Parte da Monografia de Vanderly Campos de Oliveira, enviada à Aura Edições Musicais em 26/06/2000.
Aborda com riqueza de citações e excelentes detalhes, O Pessoal do Ceará e Massafeira, na cena cearense / brasileira.
Em reconhecimento à importância, disponibilizamos  itens condensados do trabalho e opiniões de responsabilidade da autora.



O PESSOAL DO CEARÁ E A MASSAFEIRA

Parte da Monografia à UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
Departamento de Comunicação Social e Biblioteconomia
CENTRO DE HUMANIDADES
Orientador: Prof. Dr. Gilmar de Carvalho

Vanderly Campos de Oliveira
Bacharel em Comunicação Social
Todos os Direitos Reservados
© Copyright da Autora
Fortaleza – Ceará / 2000
Monografia Condensada, Autorizada pela Autora
Cessão de Publicação à Aura Edições Musicais


Vanderly, é com agradecimento e emoção que li o imenso trabalho de pesquisa e idéias bem articuladas e criativas que iluminam  caminhos de entender, impressos em sua monografia.
Em quase todos momentos você reconstitui fatos com tal fidelidade que fica-se a imaginar que acompanhou ao vivo detalhes do nosso gigantesco esforço de trabalho grupal ao realizar estes eventos sem clones até hoje.

Meu reconhecimento ao Mestre Gilmar de Carvalho, seu orientador e brilhante fonte de energia,  depositário legítimo de informações de nossa cultura e arte .

Aos que desejarem  conhecer outras matérias,  pontos de vistas e informações sobre o assunto, é só clicar em Massafeira .

Acredito que todos que participam da linha evolutiva do fazer que este assunto aborda, também agradecem a dedicação e empenho com os quais vocês se devotaram ao realizá-lo.

Abraços do Ednardo
28/12/2002

CAPÍTULO II - "O Pessoal do Ceará": abrindo porteiras, conquistando espaços

Neste capítulo vamos acompanhar a trajetória de uma geração de artistas que surgiu no Ceará na década de 60 e conquistou o Brasil, mostrando uma música que rompia as barreiras do regionalismo folclórico, fundindo elementos da cultura popular e da cultura de massa, traduzindo o universal pelo regional.

2.1 - Anos 60: tempo de sonho, luta, esperança e desespero  - projeto utópico de uma geração

A década de 60 entrou para história e permanece no imaginário coletivo como um momento único da história da humanidade - momento em que corações e mentes de jovens do mundo inteiro convergiam para a construção de uma sociedade mais igualitária, pacífica, democrática política, social e culturalmente - embora para se chegar a essa Utopia o caminho, às vezes, passasse pela luta armada.

Uma época em que os sonhos eram coletivos, o desejo dos jovens era morar em comunidades e o movimento hippie - cabelos compridos, dedo em V, roupas super coloridas e o slogan "paz e amor" - se espalhou pelos quatro cantos do mundo. Tempo de Beatles e Rolling Stones, mas também de passeatas, golpes militares, guerrilhas... Tempo de luto e luta, esperança e desespero de uma geração que sonhava e pagava com a própria vida o preço do sonho.

"Na verdade, a aventura dessa geração não é um folhetim de capa-e-espada, mas um romance sem ficção. O melhor do seu legado não está no gesto - muitas vezes desesperado; outras, autoritário – mas na paixão com que foi à luta, dando a impressão de que estava disposta a entregar a vida para não morrer de tédio. Poucas - certamente nenhuma depois dela - lutaram tão radicalmente por seu projeto, ou por sua utopia. Ela experimentou os limites de todos os horizontes: políticos, sexuais, comportamentais, existenciais, sonhando em aproximá-los todos. " (ZUENIR VENTURA, 1988)

Esse espírito de mudança, esse descontentamento com o modelo de sociedade que estava posto, já se fazia sentir na década de 50, embora tenha irrompido de vez na década seguinte, e se traduzia na recorrente utilização do adjetivo "novo" que traía todo o espírito de uma época: bossa nova, cinema novo, teatro novo, arquitetura nova, música nova. Acrescente-se a isso os estudos desenvolvidos no ISEB, calcados na oposição entre a velha e a nova sociedade.

Nessa perspectiva é possível dizer que as palavras-chave da década de 60 eram juventude e movimento. Uma juventude que pretendia transformar a sociedade e conscientizar a população. Ainda não haviam chegado ao Brasil as idéias de Adorno acerca da indústria cultural e da sociedade de massa.


- "um espaço onde praticamente não mais existem conflitos (...), sociedade marcada pela unidimensionalidade das consciências (...)" (RENATO ORTIZ, 1994).


É só a partir do final da década de 60 e início de 70 que os intelectuais brasileiros vão se voltar para o tema. A mídia daqueles jovens era o cinema, a música, o teatro, a literatura. A televisão ainda não tinha o poder e o alcance que tem hoje. Com idéias forjadas pela leitura de autores como Marx, Mao, Guevara, Lukács, Gramsci, Marcuse, Sartre entre outros, a "geração sessenta" discutia, participava, questionava tudo.


"Era difícil ser indiferente naqueles tempos apaixonados. Também, havia muito o que discutir. Discutia-se nas universidades, nas assembléias, nas passeatas, nos bares, nas praias: a altura das saias, o caráter socialista da revolução brasileira, o tamanho dos cabelos, os efeitos da pílula anticoncepcional, as teorias inovadoras de Marcuse, as idéias de Lukács, o revisionismo de Althusser." (ZUENIR VENTURA, 1988)


A emergência dessa consciência política foi resultado não só das idéias transformadoras vindas de fora, mas de um momento crucial por que passava o país. O modelo desenvolvimentista implantado por Juscelino não fora capaz de resolver as contradições da economia brasileira. A sociedade brasileira encontrava-se naquele momento diante de um impasse.


"... Já não haviam mais possibilidades políticas e econômicas para a conciliação entre a ideologia nacionalista e o capitalismo associado dependente. Além disso, as contradições entre as classes sociais, tanto nas cidades como no campo, haviam-se aguçado. " (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)


Surgem, nesse momento, os movimentos sociais que marcaram a década. O movimento operário nas cidades, as Ligas Camponesas no campo, a mobilização de intelectuais, artistas, profissionais liberais e, articulando tudo isso, o movimento estudantil. Antes do golpe militar de 64, esse movimento já mostrava sua força através do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes. Entidade autônoma financeira e administrativamente, o CPC era o órgão cultural da UNE e reunia grande número de jovens artistas, dramaturgos, atores, compositores, cineastas, artistas plásticos, poetas e líderes estudantis, além de pessoas de fora do movimento, geralmente intelectuais e artistas.


"... O CPC tinha um projeto intelectual bem definido: a elaboração de uma cultura 'nacional, popular e democrática'. Partindo da máxima fora da arte política não há arte popular', o movimento objetivava desenvolver uma práxis de conscientização política junto às classes populares, propondo-se a extrair dai possibilidades reais de participação efetiva dessas camadas na luta pela emancipação política e cultural da sociedade brasileira. " (MARY PIMENTEL AYRES, 1994).

"Quando os militares deram o golpe de 64, abortaram urna geração cheia de promessas e esperanças.(...) As reformas de base de João Goulart iriam expulsar o subdesenvolvimento e a cultura popular iria conscientizar o povo. (... )" (ZUENIR VENTURA, 1988)


Com o golpe militar, o movimento estudantil chamou para si a responsabilidade de mobilizar a sociedade para lutar contra a ditadura.

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2.1.1 - Golpe Militar-64: fechamento político e integração nacional

Não cabe, no âmbito desse trabalho, analisar as questões políticas e econômicas que desencadearam a "revolução" que instaurou a ditadura militar no Brasil em 1964, mas suas conseqüências na produção cultural do país. O regime autoritário instaurou a censura e impôs o silêncio à sociedade. A cultura - música, cinema, teatro, pintura etc. - passou a ser o único canal possível de expressão política. Presencia-se, nesse momento, uma politização de todos os espaços criativos. Da música à roupa, tudo era perpassado pelo discurso do engajamento político.

"Os que viveram intensamente aqueles tempos guardara a impressão de que não faziam outra coisa: mais do que fazer amor, mais do que trabalhar, mais do que ler, fazia-se política. Ou melhor, fazia-se tudo achando que se estava fazendo política. A moda era politizar – do sexo às orações, passando pela própria moda, que, durante pelo menos uma estação de 68, foi 'militar': as roupas mimetizaram a cor e o corte das fardas e das túnicas dos guerrilheiros. " (ZUENIR VENTURA, 1988)


E é na cultura que o Estado vai intervir sistematicamente, na forme de um controle estrito às manifestações que se contrapunham ao pensamento autoritário. Dessa forma, a censura age como elemento disciplinador:


"... A censura não se define exclusivamente pelo veto a todo e qualquer produto cultural; ela age como repressão seletiva que impossibilita a emergência de um determinado pensamento ou obra artística. São censuradas as peças teatrais, os filmes, os livros, mas não o teatro, o cinema ou a indústria editorial. ... " (ORTIZ, 1994,)


O Estado reconhece a cultura como um campo simbólico capaz de expressar valores contrários ao seu projeto político, mas também como um espaço fundamental de propagação desse projeto. Não é, portanto, interesse do Estado, fechar os canais de manifestação e produção cultural, mas, ao contrário, financiá-los, promovê-los a fim de mantê-los tutelados, circunscritos ao poder autoritário.


