo de inter- relações que se processaram num evento de
múltiplas manifestações culturais como foi o Massafeira. Essa tentativa
esbarra, de cara, nos limites conceituais, dada a dificuldade de enquadrar
em um conceito um evento plural, que colocou no mesmo espaço tendências
díspares e, à primeira vista, inconciliáveis.
Estavam representadas
no Massafeira as mais autênticas manifestações da Cultura Popular, se
partirmos do ponto de vista romântico, isto é, da idéia de uma cultura que
preserva as tradições, criação coletiva, anônima e espontânea de um povo
pré-capitalista, que ainda não foi contaminado pelos hábitos urbanos.
(MARILENA CHAUÍ - "Conformismo e Resistência" – 1989)
Nessa
perspectiva, Patativa do Assaré, agricultor-poeta que esteve presente no
show e no disco Massafeira - Livre, seria um legítimo representante dessa
Cultura Popular.
"A poesia de
Patativa brota com o vigor de um pé de milho que ele roçava, em sua serra
de Santana. Nele, trabalho manual e intelectual não são conflitantes,
antes, era no eito que ele formulava suas composições, como se fosse um
desdobramento de uma mesma atividade. A sua compreensão de cultura se
confunde com o seu próprio cotidiano e de todos os seus companheiros
agricultores.(... ) "(GILMAR DE CARVALHO, 1999)
Também apresentou-se no
Teatro José de Alencar, a "Banda Cabaçal", formada pelos Irmãos Aniceto
(Francisco, João, Antônio, Raimundo e Joaquim), do Crato. Os instrumentos
da banda (dois pífaros, um zabumba e uma 'mão de pratos') são
confeccionados artesanalmente pelos próprios participantes. Os irmãos dão
continuidade ao trabalho iniciado pelo velho José Aniceto, que já em 1930
alegrava as festas religiosas da região do Cariri. Ainda como
representantes dessa Cultura Popular, oriundos do interior do Estado,
apresentaram-se no Massafeira: Cego Oliveira (cantador de rabeca), Cícera
do Barro Cru (esculturas em barro), Mestre Noza (xilogravuras), Oswald
Barroso (cordel), Nino (esculturas) entre outros.
Se partirmos do
outro extremo - o da cultura de massa, entendida como a cultura produzida
e colocada para consumo através dos aparatos tecnológicos da indústria
cultural (Umberto Eco - "Apocalípticos e Integrados" - 1993) - também
temos no Massafeira seus representantes. Ednardo, Fagner, Belchior - para
citar apenas os mais expressivos - estavam profundamente inseridos no
esquema dos "mass media". Cultura de massa, nessa perspectiva, não
significa uma cultura produzida pelas massas.
"... Não há forma de criação 'coletiva' que não seja
mediada por personalidades mais dotadas, feitas intérpretes de uma
sensibilidade da comunidade onde vivem. Logo, não se exclui a presença de
um grupo culto de produtores e de urna massa de fruidores; só que a
relação, de patemalista, passa a dialética: uns interpretam as exigências
e as instâncias dos outros. "(ECO, 1993)
Mediando esses dois
extremos, vamos encontrar, ainda, naquele evento artistas que apresentavam
propostas artísticas urbanas, contemporâneas, mas que se encontravam fora
do circuito comercial, não tinham discos gravados e não apareciam nos
meios de comunicação: Alano de Freitas, Ana Fonteles, Ângela Linhares,
Calé Alencar, Chico Pio, Eugênio Leandro, Régis, Rogério, Stélio Valle
entre tantos outros. Como classificá-los?
"Estamos descubriendo estos últimos altos que lo popular no
habla únicamente desde las culturas indigenas o las campesinas, sino
también desde la trama espesa de los mestizajes y las deformaciones de lo
urbano, de lo masivo. (... ) No podemos entonces pensar hoy lo popular
actuante al margen del proceso histórico de constituición de lo masivo: el
acceso de las masas a su visibilidad y presencia social, y de la
masificación en que históricamente esse proceso se
materializa.(...)"(BARBERO, 1991)
Toda essa explanação foi apenas uma tentativa de demonstrar
a impossibilidade de compartimentalizar a produção cultural em uma
sociedade industrializada, onde impera a lógica do mercado e onde os bens
simbólicos são produzidos nos moldes dos bens materiais. Uma sociedade que
só é possível ser pensada a partir de uma nova revolução - a do consumo. É
no âmbito do consumo que vão ser geradas novas formas de
socialização.
"... Una socialidad
que realiza la abstracción de la forma mercantil en la materialidad
tecno-lógica de la fábrica y el periódico, y una mediación que cubre el
conflito entre las clases produciendo su resolución en el imaginario,
asegurando así el consetimento activo de los dominados. Pero esa mediación
y esse consentimiento sólo fueron posibles históricamente en la medida en
que la cultura de masa se constituye activando y defornando al mismo
tiempo sañas de identidad de la vieja cultura popular, e integrando al
mercado las nuevas demandas de las masas. "(BARBERO, 1991)
Daí que, se é para classificar, com todas as
implicações resultantes de qualquer tentativa de classificação, poderíamos
dizer que o Massafeira foi um movimento popular de massa, um espaço de
articulação entre práticas populares e indústria cultural.