"... O Estado militar não pretende restringir-se a uma ação repressora na cultura. Há o interesse em atuar na área, como forma de colocá-la sob sua orientação, justamente por perceber a dimensão e a força política da produção simbólica. ... " (ALEXANDRE BARBALHO, 1998) 


Nessa perspectiva é compreensível que a ditadura militar tenha sido "o momento da história brasileira onde mais são produzidos e difundidos os bens culturais. " (Ortiz, 1994). É nesse período que surgem entidades como o Conselho Federal de Cultura, o Instituto Nacional de Cinema, a EMBRAFILME, a FUNARTE, o Pró-Memória entre outros. Reconhecendo a importância dos meios de comunicação de massa e sua capacidade de difundir idéias, o Governo militar vai investir pesado nas telecomunicações. Em 1965 é criada a EMBRATEL. No mesmo ano o Brasil se associa ao Sistema Internacional de Satélites (INTELSAT). Em 1967 é criado o Ministério de Comunicações. Em 1968 a construção de um sistema de microondas possibilita a interligação de todo o território nacional ' .

Essa intervenção planejada do Estado na cultura não acontece apenas por parte do Governo Federal. A preocupação em promover a arte e a cultura se estende por diversos Estados da Federação. No Ceará, o Governo Virgílio Távora já havia instituído, em 1962, a Superintendência do Desenvolvimento Econômico e Cultural do Ceará. Em 1965 diversas foram as promoções que marcaram a atuação das esferas governamentais na cultura. Entre os eventos se destacou o I Festival Folclórico do Ceará promovido pelo Estado, Prefeitura e Universidade do Ceará. Esse festival mostrou a preocupação do Estado em apropriar-se da cultura popular para legitimar-se perante a sociedade. Ainda no final desse ano tomou posse o Conselho Estadual de Cultura (CEC), ligado à Secretaria de Educação e Cultura, com a finalidade de criar bibliotecas, promover as artes, propor e dar parecer sobre assuntos culturais do Governo. Mas somente no final do Governo, em 1966, foi criada a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, a primeira do gênero no país.


"Integram a Secretaria de Cultura nesse momento inicial o Arquivo Público Estadual, (... ), o Museu Histórico e Antropológico do Ceará, a Biblioteca Pública, o Teatro José de Alencar, a Casa de Juvenal Galeno e o Setor de Turismo, (...). Em lei de 1967 são criados e incorporados à Secretaria o Centro de Artes Visuais Casa de Raimundo Cela e o Museu de Aquiraz.(... )" (ALEXANDRE BARBALHO, 1998)


Uma peculiaridade da Secretaria de Cultura do Ceará é que ela foi resultado da pressão de um grupo de intelectuais para que o Estado passasse a operar no campo da produção cultural. Não se pode, no entanto, concluir daí que ela se constituiu numa instância autônoma
.

"... esta parcela de intelectuais envolvidos com o surgimento da Secretaria de Cultura acaba por estabelecer relações de dependência com os poderes políticos... " (ALEXANDRE BARBALHO, 1998)


Em relação à sociedade o pensamento militar se fundamenta na Ideologia da Segurança Nacional. Essa ideologia,


"... Concebe o Estado como uma entidade política que detém o monopólio da coerção, isto é, a faculdade de impor, inclusive pelo emprego da força, as normas de conduta a serem obedecidas por todos. Trata-se também de um Estado que é percebido como o centro nevrálgico de todas as atividades sociais relevantes em termos políticos, daí uma preocupação constante com a questão da 'integração nacional'. Uma vez que a sociedade é formada por partes diferenciadas, é necessário pensar uma instância que integre, a partir de um centro, a diversidade social. (... ) " (ORTIZ, 1994)


Dentro desse quadro, de um Estado disposto a construir uma nação unificada, os meios de comunicação desempenharam um papel fundamental, principalmente se os interesses dos donos dos meios - diante de um mercado de bens culturais promissor e em pleno desenvolvimento - se coadunavam com os interesses dos representantes do Estado autoritário.


"... Ambos os setores vêem vantagens em integrar o território nacional, mas enquanto os militares propõem a unificação política das consciências, os empresários sublinham o lado da integração do mercado. " (ORTIZ, 1994)


O Governo pretendia a integração do país, mas uma integração centralizadora, funcionando a nova capital - Brasília - como centro de tomada de decisões políticas e os estados do Rio e São Paulo, como centros de produção cultural. Dessa forma, inovações tecnológicas como o vídeo-tape e os satélites contribuíram significativamente para a consolidação do projeto militar. A constituição das redes de televisão, veículo preferido pelos militares para impor sua ideologia, centralizou a produção cultural no eixo Rio-São Paulo, reservando para as emissoras regionais o papel de repetidoras. Dessa forma procurava-se, pela padronização das manifestações culturais, minar as especificidades regionais, as formas de resistência - não através da negação das expressões regionais, mas trazendo-as para o seu território para, a partir daí, serem reelaboradas e redistribuídas para o restante do país como um produto nacional. Assim, estava garantida a unidade da Nação através, e apesar, de sua diversidade cultural.


"A unidade e a indivisibilidade (...) possuem suportes empíricos (território, leis) e suportes simbólicos (sentimento nacional, soberania popular). Evidentemente, unidade e indivisibilidade não significam ausência de diversidade. Pelo contrário, o todo é visto como internamente diversificado (por exemplo, regiões, no caso da nação; e grupos, no caso do povo), mas a diversidade é encarada apenas como pluralidade daquilo que é, em si, uno e idêntico. Não há diferença interna. " (MARILENA CHAUÍ, 1989)


É nessa perspectiva que se toma possível compreender a trajetória de sucesso dos artistas cearenses que iniciaram a carreira naquele momento. Os espaços estavam abertos para as manifestações culturais das diversas regiões, vontade e coragem de lutar, enfrentar obstáculos, desbravar o mundo não faltavam àquela geração que acreditava ter o poder transformar a sociedade. O ponto de partida era a Universidade.

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2.2 - Universidade: berço de uma geração de artistas


Quando falamos na geração "Pessoal do Ceará" logo vem à mente três nomes: Ednardo, Belchior e Fagner. Mas, no momento em que nos propomos a traçar um panorama da década de 60, no Ceará, sob o aspecto cultural, faz-se necessário referenciar uma gama de artistas que, embora não haja alcançado sucesso na mídia nacional, foi responsável por toda a efervescência artística que se observou naquele período em nosso Estado: teatro, música, dança, artes plásticas etc.

Toda essa movimentação artística começava, como não poderia deixar de ser, na Universidade. O movimento estudantil iniciou a década mostrando toda a força que mais tarde iria aglutinar os diversos setores da sociedade na luta contra a ditadura. O acontecimento que detonou esse movimento foi a decretação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei Nº 4024, 20 de dezembro de 1961.

Entre outras prerrogativas essa Lei previa a representação dos estudantes nos órgãos colegiados das Universidades. Os estatutos das Universidades, porém, não previam tal participação. Os estudantes iam ter que lutar para garantir na prática o direito previsto na Lei. Em abril de 1962, estudantes de todos o país, sob a direção da UNE, se reuniram em Porto Alegre para organizar o movimento a ser deflagrado. E não foi mera coincidência o fato de os líderes da UNE escolherem a Universidade do Ceará como centro irradiador do movimento que deveria se estender a todas as Universidades do pais.


"Nas reuniões da UNE em Porto Alegre, quando chegou a vez da situação dos estudantes na Universidade do Ceará, o exame não se revestiu de muita complexidade. No consenso dos líderes integrantes da UNE ali reunidos, no Ceará tudo seria facilitado, pelo excelente relacionamento do Reitor com o alunado. " (MARTINS FILHO, 1996)


Imaginava-se que o objetivo dos estudantes iria ser alcançado com facilidade na Universidade do Ceará, o que aumentaria as chances de vitória nas Universidades do resto do país. O que não se presumia era que o "excelente relacionamento do Reitor (de orientação política antiesquerdista) com o alunado" não comportava sublevações. Assim, a "greve do terço", como ficou conhecida, se estendeu do dia 22 de maio ao dia 27 de julho de 1962, quando todas as dependências da Universidade foram ocupadas por tropas do exército. O Reitor jamais aceitou qualquer responsabilidade pelo resultado do movimento.


"... Se houve erro, foi da parte dos estudantes que, influenciados pelo radicalismo dos agentes de Cuba e de Moscou, procuraram tumultuar a Universidade, destruindo em grande parte aquilo que me parecia essencial, ou seja, o otimismo e o entusiasmo no meu trabalho, em favor da educação superior no Ceará. " (MARTINS FILHO, 1996) – (Antônio Martins Filho foi Reitor da Universidade do Ceará durante doze anos desde a sua fundação, assumindo o cargo por quatro mandados consecutivos (anos: 1955 à 1958, 1958 à 1961, 1961 à 1964, 1964 à 1967)


O que nem o Reitor, nem os demais representantes do Poder, quis entender e aceitar é que aqueles jovens também eram otimistas e entusiasmados e só estavam lutando pelo seu direito de participação nas tomadas de decisões e nos debates sobre as emergentes questões nacionais. A preocupação do movimento estudantil ultrapassava as fronteiras da Universidades e alcançava a problemática situação política e econômica por que passava a sociedade brasileira naquele momento. Ao reprimir os estudantes com as tropas do Exército e negar legitimidade a sua luta, o Estado estava jogando fora a possibilidade de uma sociedade mais participativa, solidária, cidadã. Por isso o cronista do Jornal do Brasil, José Carlos de Oliveira, lamentava:


"Que belo material humano estamos jogando fora. Na clandestinidade. É com essa matéria-prima que se faz uma nação. " (José Carlos de Oliveira, cronista do Caderno B do Jornal do Brasil, citado por Zuenir Ventura no livro - 1968 O ano que não acabou - 1988)


Impossibilitados de participar e intervir politicamente de forma direta, os estudantes direcionaram seu potencial revolucionário e criativo para a cultura. O Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE se constituiu no foco de irradiação da efervescência cultural que dominou a década. Propondo uma arte revolucionária, engajada, o CPC objetivava conscientizar as classes populares e tinha como projeto a elaboração de uma cultura " nacional, popular e democrática".


"O engajamento na arte expressa-se quando o artista pretende ser popular, e ser popular é identificar-se com as aspirações fundamentais do povo, quando se une ao esforço coletivo de lutar pelo seu projeto de existência que pode ser traduzido como a luta por sua emancipação política." (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)


No Ceará, em 1963, o Centro Popular de Cultura da União Estadual dos Estudantes realizou diversas atividades artísticas e culturais, com destaque para o teatro e a música. O Centro, na época, era dirigido por Augusto Pontes - jornalista, publicitário, compositor - um dos personagens centrais da história dessa geração, inclusive quando da reaglutinação no movimento Massafeira. No teatro se destacavam nomes como Aderbal Freire Filho, José Alberto Cavalcante, Carlos Paiva entre outros. Eram encenadas peças de autores nacionais e estrangeiros. Os shows musicais apresentavam um repertório marcadamente bossanovista mas já aliado a um conteúdo de protesto influenciado pelas músicas de Edu Lobo, Carlos Lyra, João do Vale e Nara Leão.

Esse movimento de teatro e música que surgiu no CPC reuniu artistas e músicos que acabaram organizando um grupo de grande expressão na época: o CACTUS, criado em 1964, abrigando nomes como Olga Paiva, Iracema Melo, Sérgio Costa, Nonato Pereira, Renatinho e Cláudio Pereira.' Com o país já vivendo os duros tempos do regime militar, o grupo CACTUS ousava apresentar shows de caráter notadamente subversivos para os padrões da época, despertando a revolta nos grupos mais reacionários.


"...O grupo CACTUS uma vez apresentando-se na ultraconservadora Casa de Juvenal Galeno, empolgou o público com a música de protesto 'Operário em Construção' de Vinícius de Morais, mas ao mesmo tempo, criou uma reação negativa: 'Comunistas invadem a casa de Juvenal Galeno e apresentam a subversão' ..." (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)


Toda a produção cultural de Fortaleza na década de sessenta se concentrou na Universidade e se irradiou a partir dela:


"... Podemos falar, sem medo de errar, numa conseqüência, num fruto da atividade da instituição universitária, com toda a discussão que gerou, com a ampliação de espaços, com o aprofundamento de questões. " (GILMAR DE CARVALHO, 1983/1984).


Inclusive parte das produções teatrais adaptadas para a TV Ceará, no início da década, saiam do Curso de Arte Dramática do Teatro Universitário.


"A chegada de B. de Paiva, contratado pela Universidade do Ceará, trouxe um grande alento ao teatro de nossa terra.. " Pode-se dizer que num primeiro momento, a televisão buscou se legitimar através do teatro. A inclusão da Comédia Cearense (Canção dentro do Pão ) e do Curso de Arte Dramática (A jangada não voltou) na comemoração inaugural da tevê reforça essa afirmativa. Na seqüência da programação normal, um dominical Teatro Universitário na TV que reprisou o original de B. de Paiva (A jangada) e levou ao vídeo 'Madrugada 27', também de B. de Paiva (...)" (GILMAR DE CARVALHO, 1985)


O recrudescimento das tensões políticas e da perseguição ao movimento estudantil a partir do golpe militar de 64, acabou por dispersar o grupo que tinha como espaço o DCE. Mas essa dispersão foi apenas temporária. Já em 1965 recomeçava a articulação dos artistas, tendo o movimento agora se deslocado para outros pontos da universidade.

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2.2.1 - Novos pontos de articulação: Institutos Básicos, Faculdade de Arquitetura, Bar do Anísio

A repressão política dispersou aquele grupo mas não conseguiu barrar o movimento cultural que se desenvolvia na Universidade. Em sintonia com o que estava acontecendo no restante do país, os universitários cearenses insistiam e não entregavam os pontos. Estavam todos no mesmo barco, lutando contra um inimigo comum - a ditadura militar. Era a característica marcante daquela geração: a ânsia de expressar-se, o agrupar-se, o fazer coletivamente.

"O fato é marcante demais para ser atribuído ao acaso. E nada se faz sem ser reflexo ou projeção de uma situação geral, num contexto mais abrangente. "Esta geração teria ganho uma consciência do fazer cultural, se engajando ou não numa militância, mas inegavelmente, qualquer que tenha sido o caminho escolhido, ficou com esta angústia de se expressar." (GILMAR DE CARVALHO, 1983/1984)


Nessa perspectiva, o movimento dos artistas apenas se deslocou dentro da própria Universidade. Em 1965 o ponto de convergência da atividade artístico-cultural de Fortaleza passou a ser os Institutos Básicos - Física, Química e Matemática, principalmente no Instituto de Física. Nesse momento começam a surgir em cena os nomes que constituiriam aquele que ficou conhecido para o Brasil como "O Pessoal do Ceará": Rodger Rogério, Francis Vale, Antônio Carlos, Brandão, integraram-se ao CACTUS e organizaram um cine-clube com apresentação de filmes, shows musicais e debates. Nesse segundo momento a atividade do CACTUS rompeu os limites da cidade de Fortaleza e estendeu o movimento ao interior do Ceará e estados vizinhos.


"... Com características mambembes, foram organizadas as "caravanas" que tinham o objetivo de disseminar a mobilização em outras regiões do estado: Juazeiro, Barbalha, Vaqueira, Iguatu, como também no estado do Rio Grande do Norte. " (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)


Em 1966 surge um novo grupo artístico com uma proposta diferente e mais ousada que aquela desenvolvida no CPC pelo CACTUS: O Grupo Universitário de Teatro e Arte (GRUTA) que abrigava nomes como Fausto Nilo, Antônio Carlos Coelho, Hidelberg, Braguinha, Petrúcio Maia, entre outros. Do grupo anterior vieram Augusto Pontes, Antônio José Soares Brandão e Cláudio Pereira. Nesse momento as atividades se deslocaram novamente, desta vez para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, que se tornou ponto de irradiação de um intenso processo criativo. O trabalho desenvolvido pelo GRUTA seguia a mesma linha do que havia sido feito no CACTUS, de shows musicais e teatro. A diferença é que, aqui, as produções assumem uma cor local com peças e músicas criadas por artistas cearenses.

O GRUTA ampliou significativamente o alcance das "caravanas de cultura", levando a cultura a outros estados e até ao exterior. Numa atitude ousada, como eram todas as atitudes daquela geração, organizou-se uma caravana internacional, incluindo apresentações na Argentina e Uruguai.


"As caravanas de cultura, como o próprio termo designa, consistiam na reunião e mobilização de um expressivo contingente de artistas, intelectuais e pessoas engajadas no movimento que objetivava a divulgação extensiva da criação-cultural produzida localmente aos diversos recantos e regiões do Brasil como também do exterior. " (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)


Correndo o risco de cairmos no sentimentalismo, podemos dizer que só mesmo o espírito de uma época - marcada por um desejo coletivo de participação, liberdade e solidariedade - explica a disposição daqueles artistas em atravessar o país em ônibus semi-leito para mostrar a cultura cearense. O que acontecia aqui era o reflexo do que estava acontecendo no Brasil e no mundo. Era o espírito mesmo de uma geração. As assembléias, as passeatas, os confrontos com a polícia denotam essa disposição de lutar para construir algo diferente.