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3.4.3. - A FEIRA: Teatro
José de Alencar - espaço de articulação de práticas populares e
indústria cultural |
Durante as três últimas décadas vem
se processando - a princípio, lentamente e, nos últimos dez anos,
vertiginosamente - uma nova revolução na sociedade. Pode-se dizer que a
revolução industrial, aquela que se processou no âmbito da produção, já
foi ultrapassada pela revolução da sociedade de consumo. É a partir dessa
sociedade, mediada pelos meios de comunicação de massa, rodeada por uma
profusão de bens materiais e simbólicos, onde o objeto é reificado em
detrimento do sujeito, que vão surgir os novos espaços de articulação das
práticas cotidianas.
"... Lo que está cambiando
no se sitúa en el ámbito de la política, sino de la cultura, y no
entendida aristocráticamente, sino como 'los códigos de conducta de um
grupo o de un pueblo'. Es todo el proceso de socialización el que está
transformándose de raíz al cambiar el lugar desde donde se mudan los
estilos de vida. (... ) " (BARBERO, 1991)
Nessa perspectiva não é mais possível
pensar em formas de expressão cultural compartimentalizadas e apartadas
umas das outras - popular, erudita, de massa - posto que estão todas
imbrincadas dentro de um mesmo campo simbólico unificado pelos meios de
comunicação de massa.
"... Masa debe dejar de
significar en adelante anonimato, pasividad y conformismo. La cultura de
masa es la primera en posibilitar la comunicación entre los diferentes
estratos de la sociedad. Y puesto que es imposible una sociedad que llegue
a una completa unidad cultural, entonces lo importante es que haya
circulación. ? Y cuándo há existido mayor circulación cultural que en la
sociedad de masas?
Mientras el libro mantuvo y hasta reforzó
durante mucho tiempo la iegregación cultural entre las clases, fue el
periódico el que empezó a posibilitar el flujo, y ei cine y la radio los
que intensificaron el encuentro. " (BARBERO, 1991)
A cultura de massa passa a ser, então,
o lugar onde as diferenças se encobrem, são negadas. Que exemplo mais
ilustrativo dessa transformação dos espaços sociais do que a invasão do
Teatro José de Alencar por aquela multidão de artistas das mais variadas
tendências? O acesso ao Teatro, espaço tradicionalmente aristocrático, nem
sempre foi democrático.
"... Em 1974,
integrantes de diversos grupos de teatro amador, ligados à Federação
Estadual de Teatro Amador (FESTA), formulam e enviam um memorial ao Gov.
César Cais discutindo formas de democratizar o acesso ao TJA(...).
"(BARBALHO, 1998).
Assim,
foi uma grande conquista da massa a instalação de uma feira no espaço
sagrado do Teatro José de Alencar. Ali estavam expostos e acessíveis a
todas as camadas sociais produtos os mais variados, tanto materiais quanto
simbólicos. Foi uma verdadeira feira de cultura, em todos os
sentidos.
"... La feria no aparece entonces
únicamente como el resultado de un proceso de degradación, de absorción de
lo festivo por lo comercial, sino como lugar de modelación cultural de la
dimensión lúdica(... ) y de constitución de identidades colectivas
locales, regionales, en su ligazón y enfrentamiento con la nacional. La
feria es resultado de un proceso, pero com varias dinámicas, ya que desde
su inicio las ferias fueron celebración religiosa y tiempo de
mercado.(...)"(BARBERO, 1991)
A feira se constitui, então, em um espaço onde o profano e o
sagrado se encontram, num jogo dialético de apropriação e trocas
simbólicas. Espaço onde momentaneamente as diferenças são suspensas em
meio à celebração da festa.
"A la feria van
todas las clases y se divierten y luchan por apropiarse, cada cual a su
manera, de esa forma. " (BARBERO, 1991).
O Massafeira foi isso: comida, bebida,
diversão e arte. Encontro. Celebração. Festa. Feira
livre.
|
3.5 - O disco
MASSAFEIRA-LIVRE: a marmota do mormaço |
Falamos em tópicos anteriores que a decisão
de gravar um disco (na época LP duplo) do movimento Massafeira-Livre foi,
talvez, o maior equívoco dos idealizadores do evento. Por que? Basicamente
por dois motivos: primeiro, porque Fortaleza não contava naquela época com
equipamentos de qualidade que possibilitassem a gravação do disco a partir
do show realizado aqui. Uma parte dos artistas - não podiam ir todos -
tiveram que se deslocar para o Rio de Janeiro e tentar reproduzir o show.