"Apesar dos riscos que ofereciam, as passeatas são lembradas com doce nostalgia, talvez porque, quando a polícia deixava, elas correspondiam ao que havia de mais generoso naquela geração: a capacidade quase religiosa de comunhão, o impulso irrefreável para a doação. Se houve na história um movimento em que seus componentes não souberam o que era egoísmo, anulando-se como indivíduos para se encontrar como massa, esse movimento foi o da espetacular, pública e gregária geração de 68. " (ZUENIR VENTURA, 1988)


Mas essa juventude também tinha seu lado boêmio, como expressou Ricardo Bezerra - compositor e arquiteto - em depoimento a Mary Pimentel:


"A Arquitetura tornou-se o local de realização das tertúlias etílico-lítero-musicais e badernosas... " Assim, um bar localizado na Beira-Mar tornou-se quase que uma extensão da Universidade: o Bar do Anísio. Era lá que o pessoal se encontrava, varava a madrugada discutindo e compondo. "...O Anísio tinha bossa e pintou como o lugar para onde o pessoal ia. Foi lá que se solidificaram amizades, se formaram parcerias e no meio da madrugada, muita canção foi composta." (GILMAR DE CARVALHO, 1977)


Compositores como Rodger Rogério, Fausto Nilo, Petrúcio Maia, Brandão e Augusto Pontes, que atuavam no teatro, mais tarde vão se destacar também na música, juntamente com Ednardo, Belchior e Fagner, que se revelaram nos festivais musicais.

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2.3 - Os Festivais: revelando para o Brasil o novo canto do Ceará


O fenômeno mais significativo da década de 60, no que diz respeito à música, foram os festivais. Além dos inegáveis talentos que se firmaram no cenário artístico nacional, neles se revelaram , também, as contradições e ambivalências presentes no caldeirão cultural em que se constituiu aquele período.


"É muito importante observar o papel dos festivais de música com relação às transformações sócio-econômicas e políticas que estavam em curso naquele período da história brasileira. Através deles, as contradições emergentes eram reveladas com grande força, colocando em cheque as várias tendências políticas e culturais existentes. O caráter competitivo inserido nos festivais acentuava e, ao extremo, radicalizava certas posições políticas e artísticas. Sinalizavam um momento limítrofe, um espaço fronteiriço no que diz respeito às mudanças que vinham ocorrendo." (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)


O confronto mesmo se deu entre dois movimentos que dividira gosto da parcela mais intelectualizada da população: o movimento cepecista (canção-protesto) e o tropicalismo (cujos maiores representantes na música eram Caetano Veloso e Gilberto Gil). No entanto, não se pode negar a importância da "Jovem Guarda" - movimento influenciado pelo grupo inglês "The Beatles", comandado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia. Se, como já vimos no capítulo anterior, naquele momento emergia, no Brasil, uma cultura de massa, com a televisão se firmando como veículo de comunicação, a "Jovem Guarda" se apresenta como símbolo dessa indústria cultural emergente, instituindo padrões de comportamento e consumo.


"... O 'rei' e a 'ternurinha' davam força ao coro de rebeldia, assimilado, num instante seguinte, pelo lançamento de sapatilhas, calças, camisas, enfim, o que o sistema lucra com as estratégias mercadológicas. " (GILMAR DE CARVALHO, 1985)


Retomando o confronto entre a canção-protesto e o tropicalismo vamos observar que embora as propostas apresentassem pontos comuns – contestação ao regime militar, à estrutura econômica, social e familiar, aos valores e padrões comportamentais impostos, à dominação estrangeira - divergiam na forma de conduzir o processo transformador.


"O Brasil musical de então vivia apaixonadamente dividido, como costuma acontecer em situações radicais. Com a distância de hoje, pode-se observar que essas divisões, às vezes, estavam mais nas intenções do que nos resultados. Os conceitos de 'novo' e 'velho', com que se procurava rachar sistematicamente o país, nem sempre davam conta de um panorama mais matizado do que os olhos sectarizados podiam perceber. " (ZUENIR VENTURA, 1988)


Enquanto a canção-protesto propunha uma música engajada - comprometida com a conscientização da população, com a denúncia contra a ditadura - o tropicalismo defendia uma revolução mais ampla, antipartidária, o rompimento mesmo das estruturas arcaicas em que se fundava a sociedade brasileira. O público assimilou esse embate e o levou às últimas conseqüências nos festivais.


Nas eliminatórias do III Festival Internacional da Canção, em 1968, as vaias da torcida impediram Caetano Veloso de cantar "É Proibido Proibir". Na finalíssima, protesto contra o 1° lugar obtido por "Sabiá" - de Tom Jobim e Chico Buarque. Esperava-se, como certa, a vitória de "Caminhando" - de Geraldo Vandré. À parte as divergências, o fato é que ambos os movimentos legaram ao país os nomes mais significativos da música popular brasilei

a dos últimos 30 anos: Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivan Lins, Luiz Gonzaga Júnior, Aldir Blanc, Nara Leão, Maria Bethânia, Gal Costa entre tantos outros.


No Ceará, o movimento artístico seguia influenciado pelo que acontecia no Sul do país. Também por aqui se realizaram os festivais. Foi neles que se forjou a consciência de um trabalho musical que ganhava consistência e qualidade. Segundo Gilmar de Carvalho, foi a fase da aprendizagem para aquela geração.


"... Os festivais, por sua vez, ao invés de separar pelo caráter de competição, juntava mais a turma. Era a certeza de que havia um trabalho, um processo e de que todo mundo estava perseguindo a mesma meta, apesar de serem diversos os caminhos. " (GILMAR DE CARVALHO, 1977)


Praticamente todos os artistas envolvidos com a atividade musical no Ceará, naquele momento, participaram dos festivais. E foram muitos: Rodger Rogério, Petrúcio Maia, Fausto Nilo, Fagner, Jorge Melo, Ricardo Bezerra, Ednardo, Lauro Benevides, Cirino, Luís Fiúza, Belchior, Sérgio Pinheiro, Pretextato Melo, Dedé e Maninho, para citar apenas alguns. E, atuando como uma espécie de mentor desse movimento, Augusto Pontes, personagem presente onde quer que despontasse uma algazarra criativa. Ele acompanhou - como compositor, animador cultural, produtor, aglutinador de idéias - toda a trajetória dessa geração até o reencontro no final da década de 70, no movimento Massafeira, como veremos no próximo capítulo. (...)

O Ceará tornou-se, então, pequeno para as aspirações daquele artistas. Não dava para ficar andando em círculos, reinventando as coisas nos mesmo lugares para o mesmo público. Um público pequeno, diga-se de passagem. E, como não existiam aqui os meios de produção e divulgação do trabalho em escala maior, o jeito era ir ao encontro destes meios lá onde eles estavam centralizados: no Centro-Sul.


"O que a nova safra de compositores podia fazer, ela o fez. Soube, heróica e impavidamente ocupar todas as brechas nos 'mass media'. Ninguém pode acusá-los de estrelismo, esnobismo ou qualquer coisa desse tipo. Mas não dava para passar a vida inteira cantando nas festinhas familiares, fazendo apresentações nos programas do Canal 2 ou inventando festivais todo mês. Impôs-se, fortemente, a necessidade de falar para um público maior. A decisão não deve ter sido fácil. Estavam todos diante do impasse: resistir na terra (correndo o risco de não acontecer) ou alçar vôo. (GILMAR DE CARVALHO, 83/84)

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2.3.1 - A arribação: "O Sul, a sorte, a estrada me seduz..."

"... Alegres ou tristes somos um povo que canta" . E anda ... Poderíamos acrescentar: e dança, e sorri, e faz peraltices etc. Existiriam, mesmo, traços característicos inerentes à personalidade do cearense que o diferenciasse dos demais componentes do povo brasileiro? Parsifal Barroso defende que sim:

"Embora o cearense se pareça com o brasileiro a muitos respeitos, sua presença sempre se assimila por uma modalidade própria de ser, de falar, de agir e de afirmar-se, que se não confunde com qualquer outra. ... " (PARSIFAL BARROSO, 1969).


Várias foram as determinações históricas que contribuíram para forjar esse ser migrante, moleque, inquieto, astuto. A predominância do elemento indígena na colonização da província 


"Ficou-nos, também, a tradição da extrema jovialidade dos nossos aborígenes; crianças grandes num mundo maravilhoso, palradores, risonhos, amantes de danças e folguedos. " ... (FERNANDES, 1977).


O desenvolvimento da pecuária extensiva como base da economia, o que obrigava a uma constante migração, acompanhando o leito dos rios, em busca de novos pastos.


"Eis que dentro do silêncio maior do sertão vem subindo um ruído compassadamente monótono, difusamente anônimo. Pesados passos batem a areia frouxa dos caminhos de fora, insinuam-se, devagarinho, rios acima, e, num ritmo preguiçoso, ultrapassam os taboleiros, entram os boqueirões, atingem as caatingas e multiplicam-se, afinal, num tropel que enche dois séculos. São as boiadas, - e a sua marcha potamocêntrica marca os tempos repousados e dolentes das toadas dos tangerinos, que vão embalar, num rústico acalanto, os ecos longínquos das quebradas. " (FERNANDES, 1977

As boiadas também desenvolveram no cearense a capacidade de enfrentar adversidades de adaptar-se aos meios inóspitos, o que lhe confere um caráter passional, rude.

"Dentro dessa perspectiva, portanto, bem se poderá admitir que se externem formas passionais de radicalismo, oriundos dessa indiferença espar

ana, que leva o cearense a desamar a vida, enfrentando inopinadamente riscos inúteis com uma belicosidade à flor da pele, bem própria de quem plasmou sua personalidade na civilização do couro e se acostumou a lutar como se estivesse brincando." (BARROSO, 1969)


Poderíamos explicar a necessidade dessa geração de artistas migrar para o Centro-Sul como uma imposição mercadológica determinada pela centralização dos meios de produção cultural no eixo Rio-São Paulo. Mas não podem esquecer a herança indelével de nossos antepassados indígenas - raça andeja, nômade, coletora - que juntamente com o europeu (não só os portugueses, mas também franceses e holandeses) - aventureiro, desbravador - constituíram a base de nossa formação étnica.


"Nunca perde, pois, o cearense a inquietação territorial dos antepassados, que lhe dá a ânsia de situar em diferentes espaços as suas atividades. " (FERNANDES, 1977).


Essa inquietação também poderia ser traduzida como uma herança mística da eterna busca da terra prometida.


"... O selvagem sempre viveu a perseguir mitos e a incorporá-los à sua existência imediata. (...) Os tupis subiam a costa à procura da 'terra onde se não morria'; por todo o hinterland fervilhavam os iluminados, criando psicoses gregárias com o fácil acenar duma próxima era de juventude eterna e de eterna abundância.(...)" (FERNANDES, 1977)

O mito agora seria o sucesso na mídia. A "terra prometida", São Paulo e Rio de Janeiro, como expressa a música "Carneiro" - de Ednardo e Augusto Pontes. Aliás, essa música sintetiza o que seria "o modo de ser cearense", na perspectiva defendida por Yaco Femandes e Parsifal Barroso: a migração, a irreverência, os mitos, a fé em Deus - instância superior que vai livrá-lo dos perigos - em toda a sorte de jogos. (...)

Assim, armados de talento e coragem, partiram rumo ao Sul. (...) Belchior, Fagner, Ednardo, Rodger Rogério, Teti, Fausto Nilo, Manassés, Jorge Melo,. ... Não formavam um grupo, mas a necessidade os obrigou muitas vezes a unir-se para enfrentar a batalha.
CARNEIRO - Ednardo e Augusto Pontes

"Amanhã se der carneiro, carneiro
vou embora daqui pro Rio de Janeiro
as coisas vêm de lá, eu mesmo vou buscar
e vou voltar em vídeo-tapes e revistas super coloridas
pra menina meio distraída
repetir a minha voz
e Deus salve todos nós
e Deus guarde todos vós "
"Tínhamos, que entrar na luta, na batalha. Morávamos num quitinete pequeno em Nossa Senhora de Copacabana. Na época do calor violento no Rio, deixávamos a porta aberta para ventilar, e, toda noite a gente revezava para que todos tivessem a chance de dormir com a cabeça para fora do corredor que era o local mais ventilado. Depois fomos para São Paulo e ficamos morando numa casa em Pinheiros quase um ano. A casa estava prestes a ser demolida, mas o seu proprietário deixou a gente ficar lá com a condição de continuar derrubando a casa. E o jeito foi ficar, mudando-se de um quarto para o outro... (... ) Ao lado da casa tinha uma construção onde trabalhavam operários, em grande parte nordestinos. eles formavam platéia para a gente. O bairro era universitário e muitas pessoas iam tomar cachaça com a gente."
 (Entrevista com EDNARDO concedida à MARY PIMENTEL AIRES, 1994)

As dificuldades, no entanto, não desanimaram aquela turma. Havia espaço na mídia, naquele momento, para os valores regionais, especialmente os nordestinos. A indústria fonográfica assimilou o discurso da integração nacional, (...) e passou a explorar o "filão" da música regionalista. Embora resistindo a aceitar essa rotulação, os compositores cearenses aproveitaram a brecha para mostrar seu trabalho e se firmar no cenário artístico nacional.

Ednardo, Rodger Rogério, Teti, gravaram o disco "Meu Corpo Minha Embalagem, Todo Gasto na Viagem", em 1972, (...) Em 1973, Ednardo grava o disco "O Romance do Pavão Mysteriozo", Fagner grava o disco "Manera Frufru" (...) Rodger e Teti gravam o disco "Chão Sagrado" Em 1974 Belchior grava o disco "Belchior" incluindo entre outras "Na Hora do Almoço", "A Palo Seco" – esta música também gravada anteriormente por Ednardo – em 1973 no disco "O Romance do Pavão Mysteriozo", e por Fagner em 1974 em seu segundo disco - "Ave Noturna".

Esses primeiros trabalhos são marcados pela saudade, pela angústia da partida.

"
A intensa mobilidade do cearense não impede que este arrancar as raízes e cair na estrada se faça com menos dor. "Trata-se, antes de tudo, de uma rejeição que se sente. A terra que nos gerou não é capaz de nos suportar. (... ) "Não há alegria nesta partida, mas o medo do desconhecido e o desafio de começar de novo. " (Gilmar de Carvalho 83/84)

 A angústia da partida, o medo, a insegurança diante do novo, no entanto, são superadas pela alegria de cantar a terra natal.
 A distância e a saudade operam como elemento de sublimação.
 É assim em Terral, música de Ednardo, do primeiro disco.
TERRAL - Ednardo

"Eu venho das dunas brancas
de onde eu queria ficar
deitando os olhos cansados
por onde a vida alcançar
meu céu é pleno de paz
sem chaminés ou fumaças
no peito enganos mil
na terra é pleno abril
Eu tenho a mão que aperreia
eu tenho o sol e a areia
Sou da América , Sul da América, South América
eu sou da nata do lixo
eu do luxo da aldeia
Sou do Ceará "
A esse lugar de sol e luz se contrapõe uma São Paulo fria e cinza, às dunas brancas o concreto.
CURTA METRAGEM - Rodger e Dedé

"Embaixo das marquises
nem tristes nem felizes
olhando, olhando a chuva cair
não há nada para ser feito
está tudo, tudo tão direito
a noite vem chegando
um ônibus parando
a vida, a vida é mesmo normal... 

Se é verdade que o cearense é migrante por natureza, a decisão de partir, no entanto, só é tomada quando esgotadas as chances de sobrevivência na terra.

"Tal como um amante que se deixasse prender à sua amada infiel e ingrata, o cearense prefere ficar em sua terra e somente cumpre o destino migratório, após se desiludir por inteiro, vítima dos erros e das omissões que se acumularam ao longo dos séculos." (BARROSO, 1969)


Fagner canta, no primeiro disco, a resistência em deixar o torrão natal.

ÚLTIMO PAU DE ARARA - Venâncio e Corumba e J. Guimarães

"Enquanto a minha vaquinha
tiver o coro e o osso
e puder com o chocalho
pendurado no pescoço
eu vou ficando por aqui
que Deus do céu me ajude
quem foge a terra natal
em outros cantos não pára
só deixo o meu Cariri
no último pau-de-arara..." 
Belchior não escapa à lembrança do patriarcalismo, característica marcante da sociedade nordestina, composta de famílias numerosas, onde ao grande número de filhos vêm se juntar, na casa grande da fazenda de criar, os netos, avós, genros e apadrinhados.
NA HORA DO ALMOÇO - Belchior

"No centro da sala
diante da mesa
no fundo do prato
comida e tristeza
a gente se olha, se toca e se cala
e se desentende no instante em que fala
pai na cabeceira
- é hora do almoço
minha mãe me chama
- é hora do almoço
minha irmã mais nova
negra cabeleira
minha avó responde
é hora do almoço... "
A lembrança e a saudade da terra natal vai continuar sendo cantada ao longo da carreira de cada um. Lembrado - ora pelas secas constantes do senão e pelas belezas do litoral, ora por costumes pitorescos e por fatos históricos - o Ceará vai ser tema constante das músicas de Ednardo, Fagner, Fausto Nilo, Belchior, Brandão, Petrúcio Maia, Augusto Pontes e Rodger Rogério, principais representantes daquela geração. No disco "O Berro", de 1976, Ednardo presta homenagem à heroína da Revolução de 1817 - Bárbara de Alencar.
PASSEIO PÚBLICO -  Ednardo

"Hoje ao passar pelos lados
das brancas paredes, paredes do forte
Escuto ganidos, ganidos, ganidos, ganidos
ganidos de morte
Vindos daquela janela,
é Bárbara, tenho certeza
É Bárbara, sei que é ela
Que de dentro da Fortaleza
Por seus filhos e irmãos
Joga gemidos, gemidos no ar
Que sonhos tão loucos, tão loucos, tão loucos
Tão loucos, foi Bárbara sonhar... " 
Fagner, no disco de 1976, canta um antigo costume reinante no interior do Ceará no período colonial: o rapto das "sinhás-moças", reforçando sua origem sertaneja dos rincões do Orós.
MATINADA - Adaptação Fagner - Autor desconhecido

"Arriei o Matinada
meia-noite mais ou menos
pra roubar uma morena
Na praça do Rio Pequeno
eu cheguei na casa dela
tardezinha, escurecendo
ela estava me esperando
bem na hora que nós marquemos
com o cabelo molhadinho
orvalhado do sereno... "

Extravasada a saudade, o trabalho prossegue com os compositores cearenses afirmando-se definitivamente no cenário artístico nacional. Era a confirmação do talento, a resposta àqueles que acreditavam tratar-se de mais um produto descartável da indústria cultural, fadado a desaparecer com o surgimento de novas tendências.