Aí o momento já era outro, o contexto também. E o resultado não podia
mesmo ser dos melhores. Segundo, porque - por tudo que já foi visto aqui
sobre o mercado musical brasileiro naquele momento - conclui-se que não
havia espaço para aquele tipo de proposta e a probabilidade de aquele
disco vir a fazer sucesso era remota.
|
3.5.1
- Transformação do evento em mercadoria: destruição pelo
consumo |
Passada a euforia da discothèque, surgiam
os esboços do rock brasileiro e a profusão de bandas que dominaram toda a
década de 80. As músicas que compunham o álbum duplo Massafeira-Livre não
se enquadravam nos padrões eleitos pela mídia para aquela temporada. É
preciso compreender que a indústria cultural, à medida que promove a
seriação e estandardização dos produtos culturais, imprime a estes um
caráter de efemeridade. A lógica que orienta essa indústria é a lógica do
mercado e quanto mais rápido se completar o ciclo
produção/consumo/destruição maior a margem de lucro.
"A sociedade de consumo precisa dos seus objetos
para existir e sente sobretudo necessidade de os destruir. O 'uso' dos
objetos conduz apenas ao seu desgaste lento. O valor criado reveste-se de
maior intensidade no desperdício violento. Por tal motivo, a destruição
permanece como a alternativa fundamental da produção: o consumo não passa
de termo intermediário entre as duas. No consumo existe a tendência
profunda para se ultrapassar, para se transfigurar na destruição. Só assim
adquire sentido. " (BAUDRILLARD, 1995)
Transformar o movimento Massafeira em um álbum foi
submetê-lo a essa ordem de produção, à lógica do mercado e
conseqüentemente à destruição, senão pelo consumo, mas por essa máquina
que também destrói o que não lhe rende lucro.
As dificuldades se
esboçaram logo de início com a chegada ao Rio de Janeiro de uma caravana
de aproximadamente 40 pessoas. Deslumbrados com a Cidade Maravilhosa, os
cearenses aprontaram poucas e boas.
"... O fato é que, excetuando-se intrigas e incidentes, a
farra de cerca de quarenta pessoas no Hotel Santa Teresa, no Rio de
Janeiro, foi memorável. (Graco Silvio Braz - "Entre a algazarra criativa e
a marmota do mormaço" - Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte,
13/3/99)
"Era uma suspensão da desunião, um momento de
consentimento: vamos fazer de conta que somos uma turma de amigos. E
conseguimos esplêndidos momentos, principalmente nos fins de noite, nas
comemorações espontâneas. "O balaio do guru" - entrevista de Augusto
Pontes à jornalista Eleuda de Carvalho. Jornal O POVO, Caderno Vida e
Arte, 13/3/99)
À parte as farras,
conseguiram fazer o show e gravar o disco. Inicia-se então a fase mais
difícil. Ednardo havia convidado o então diretor artístico da CBS, Jairo
Pires, para assistir ao show aqui em Fortaleza. Após as apresentações,
Jairo Pires informou que a presidência da CBS havia autorizado a gravação
e lançamento de um disco do evento. Ednardo foi indicado como produtor;
Augusto Pontes como co-produtor; Rodger Rogério, Petrúcio Maia e Stelio
Valle ficaram responsáveis pela coordenação musical. Acontece que após a
gravação no Rio de Janeiro, Jairo Pires foi substituído por outro
profissional que engavetou o disco, alegando que o projeto iria acarretar
prejuízo para a gravadora. Assim, o disco passou mais de um ano na
"geladeira", até que em 1980 Ednardo solicitou que o mesmo fosse prensado
com parte da verba de divulgação de seu disco "Imã", que estava sendo
lançado.
Foram prensadas cerca de
dez mil cópias e a forma como o disco foi apresentado para divulgação
denotava o descaso da gravadora para com o projeto. "... Uma tarja
colocada na capa do álbum - fato inexplicável e inédito em lançamentos na
indústria fonográfica mundial – fixava valor bem abaixo dos praticados em
qualquer loja do País: '2 LP'S pelo preço de 1'. O que diminuiu a
importância do trabalho para lojistas, grande imprensa e para o público,
numa queima de estoque premeditada, antes mesmo que as músicas passassem
pela apreciação do público. (. . . ) Ednardo - "Nem tudo é verdade" -
jornal O POVO, 22/3/99, Caderno Vida e Arte.
No entanto, dizer que a gravação foi um equívoco não
significa invalidá-la, nem justifica as duras críticas que os
participantes, inclusive colaboradores no processo de seleção das músicas,
dirigem ao disco e, principalmente, ao Ednardo por ter enfrentado sozinho
o esquema da CBS, prejudicando, inclusive, o lançamento de seu disco
individual (Imã) para lançar o álbum duplo Massafeira. É compreensível
essa carga de frustração pelo não acontecimento do disco na mídia, mas é
necessário colocá-la em uma outra perspectiva. Em nenhum momento,
nas matérias produzidas quando da comemoração dos 20 anos do evento, os
entrevistados questionaram o silêncio da mídia cearense sobre o Massafeira
na época de sua realização. Também não questionaram as relações
de poder que envolvem gravadoras e esquemas de distribuição de discos.
Após o show no Rio de Janeiro, todos os participantes retornaram para suas
origens e ficaram esperando pelo resultado.
Cabe aqui a
pergunta: por que não formaram uma equipe ou, muito ao gosto da época, um
comitê para pressionar a gravadora? Por que deixaram tudo nas mãos de
Ednardo? Talvez aqueles artistas tenham desenvolvido, assim como as tribos
primitivas da Melanésia, o "mito do cargueiro".
"... Os Melanésios (...) desenvolveram (...) no contacto
com os Brancos, o culto messiânico do Cargueiro: os Brancos vivem na
profusão e se eles nada têm, é porque os Brancos sabem captar ou desviar
as mercadorias que lhes eram destinadas, na sua qualidade de Negros, pelos
antepassados retirados para os confins do mundo.
Dia virá em que,
depois do fracasso da magia dos Brancos, os antepassados regressarão com a
carga miraculosa e eles deixarão de sentir a necessidade. "(BAUDRILLARD,
1995)
Fato é que, apesar de
rejeitado pela maioria dos realizadores; apesar de não corresponder em
termos de qualidade, inclusive na escolha do repertório, à grandiosidade
do evento; e afora as mágoas e rancores que nem o tempo conseguiu apagar,
o álbum duplo Massafeira-Livre ficou como registro daqueles quatro dias de
efervescência cultural vividos no Teatro José de
Alencar.
"Nunca se vai poder omitir
que num determinado momento, quixotescamente, alguém vendeu nosso peixe e
dois discos foram gravados com o que de mais significativo se estava
fazendo aqui em termos de música, numa medida tão ampla que deixava espaço
para todas as tendências, visões, propostas. Este mosaico abrangente
demais e sem censura de ordem estética, pode ser a acusação mais séria a
ser levantada contra a Massafeira, mas é inegável que ela nos deu uma
idéia bem palpável de nossas contradições, do nosso vigor e do alcance do
nosso cantar.
"Massafeira é um espelho, uma coletânea, uma
reportagem do panorama musical cearense no início dos anos 80. E esta
idéia se credita a Ednardo, neste ponto há unanimidade."(GILMAR DE
CARVALHO, 83/84)
No fim, prevaleceu
a massa, acabou a feira, mas ficou o Massafeira-Livre, cristalizado no
álbum duplo que, se não serviu aos propósitos de divulgar em maior escala
a música produzida no Ceará, restou extremamente válido como registro de
um momento-evento cultural como nunca mais se viu no Ceará.
Não pretendemos que este trabalho seja
conclusivo no sentido de esgotar as questões aqui proposta, até porque
alguns pontos aqui delineados podem ser aprofundados em estudos
posteriores. Podemos, sim, apontar algumas respostas, no âmbito da
pesquisa realizada.
Nessa perspectiva podemos dizer que o descaso
da imprensa cearense para com o movimento Massafeira tem raízes mais
profundas do que a relação de poder entre os meios de comunicação e os
grupos dominantes faz supor. É uma característica marcante do povo
cearense: a indiferença para com as "coisas do Ceará", a tendência à
iconoclastia. Característica forjada ao longo dos séculos, desde a época
pré-colonial, pelos elementos predominantes na nossa formação étnica: o
índio e o europeu.
O certo é que somos impiedosos para com nossa
arte e nossos artistas. Tendemos a tachar nossas manifestações culturais
com adjetivos pejorativos. O Massafeira tem recebido da imprensa a
denominação de "Woodstock tupiniquim", uma forma de diminuir sua
importância. Reduz-se o movimento a uma mera reprodução de um evento
americano. Acreditamos que o Massafeira representou mais que uma apologia
ao slogan "sexo, drogas, rock'n roll".
O êxodo dos artistas
cearenses para o eixo Rio-São Paulo é possível compreender na perspectiva
da divisão inter-regional do trabalho. A problemática daí resultante - no
caso Nordeste - se dá em um nível mais abrangente: a relação já não é
patrão-empregado, mas região industrializada - região fornecedora de
mão-de-obra que vai sustentar as indústrias do sul do país. E isso se
reflete na questão da cultura: a relação de produção que se estabelece na
indústria de bens culturais reproduz o modelo da indústria de bens
materiais.
O Nordeste fornece a mão-de-obra (os artistas) enquanto
a região Sudeste detém os meios de produção (gravadoras, distribuidoras,
meios de comunicação).
No caso do Massafeira, uma caravana de
muitas pessoas se desloca para o Rio de Janeiro para gravar um disco. Se
houvesse aqui os meios de gravação e distribuição, o resultado talvez
tivesse sido outro. O ideal seria que se exportasse os produtos, não os
produtores.