Rodger Rogério e Teti desistiram e retornaram ao Ceará.
Mas, Ednardo, Manassés, Fausto Nilo, Petrúcio Maia, Belchior, Fagner, seguiram em frente e se firmaram como grandes representantes da música popular brasileira com repercussão, inclusive, no exterior.

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CAPÍTULO III - MASSAFEIRA-LIVRE: palco de conflitos e conciliações

E, assim, chegamos à década de 70 com a geração de Ednardo, Belchior e Fagner já conquistando definitivamente seu espaço na música popular brasileira. Enquanto isso, uma nova safra de talentos surge por aqui, encontrando dificuldades para divulgar seu trabalho num contexto que já não oferecia oportunidade para novas propostas. No final da década essas duas gerações vão se encontrar e organizar um evento de múltiplas manifestações culturais. Um evento "massa", uma feira livre, uma Massafeira - Livre. É disso que vamos tratar neste capítulo.

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3.1 - O "Pessoal do Ceará" volta à terrinha: em vídeo-tapes e revistas supercoloridas

Vimos no capítulo anterior que no início da década de 70 os espaços estavam abertos para as propostas regionalistas, o que facilitou o ingresso dos artistas cearenses no mercado fonográfico. No entanto, a continuação do trabalho exigiu mais do que talento e coragem. (...)

A censura não é o maior "inimigo" que aqueles artistas vão enfrentar para se estabelecer no mercado fonográfico. Emerge, nesse momento, uma indústria de bens culturais que passa a se organizar nos moldes da indústria de bens materiais, dentro de um mercado nacional unificado onde esses setores se imbricam, num jogo dialético de apropriação e influência recíprocas.

É preciso situar a trajetória desses artistas dentro da perspectiva de uma indústria de bens simbólicos que se consolida no Brasil a partir dos anos 70. Já vimos anteriormente que, embora o rádio já existisse desde a década de 20 e a televisão desde a década de 50, é somente no final dos anos 60 que surgem, no Brasil, estudos sobre a Indústria Cultural e a emergência de uma cultura de massa. A efervescência cultural que dominou a década de 60 partia da Universidade. Os meios de comunicação funcionavam apenas como veiculadores das produções desenvolvidas a partir dos Diretórios e Centros acadêmicos. Com a decretação do AI-5, em dezembro de 1968, esses canais foram definitivamente fechados e os meios de comunicação - aí incluídas as gravadoras - assumiram o papel de fomentadores das atividades artística, obedecendo a critérios mercadológicos de estandardização e organização que caracterizam a Indústria Cultural na perspectiva defendida por Adorno.


"... Em todos os seus ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano, produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo. Os diversos ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo menos ajustam-se uns aos outros. Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema. Isso, graças tanto aos meios atuais da técnica, quanto à concentração econômica e administrativa.(... )" (ADORNO, 1987)


Dessa forma, perdem sentido as disputas ideológicas no campo das produções simbólicas - tão comuns na década de 60 - que colocavam em confronto cepecistas e tropicalistas. Dentro da lógica de mercado, onde as explicações justificações são fornecidas em termos tecnológicos, as diversas formas de manifestações artísticas vão ser classificadas como mercadorias, com todas , implicações que essa classificação aduz.


"As mercadorias culturais da indústria se orientam, (...), segundo o princípio de sua comercialização e não segundo seu próprio conteúdo e sua figuração adequada. Toda a praxis da indústria cultural transfere, sem mais, a motivação do lucro às criações espirituais. (... )" (ADORNO, 1987)


A noção de integração estabeleceu uma ponte entre os interesses dos empresários e dos militares. No entanto, enquanto os militares propunham unificação política da nação, os empresários assimilaram esse projeto visando ao outro lado: a integração do mercado. Dessa forma podemos dizer que todo o aparato tecno-burocrático que compõe a Indústria Cultural - rádio, televisão, gravadoras, distribuidoras, editoras, jornais etc. - não fabricam nem despertam o gosto por determinado produto a partir do nada, mas a partir de uma situação da qual se apropriam. Vejamos, por exemplo, o espaço que a música "sertaneja" vem ocupando mídia brasileira de uns anos para cá. Esse espaço se abriu e se consolidou a partir desenvolvimento da indústria agropecuária no interior dos estados de São Paulo, Goiás e Paraná, que possibilitou o surgimento de um mercado paralelo de bens materiais e simbólicos - a indumentária, os rodeios, a música etc. A esse exemplo seguiriam-se muitos. Os artistas que apresentam uma proposta mais ampla, que visam a algo que vai além do sucesso fácil das fórmulas preestabelecidas, têm consciência da dimensão do problema a enfrentar. Ednardo fala, com a propriedade de quem tem procurado de diversas formas escapar a esse esquema triturador, do funcionamento desse sistema.


"Enquanto uma composição não entrava para o esquema de divulgação intensiva e pelos principais veículos de comunicação, ficava no completo desconhecimento por parte do público (...) tomando como base a política das gravadoras de disco o que se assistia era o aproveitamento de artistas sintonizados com toda uma política mercadológica e econômica previamente estabelecida. A mistificação de um determinado artista, corroborava com o padrão de idolatria de uma meia dúzia, a necessidade de se forjar ídolos, em função meramente das vendagens de discos e de investimentos financeiros de fazer divulgar o estabelecido. " (MARY PIMENTEL AIRES, 1994)


A Indústria Cultural segue as diretrizes do desenvolvimento econômico de determinados setores, mas também alimenta esse desenvolvimento na medida em que publiciza estilos de vida, fomentando o consumo de determinados produtos.


"... Sendo a cultura de massa, o mais das vezes, produzida por grupos de poder econômico com fins lucrativos, fica submetida a todas as leis econômicas que regulam a fabricação, a saída e o consumo dos outros produtos industriais: ' o produto deve agradar ao freguês', não levantar-lhe problemas; o freguês deve desejar o produto e ser induzido a um recâmbio progressivo do produto. Daí as características aculturais desses mesmos produtos, e a inevitável ' relação de persuasor para persuadido', que é, indiscutivelmente, unta relação patemalista, estabelecida entre produtor e consumidor.

"... A cultura de massa é um fato industrial e, como tal, sofre muitos dos condicionamentos típicos de qualquer atividade industrial. " (Humberto Eco, 1993)


Dentro desse quadro, compreende-se a abertura de espaço naquele momento, na mídia brasileira, para os artistas nordestinos - no caso específico, os cearenses - como uma apropriação de uma situação propícia à manifestação das diversidades culturais. Situação forjada pela propaganda ideológica do regime militar de uma "Mitologia Verde-Amarela":


"... A mitologia verde-amarela foi elaborada ao longo dos anos pela classe dominante brasileira para servir-lhe de suporte e de auto-imagem celebrativa (... )" (MARILENA CHAUÍ, 1989).


Os artistas, como toda a sociedade, não estão alheios nem fora desse jogo de apropriação.


"... O universo das comunicações de massa é - reconheçamo-lo ou não - o nosso universo; e se quisermos falar de valores, as condições objetivas das comunicações são aquelas fornecidas pela existência dos jornais, do rádio, da televisão, da música reproduzida e reproduzível, das novas formas de comunicação visual e auditiva. Ninguém foge as essas condições(... ) " (HUMBERTO ECO, 1993)


Diante dessas circunstâncias o que pode fazer o artista que almeja mostrar seu trabalho a um público maior? Entrar no esquema e encontrar nele brechas através das quais possa desenvolver suas propostas. E isso os artistas cearenses fizeram, dentro das possibilidades e das perspectivas de cada um. Em 1974, Ednardo lança seu primeiro LP solo - "O Romance do Pavão Mysteriozo - pela gravadora RCA.