Entendendo o Massafeira como um movimento profundamente
inserido num contexto histórico-cultural de uma sociedade industrializada,
onde as produções culturais obedecem a critérios de estandardização e
organização, concluímos que o embotamento do disco resultante do movimento
deveu-se a fatores mercadológicos, uma vez que a proposta musical ali
contida não se encaixava no padrão imposto pela mídia naquele
momento.
Finalmente, podemos dizer que o Massafeira-Livre foi
talvez o último grande evento coletivo ocorrido no Ceará capaz de
aglutinar os produtos de nossa cultura em torno de uma proposta. Esse fato
não deixa de ser preocupante, uma vez que o movimento ocorreu há mais de
20 anos.
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Bibliografia |
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Comunicação e Indústria Cultural. 5 ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 1987.
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Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. 3 14p.
- VIDAL, Márcia. Imprensa e Poder; o I e II Veterados
(1963/J966 e J979/J982) no jornal O POVO. Fortaleza: Secretaria de
Cultura e Desporto do Ceará, 1994. 154p.
- TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e
Modernismo Brasileiro; apresentação e crítica dos principais movimentos
vanguardistas. Rio de Janeiro: Vozes, 1972. 271p.
OUTRAS FONTES
- BARROSO, Oswald. Memórias do Woodstock cearense. Jornal
O POVO, Fortaleza, 16 mar 1999. Caderno Vida e Arte
- BRAZ, Graco Silvio. Entre a algazarra criativa e a
marmota do mormaço. Jornal O POVO, Fortaleza, 13 mar 1999. Caderno Vida
e Arte.
- CARVALHO, Gilmar de. Ceará, voz teimosa, canto torto.
Jornal da Música, Rio de Janeiro, 17 jun1977. p. lo.
- CARVALHO, Eleuda de. 20 anos depois. Jornal O POVO,
Fortaleza, 13 mar 1999. Caderno Vida e Arte
- COSTA, Fernando. O vôo do abutre. Jornal O POVO,
Fortaleza, 22 mar 1999. Caderno Vida e Arte.
- EDNARDO, José. Nem tudo é verdade. Jornal O POVO,
Fortaleza, 22 mar 1999. Caderno Vida e Arte.
- PONTES, Augusto. O balaio do guru. Jornal O POVO,
Fortaleza, 13 mar 1999. Caderno Vida e Arte.
- RODRIGUES, Eliezer. Banda Cabaçal: uma família dedicada
à roça e à música. Jornal O POVO, Fortaleza, 16 mar 1979. Caderno
2.
|
FICHA TÉCNICA DOS DISCOS –
LPs 144426/7
DISCO LP DUPLO
/ 24 Faixas : MASSAFEIRA LIVRE - CBS/EPIC - 1980 |
Gravados em
1979 Estúdios CBS – Rio de Janeiro |
Direção Artística, de
Produção e de Estúdio |
Ednardo |
Co-Produção |
Augusto Pontes |
Coordenação
Musical |
Rodger Rogério, Petrúcio
Maia, Stélio Valle |
Assistentes de Produção
Artística |
Rogério Crato, Dudu
Praciano |
Fotos |
Gentil Barreira, Régis
Soares, Lise Torok |
Desenhos e Artes
Gráficas |
Antônio José Soares
Brandão |
Arranjos e
Regências |
Grupal - De Todos Músicos da
Massafeira |
Gravação e Mixagem |
Elinho, Ney, Eugênio,
Ednardo |
Montagem e Masterização das
Faixas |
Alencar |
Arte de Montagem
Gráfica |
Vanda Alves
Ferreira |
Direção de Arte |
Géu |
MÚSICOS PARTICIPANTES DAS
GRAVAÇÕES |
INSTRUMENTOS |
Robertinho de Recife ,
Manassés, Gerardo Gondim , Will, Banda Perfume Azul |
Guitarras |
José Maia, Carlos Patriolino
Filho |
Bandolim |
Ednardo, Túlio Mourão,
Petrúcio Maia, Antônio Adolfo ,Alano Freitas, Ferreirinha |
Piano e
Teclados |
José Américo |
Acordeon /
Sanfona |
Ednardo, Rodger Rogério,
Sidbert, Rogério, Régis, Lázaro, Stélio |
Violões |
Manassés, Gerardo
Gondim |
Violas |
Tarcísio, Renato |
Flautas |
Ife, Luiz Miguel, Ronald,
Lázaro |
Contra Baixo |
Tuti Moreno, Rui Motta,
Elber Bedak, Stone |
Bateria |
Sérgio Boré,
Zizinho |
Congas, Percussões,
Ritmos |
Banda Perfume Azul – Will,
Sidbert, Ronald, Lúcio Ricardo |
Guitarra, Violão, Baixo,
Vocal |
DISCO 1 – LADO
A
Título da Obra /
Compositores e Autores |
DISCO 1 – LADO
A
Intérpretes |
AURORA (Ednardo e
Belchior) |
EDNARDO e
BELCHIOR |
COMO AS PRIMEIRAS CHUVAS DO
CAJÚ (Angela Linhares e Ricardo Bezerra) |
ANGELA LINHARES |
PÉ DE ESPINHO (Rogério
Soares e Eugênio Stone e Luiz C. Pinóquio) |
ROGÉRIO SOARES e REGIS
SOARES |
VIRA VENTO (Vicente
Lopes) |
VICENTE LOPES |
AVISO AOS NAVEGANTES (Lúcio
Ricardo) |
LÚCIO RICARDO |
O QUE FOI QUE VOCÊ VIU?
(Stélio Valle e Chico Pio e Nertan Alencar) |
CHICO PIO |
DISCO 1 – LADO
B
Título da Obra /
Compositores e Autores |
DISCO 1 – LADO
B
Intérpretes |
BREJO (Régis Soares e
Rogério Soares e Ednardo) |
RÉGIS SOARES |
ATALAIA (Ferreirinha e
Graccho e Caio Sílvio) |
FERREIRINHA |
FRIO DA SERRA (Petrúcio Maia
e Brandão) |
MARTA LOPES e EDNARDO e
FAGNER |
ISOPOR (Wagner
Costa) |
WAGNER COSTA |
BUENOS AYRES – Citroen
(Sérgio Pinheiro e Stélio Valle) |
SÉRGIO PINHEIRO |
SENHOR DOUTOR (Patativa do
Assaré) |
PATATIVA DO
ASSARÉ |
DISCO 2 – LADO
A
Título da Obra /
Compositores e Autores |
DISCO 2 – LADO
A
Intérpretes |
O SOL É QUE O QUENTE ( Alano
de Freitas) |
EDNARDO e ANA
FONTELES |
EM CADA TELA UMA HISTÓRIA
(Lúcio Ricardo) |
LÚCIO RICARDO |
COR DE SONHO ( Mona
Gadelha) |
MONA GADELHA |
VENTO REI (Calé
Alencar) |
CALÉ ALENCAR |
O REI (Tânia Cabral
Araújo) |
TETI e TÂNIA
CABRAL |
JARDIM DO OLHAR (Stélio
Valle e Fausto Nilo) |
CORO MASSAFEIRA |
DISCO 2 – LADO
B
Título da Obra /
Compositores e Autores |
DISCO 2 – LADO
B
Intérpretes |
O SOL ACORDOU
(Ednardo) |
EDNARDO |
ESTRADEIRO (Rogério
Soares) |
ROGÉRIO SOARES |
PELOS CANTOS
(Graco) |
GRACO |
NÃO HAVERÁ MAIS UM DIA
(Pachelli Jamacaru) |
PACHELLI
JAMACARU |
ÚLTIMO RAIO DE SOL (Rodger
Rogério e Clodo e Fausto Nilo) |
EDNARDO e TETI |
REISADO ( Graco e Stélio
Valle e Augusto Pontes) |
EDNARDO |
|
RELAÇÃO
(PARCIAL) DOS PARTICIPANTES DE MASSAFEIRA 1979
NOME |
ARTÍSTICO |
ÁREA |
ESPECIALIDADE |
Abdoral
Jamacaru |
Abdoral
Jamacaru |
Música |
Compositor/Cantor(Carirí) |
Alano
Aguiar de Freitas Guimarães |
Alano de
Freitas |
Música/Artes Plásticas |
Compositor/ Artista Plástico |
Amélia
Cláudia Colares |
Amelinha |
Música |
Cantora |
Ana
Lourdes Miranda Fonteles |
Ana
Fonteles |
Música |
Cantora(Piauí) |
Ana Meire
da Silva Rebouças |
Ana
Meire |
Teatro |
Atriz |
Angela
Maria Bessa Linhares |
Angela
Linhares |
Música |
Compositora/Cantora |
Francisco
Augusto Pontes |
Augusto
Pontes |
Música/Letras |
Compositor/Letrista |
B.C.
Neto |
B.C.