Se o disco - "O Pessoal do Ceará..." - pode ser traduzido como uma crônica da chegada, esse primeiro trabalho individual de Ednardo é:


"...
Afirmação de presença, de quem tomou pé da situação e já sabe o que falar. O discurso é ainda muito marcado pelo trauma do choque cultural, mas dá início a um processo de 'digestão'. Ele explica porque foi, ainda é preciso. " (GILMAR DE CARVALHO, 83, 84).

Num "Avião de Papel", ou num "Alazão", torcendo pelo "Carneiro" e pelas chuvas para as bandas de cá, (idéia contido na música "Água Grande" - de Ednardo e Augusto Pontes - do LP "O Romance do Pavão Mysteriozo), Ednardo vai fazer uma viagem poético-imagético-musical que não cabe em rótulos. Sem levantar bandeiras e dentro das limitações impostas pelo mercado, ele segue uma linha criativa que se constrói a partir de influências rurais e urbanas, misturando elementos da literatura de cordel, frevo, rock, maracatu, samba etc.

Disso não se conclua que desse aparente caos sai a desordem porque é daí que surge a coerência multifacetada de sua proposta. Ednardo tem realizado, sem fórmulas - ao longo de 27 anos de carreira, doze discos, quatro trilhas sonoras de filmes - uma alquimia sonora que escapa a classificações.


Sobre o discurso musical de Ednardo ver excelente trabalho de Gilmar de Carvalho: Referências Cearenses na Comunicação Musical de Ednardo - Rev. Com Social, Fortaleza (jan./dez./1983/1984
)

Em 1975, Fagner grava seu segundo disco - "Ave Noturna", continuando uma trajetória em que vai se revelar como um dos grandes intérpretes da música popular brasileira. Dentro de uma proposta de diversificação de seu trabalho Fagner vai estabelecer parcerias com inúmeros compositores e poetas ao longo da carreira - entre eles Fausto Nilo, Ferreira Gullar, Climério, Chico Buarque, Petrúcio Maia, Abel Silva. Fagner atuou também no lado da produção. Como diretor artístico da CBS, responsável pelo selo Epic, produziu discos de Amelinha, Ricardo Bezerra, Manassés, Petrúcio Maia, Robertinho de Recife entre outros.

Seguindo uma linha poético-literária, Belchior lança em 1976 seu segundo LP - "Alucinação". O disco superou todas as expectativas de vendas e a música "Apenas um Rapaz Latino-Americano" ocupou o primeiro lugar nas paradas de sucesso do Rio e de São Paulo durante seis semanas.

Enquanto isso, Fausto Nilo segue carreira, consolidando-se como um dos mais importantes compositores brasileiros, com músicas gravadas por grandes nomes da música popular. Manassés faz excursões pela Alemanha, França e Inglaterra e grava um disco instrumental pela CBS em 1979. Petrúcio Maia também grava pela CBS "Melhor que Mato Verde" - em 1980.

A "profecia" de Augusto Pontes, na música "Carneiro" - "... E vou voltar em vídeo-tapes e revistas supercoloridas..." - enfim se realizara. Em 1976, a música "Pavão Misterioso", de Ednardo, foi incluída na trilha sonora da novela "Saramandaia", da Rede Globo, garantido ampla divulgação de seu trabalho. Ainda em 1976, Elis Regina grava "Como Nossos Pais" no disco "Falso Brilhante", contribuindo para um maior divulgação do trabalho de Belchior. E, em 1978, a música "Revelação", de Clodo e Climério, gravada por Fagner no disco "Quem Viver Chorará", ocupou espaço entre as dez músicas mais executadas nas rádios do país por várias semanas. Já dava para voltar... E eles voltaram.

Nota do Editor: O Trecho da Letra "profecia" - "E Vou voltar em vídeo-tapes e revistas super coloridas... na música Carneiro é de Ednardo

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3.2 - A geração pós -"Pessoal..."

Enquanto Ednardo, Belchior e Fagner trilhavam o caminho do estrelato no Sul, surge em Fortaleza uma nova geração de artistas. Nomes como Alano Freitas, Stélio Vale, Graccho Silvio, Caio Silvio, Célio Loureiro, Tarcísio Lopes, José Maia, Ferreirinha, Vicente Lopes, Elaine Batista, Betty Albano, Capri, Chico Pio, Lúcio Ricardo, Mona Gadelha, Calé Alencar entre outros começam a chamar a atenção nos shows "Aves do Céu", "Rodagem", "Aqui e Agora" e na peça "Cancão de Fogo". Esse pessoal apresenta propostas musicais diferenciadas. Alguns, como Lúcio Ricardo, tentam fazer rock, enfrentando - além das dificuldades impostas pelo mercado - problemas técnicos, inclusive da falta de equipamentos adequados. Mary Pimentel Aires, 1994)

"... O resto do pessoal segue as passadas dos cearenses que emigraram ou que apareceram antes, ou seja, uma recodificação a nível urbano de um universo nordestino, tudo isso situado num Brasil pós 68. " (Gilmar de Carvalho, 1977). Outro espaço importante para a divulgação desses novos valores foi o Festival da Credimus, patrocinado pelo Jornal O POVO, que durante quatro anos - de 1976 a 1979 - revelou nomes e mostrou as novas tendências da música cearense.

Contrariando a tradição mística de arribar em busca da terra prometida, essa geração optou por ficar no Ceará. Vislumbravam a possibilidade de fazer aqui o seu trabalho, de já não ter que abandonar sua gente, sua terra, suas raízes em busca de uma oportunidade num mercado que estava cada vez mais fechado.

Poderíamos mesmo falar de opção? Arrefecido o movimento universitário após o AI-5 e passado o "boom" da música regionalista, o mercado fonográfico já estava focalizado em outra tendência muito mais lucrativa: a música estrangeira, que já chegava pronta, não requeria gastos com produção, estúdio, promoção de shows para divulgação. E esse é um problema que atinge a música brasileira como um todo.


"Acho que em relação ao problema da música popular, a grande dificuldade é a ação das chamadas multinacionais, a grande dificuldade é a mesma da vida brasileira em todos os setores, que se define por uma palavra antiga e fora de moda mas que vou insistir em dizer aqui: é o chamado imperialismo norte-americano (... ) No caso da música popular de consumo, isto é, aquela música que você cria para fazer discos, para cantar em TV, em rádio, em shows, aquela música popular que está inserida no campo comercial, industrial, a grande dificuldade que aí se encontra decorre da ação do já citado imperialismo norte-americano (...) No Brasil, o criador, o compositor, o cantor, têm que enfrentar primeiramente esse inimigo externo. É realmente um inimigo porque disputa uma faixa de trabalho que é a do profissional brasileiro, que aqui de fato não tem vez. " (SÉRGIO CABRAL, 1976)


Dentro dessa perspectiva, teriam os artistas dessa nova geração outra alternativa que não ficar na terra e tentar desenvolver aqui suas propostas? Essa também é uma geração urbana, universitária, mas o ambiente universitário desse momento - meados da década de 70 - era bem diferente daquele da década de 60. A ditadura militar abortara a efervescência política e cultural que partia da Universidade, mandando para o exílio ou torturando nas dependências do DOI-CODI os principais representantes político-culturais daquele movimento.

Essa nova geração já nasce sufocada pelo AI-5. Sufocada também pelos monopólios dos meios de comunicação: as gravadoras, todas multinacionais, e a Rede Globo, que naquela época, praticamente não enfrentava concorrência.


"Há 10 anos, praticamente todos os compositores da música que eu faço, da música que seu amigo chama de música de nível universitário, surgiram nas universidades. (... ) A TV, os vários canais que existiam na época, disputavam essa gente nova que estava surgindo e que estava ali fazendo música como fazia cinema e teatro (...) Hoje em dia, não há mais grêmios, não há mais diretórios funcionando de verdade e há uma só TV que funciona nesse país. Naquele tempo não, havia a TV Record concorrendo (...) Estavam todos disputando essa gente. " (CHICO BUARQUE, 1976)


Fica claro, portanto, que os artistas cearenses que despontaram naquele momento, como todos os que vieram depois deles, não fizeram simplesmente a opção de ficar aqui. Eles foram como que obrigados a permanecer no Ceará por força das circunstâncias. E não foi por falta de talento ou capacidade de enfrentar o mercado. É claro que o talento individual é fundamental para o artista se estabelecer e realizar um trabalho consistente, duradouro. Mas, para começar mesmo, para furar o bloqueio, para entrar nessa poderosa Indústria Cultural, é necessário que alguma porta esteja aberta. E parece que naquele momento todas as portas estavam fechadas para as novas propostas. Até os artistas já estabelecidos reconhecem a dificuldade de os novos compositores mostrarem seu trabalho.