Neto |
Artes
Plásticas/Literatura |
(Carirí) |
Antônio
Carlos Belchior |
Belchior |
Música |
Compositor/Cantor |
Josely
Guimarães Barbosa |
Bob |
Dança |
Dança
Popular |
Jackson
Bantim |
Bola |
Fotografia/Cinema |
Regional(Carirí) |
Antônio
José Soares Brandão |
Brandão |
Música/Artes Plásticas |
Compositor/Poeta/ Desenhos |
Caio
Sílvio Braz Peixoto da Silva |
Caio
Silvio |
Música |
Compositor |
Carlos
Alberto Alencar da Silva |
Calé
Alencar |
Música |
Compositor/Cantor |
Calvet |
Calvet |
Música |
Músico-Percussão |
Carlos
Patriolino Filho |
Carlos
Patriolino |
Música |
Músico-Bandolim/Violão |
Oliveira |
Cego
Oliveira |
Música |
Cantador
de Rabeca(Carirí) |
Francisco
Pio Napoleão |
Chico
Pio |
Música |
Compositor/Cantor |
Cícera |
Cícera do
Barro Crú |
Artes
Plásticas |
Esculturas em Barro(Carirí) |
Wilson
Cirino |
Cirino |
Música |
Compositor/Cantor |
Climério
de Sousa Ferreira |
Climério |
Música/Literatura |
Compositor/Poeta (Piauí) |
José
Domingos de Moraes |
Dominguinhos |
Música |
Compositor/Cantor(Pernambuco) |
José
Eduardo Praciano Serra |
Dudu
Praciano |
Organização Produção |
Produtor
Executivo |
José
Ednardo Soares Costa Sousa |
Ednardo |
Música |
Compositor/Cantor |
Emerson
Monteiro |
Emerson
Monteiro |
Fotografia |
Regional(Carirí) |
Eugênio
Leandro Costa |
Eugênio
Leandro |
Música |
Compositor/Cantor |
Eurico
Bivar |
Eurico
Bivar |
Artes
Plásticas |
Poesia
Corpórea Ilustrada |
Ezildo
Luiz Américo de Souza |
Ezildo |
Cinema |
Curta
Metragem |
Raimundo
Fagner Cândido Lopes |
Fagner |
Música |
Compositor/Cantor |
Fátima
Girão |
Fátima
Girão |
Literatura |
Poesia |
Fausto
Nilo Costa Jr. |
Fausto
Nilo |
Música |
Compositor/Letrista |
Fernando
Costa |
Fernando
Costa |
Teatro/
Literatura |
Ator/Poesia |
Francisco
José Ferreira Gomes Filho |
Ferreirinha |
Música |
Compositor |
Francis
Vale |
Francis
Vale |
Organização Produção |
Produtor
Executivo |
Gentil
Barreira Neto |
Gentil
Barreira |
Fotografia |
Geral/Artística/Regional |
Geraldo
Urano |
Geraldo
Urano |
Literatura |
Poesia
(Carirí) |
Gerardo
Gondim Saraiva Filho |
Gerardo
Gondim |
Música |
Músico-Guitarra/Bandolim |
Germano
Braga |
Germano |
Teatro |
Ator |
Gilberto
Oliveira Cardoso |
Gilberto
Cardoso |
Artes
Plásticas |
Desenhos
à Lápis |
Graccho
Sílvio Braz Peixoto da Silva |
Graccho
Sílvio |
Música |
Compositor/Cantor |
Luiz
Carlos Franco Tolentino |
Ife |
Música |
Músico-Contra Baixo |
Grupo ( 6
pessoas) |
Irmãos
Aniceto |
Música |
Banda de
Pífaros(Carirí) |
César
Gabrielle |
Itamar do
Mar |
Artes
Plásticas |
Primitivos Regionais |
Ivan
Alencar |
Ivan
Alencar |
Literatura |
Poesia
(Carirí) |
Jabuti |
Jabuti |
Música |
Músico-Violão |
Jáder de
Menezes |
Jáder
Menezes |
Literatura |
Poesia |
Jorge
Mello |
Jorge
Mello |
Música |
Compositor/Cantor |
José
Nilton Matos |
José
Nilton |
Artes
Plásticas |
Primitivos Regionais |
Lázaro
José de Paula Gonçalves |
Lázaro |
Música |
Músico-Contra Baixo |
Lúcio
Ricardo Moura Andrade |
Lúcio
Ricardo |
Música |
Compositor/Cantor/Banda Perfume Azul |
Luiz
José |
Luiz
José |
Fotografia |
Regional(Carirí) |
Luiz
Miguel Caldas da Silveira |
Luiz
Miguel |
Música |
Músico-Contra Baixo |
José |
Maestro
Zequinha |
Música |
Maestro
Arranjador |
Manassés
Lourenço de Sousa |
Manassés |
Música |
Músico-Viola 12/Guitarra/Cavaquinho |
Márcio
Catunda Ferreira Gomes |
Márcio
Catunda |
Literatura |
Poesia
Corpórea Ilustrada |
Marcos
Antônio da Silva |
Marcos
Tim |
Música/Teatro |
Compositor/Cantor |
Maria de
Lourdes Costa Bomfim |
Maria de
Lourdes |
Culinária |
Comidas
Típicas |
Marta
Maria Cândido Lopes |
Marta
Lopes |
Música |
Cantora |
Noza |
Mestre
Noza |
Artes
Plásticas |
Xilogravuras(Carirí) |
Simone
Alexandre Gadelha |
Mona
Gadelha |
Música |
Compositora/Cantora |
Jairo
Mozart Pereira |
Mozart |
Música |
Compositor/(Paraíba) |
Nino |
Nino |
Artes
Plásticas |
Regional(Carirí) |
Oswald
Barrozo |
Oswald
Barrozo |
Literatura |
Poesia/Cordel |
Eugênio
Pacheli Jamacaru |
Pacheli
Jamacaru |
Música |
Compositor/Cantor(Carirí) |
Antônio
Gonçalves da Silva |
Patativa
do Assaré |
Literatura |
Poesia /
Cordel (Carirí) |
Paula |
Paula |
Dança |
Dança
Popular |
Paula
Feitosa Dias |
Paula
Feitosa |
Teatro |
Atriz |
Paulo
Aécio Morais Lima |
Paulo
Aécio |
Artesanato |
Popular |
Paulo |
Paulo
Batera |
Música |
Músico –
Baterista |
Salvino
Petrúcio Mesquita Maia |
Petrúcio
Maia |
Música |
Compositor/Arranjador//Letrista |
Regina
Coelo Pinheiro Granja |
Regina
Coelo |
Teatro |
Atriz |
Regina
Lúcia Feitosa Dias |
Regina
Lúcia |
Teatro |
Atriz |
Francisco
Régis Soares Costa Sousa |
Régis
Soares |
Música |
Compositor/Cantor |
José
Renato Gimenes das Neves |
Renato
Neves |
Música |
Músico-Flautista |
Ricardo
Bezerra |
Ricardo
Bezerra |
Música |
Compositor |
Ricardo
Marcelo |
Ricardo
Marcelo |
Teatro |
Ator |
Rodger
Franco de Rogério |
Rodger
Rogério |
Música |
Compositor/Cantor |
Rogaciano
Leite Filho |
Rogaciano
Leite |
Literatura |
Poesia |
Rogério
Alencar Rafael |
Rogério
Crato |
Organização Produção |
Produtor
Executivo |
Francisco
Rogério Soares Costa Sousa |
Rogério
Soares |
Música |
Compositor |
Ronald
Carvalho Correia Lima |
Ronald |
Música |
Músico-Banda Perfume Azul |
Rosane
Maria Limaverde Costa |
Rosane
Limaverde |
Teatro |
Direção
Teatro |
Antônio
Rosemberg de Moura |
Rosemberg
Cariry |
Cinema/Poesia |
Curta
Metragem |
Sérgio |
Sérgio
Entalhador |
Artes
Plásticas |
Entalhes
em Madeira(Carirí) |
Sérgio
Sales Pinheiro |
Sérgio
Pinheiro |
Música/Artes Plásticas |
Compositor/Artista Plástico |
Francisco
Sidbert Francklin |
Sidbert |
Música |
Músico-Banda Perfume Azul |
Silas de
Paula |
Silas de
Paula |
Fotografia |
Geral |
Stelio
Romero do Valle |
Stélio
Valle |
Música |
Compositor |
Eugênio
Gustavo Nornando Stone |
Stone |
Música |
Músico-Guitarra/Bateria |
Tânia
Barbosa Cabral de Araújo |
Tânia
Araújo |
Música |
Compositora/Cantora |
Tarcísio
Garcia |
Tarcísio
Garcia |
Artes
Plásticas |
Desenho
Bico de Pena |
José
Tarcísio Lopes Ferreira |
Tarcísio
Lopes |
Música |
Músico-Flauta/Sax |
Maria
Elisete Morais de Oliveira |
Teti |
Música |
Cantora |
Vicente
Lopes Frota |
Vicente
Lopes |
Música |
Compositor/Cantor |
Vicente
Vitoriano |
Vicente
Vitoriano |
Artes
Plásticas |
Desenhos |
Wagner
Pereira Cavalcante Costa |
Wagner
Costa |
Música |
Compositor/Cantor |
Walderedo |
Walderedo |
Artes
Plásticas |
Regional(Carirí) |
Walmir
Paiva |
Walmir
Paiva |
Artes
Plásticas |
Regional(Carirí) |
Walter
Franco |
Walter
Franco |
Música |
Compositor/Cantor(São Paulo) |
Wilson
Carrilho |
William |
Música |
Músico-Banda Perfume Azul |
José
Antônio da Silva Maia |
Zé
Maia |
Música |
Músico-
Bandolim/Guitarra |
José
Pinto |
Zé
Pinto |
Artes
Plásticas |
Esculturas Sucatas/Ferro/Madeira |
José
Ramalho |
Zé
Ramalho |
Música |
Compositor/Cantor(Paraíba) |
Zenor (
esposa do Zé Pinto) |
Zenor |
Artes
Plásticas/Culinária |
Pinturas
Roupas/Comidas Típicas |
Maria
José Miranda Fonteles |
Zezé
Fonteles |
Música |
Cantora |
José
Silva Lima |
Zico |
Teatro |
Ator |
|
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Esta lista é parcial, agradeceremos se você nos informar
outros nomes de participantes, para torná-la mais completa na medida
do possível. |
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