"O problema do compositor novo no país é o mesmo problema do médico ou do jornalista novo, do metalúrgico novo; é um problema de encontrar vaga para trabalhar. Quer dizer: não é fácil. A gente sabe que tem gente nova que está fazendo boa música. Mas qual é o meio de pegar isso, qual é o meio que vão encontrar para divulgar essa música? Por enquanto, o que existe são os chamados meios convencionais: as gravadoras, as editoras de música e nada mais além disso. E eu realmente- não vejo um meio objetivo de ajudar o compositor novo. " (SÉRGIO CABRAL, 1976)


E aqueles artistas cearenses que já contavam com o respaldo da mídia brasileira, não podiam fazer nada para abrir caminho para os novos valores que surgiam aqui? Não no sentido patemalista de apadrinhamento e tutela, mas no sentido de movimentar a turma, trabalhar em conjunto, atrair a atenção da mídia para a movimentação cultural que estava acontecendo aqui? Eles podiam, e fizeram. O evento Massafeira foi o resultado dessa vontade de juntar todo mundo numa algazarra criativa que realmente chamou a atenção do público - da mídia, nem tanto - pelo menos durante quatro dias. 

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3.3 - Novos contextos: abertura política, novos partidos, anistia

O Massafeira aconteceu num momento de transição. O Brasil ainda vivia sob o regime militar, mas já avançava o processo de abertura política iniciada no governo Geisel. O momento era de inquietação política. As pressões em prol da anistia e a mobilização efetiva dos trabalhadores - especialmente dos metalúrgicos do ABC paulista - coadunavam-se com a ansiedade nacional de redemocratizar o país. O General João Batista Figueiredo tomava posse na Presidência da República, assumindo o compromisso de consolidar a abertura política iniciada por seu antecessor.

A partir da decretação do AI-5, (13/12/1968), a população ficou paralisada. O movimento estudantil, que comandava as manifestações arrefeceu com a prisão e exílio de seus principais líderes. Dois fatos, ocorridos ainda no governo Geisel, vão concorrer para a rearticulação do movimento e pressão das forças populares em prol de uma abertura do regime: a morte do jornalista Vladimir Herzog (25/10/1975) - e do metalúrgico Manuel Fiel Filho – (17/01/1976) - nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo. Em 1977 os estudantes voltam a se manifestar. Em 1978 eclode a greve do ABC paulista, reivindicando aumentos salariais e liberdade de organização sindical. Cresce o movimento pela libertação de presos políticos, exilados e banidos pelo regime militar. Os comitês se espalham pelo Brasil e em 19 países. As mulheres entram na luta e criam o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA). A mobilização em prol da anistia acabou por reforçar outras lutas como o movimento "Diretas Já" e o "Movimento Contra a Carestia". No Ceará, os movimentos pela não expulsão de trabalhadores assentados e de famílias moradoras de favelas em Fortaleza recebeu o apoio dos militantes da anistia.

Enfim, em 18/08/1979, o Congresso Nacional aprovou a Lei da Anistia. O projeto do governo João Batista Figueiredo, que deu liberdade a milhares de presos políticos e permitiu a volta de exilados ao país, não saiu como queriam os comitês, mas foi a anistia possível para aquele momento.


" TRECHO DA LEI DA ANISTIA

Art. 1° - É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes crimes, crimes eleitorais aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da administração direta e indireta, de fundações vinculadas ao Poder Público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos representantes sindicais, punidos corri fundamentos em atos institucionais e complementares corri diplomas legais. '


Após a anistia foram extintos os dois partidos que comandavam a política brasileira: Arena e MDB. Abriu-se espaço para o pluripartidarismo, surgindo, de início, cinco novos partidos: PMDB, PDS, PTB, PDT e PT. Esse partidos surgiram em função de uma Reforma Partidária imposta pelo governo com o objetivo de dividir o movimento de oposição ao regime. Estavam postas as condições para uma transição futura.

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3.4 - O show MASSAFEIRA-LIVRE: a algazarra criativa


Foram as águas de março do ano de 1979 que vieram banhar a capital cearense de música, teatro, dança, poesia, luz, som, imagem, ação, imaginação...
Tudo isso, e muito mais, representado por duzentos artistas, resultou num movimento que durante quatro dias - 15, 16, 17 e 18 - sacudiu o Teatro José de Alencar. Foi o Massafeira Livre, uma verdadeira algazarra num momento em que o país ainda vivia sob o mormaço da ditadura militar. No dia mesmo da abertura do Massafeira - 15 de março de 79 - o Coronel Virgílio Távora tomava posse no Governo do Estado e o General João Batista Figueiredo assumia a Presidência da República. Enquanto iniciavam-se os acordes do Massafeira, banhando de azul o palco do Teatro José de Alencar.

Fagner e Belchior, cantavam no Paulo Sarasate no show de posse de Virgílio Távora. (...) Disso não se conclui, no entanto, haver qualquer relação entre os dois acontecimentos, ao contrário.

O Massafeira, nas palavras de Augusto Pontes, um dos articuladores do movimento - a idéia mesmo partiu de Ednardo - foi "completamente sem apoio, fora da lei, não tinha nenhuma lei protegendo ". Não teve sequer o apoio da imprensa como veremos no decorrer deste tópico.

Em janeiro de 1979, Ednardo - que estava passando férias em Fortaleza - lançou a idéia e os artistas remanescentes da década de 60 se aglutinaram com os novos valores que despontavam no cenário artístico local para dar à luz, em março do mesmo ano, ao caleidoscópio de imagens, sons, letras e cores denominado Massafeira. Esse encontro, (...) numa conciliação que, à parte as divergências individuais, possibilitou a aglutinação dos esforços no sentido de realizar um movimento que mostrasse para o Brasil o que estava acontecendo em termos de arte no Ceará.

O espaço em que aconteceu esse encontro já não foi o ambiente universitário. O momento era de abertura democrática, não de fechamento, como foram os anos 60. A lógica da produção cultural, agora, é a do mercado, não a do sonho. A Universidade - como espaço de fomentação, manifestação e expressão artística – é superada pela indústria cultural. Os artistas - que no final da década de 60 se reuniram nos Centros Acadêmicos, nas casas dos amigos, participaram dos festivais de TV, dividiram apartamentos apertados nas grandes metrópoles do "Sul Maravilha", voltaram em "vídeo-tapes e revistas supercoloridas".

Fagner, Ednardo e Belchior já haviam conquistado espaço na mídia nacional e se estabelecido entre os grandes nomes da música popular brasileira. Os que despontavam aqui tentavam cavar brechas, chamar atenção, encontrar uma vaga nessa indústria cada vez mais fechada a novas propostas.

Especialmente se estas novas propostas vinham do Nordeste, (...)


"O fato é que, no final dos anos 70, o Brasil se tornou o quinto mercado fonográfico do mundo, deixando profundas marcas na indústria cultural do país. Grande parte dos investimentos externos na indústria cultural brasileira estava vinculada ao crescimento da indústria do disco nos anos 70, período em que a música pop nacional e internacional teve grande destaque ". (BRANDÃO, 1990 )


O mercado musical naquele momento era dominado pela "discothèque", fenômeno responsável pela venda de grande quantidades de discos, principalmente em 1978, na esteira do sucesso de filmes e novelas (...)

A "discothèque" veio afirmar o controle exercido pelos grandes meios de comunicação sobre o mercado discográfico, controlando todos os canais de divulgação, estabelecendo certos padrões de consumo e restringindo as informações sobre as novas propostas musicais que estavam surgindo na música brasileira.'

Dentro desse contexto podemos dizer que o Massafeira foi uma tentativa ousada de mostrar ao país o que estava acontecendo em termos de arte - não só de música - por debaixo, e apesar, das imposições mercadológicas. O Massafeira não defendia nenhuma proposta - estética, política, ideológica. Foi uma manifestação "de arte contemporânea, enraizada, espontânea, na medida em que um acontecimento desse porte possa prescindir de organização. " (Gilmar de Carvalho, 83/84).

A idéia era juntar todas as tendências numa grande feira cultural. E teve de tudo: música, artes plásticas (pintura, escultura, desenho, xilogravura), literatura (poesia, cordel), teatro, dança, cinema, artesanato e até culinária.


"O que foi que você viu nesse minuto? Um reisado pop, um xaxado blues, um tecno-galope, um rock de repente. E vídeos em super-8, e o Cariri é aqui, e Patativa do Assaré assanha a platéia com seus versos políticos. No meio da festa, gente e arte, artesanato e underground. ("20 anos depois" - artigo da jornalista ELEUDA DE CARVALHO - Caderno Vida e Arte, Jornal O POVO,13/3/99.)


Havia muita gente também. Da geração 60 vieram todos: Fausto Nilo, Brandão, Rodger Rogério, Ednardo, Teti, Petrúcio Maia, Ricardo Bezerra, Fagner, Jorge Mello, Belchior, Manassés, Francis Vale, Augusto Pontes . A nova geração estava toda ali: Alano de Freitas, Amelinha, Ângela Linhares, Caio Silvio, Calé Alencar, Chico Pio, Eugênio Leandro, Ferreirinha, Gracho Silvio, Lúcio Ricardo, Marta Lopes, Mona Gadelha, Régis Soares, Rogério Soares, Stélio Vale, Oswald Barroso, para citar apenas alguns. Veio o pessoal do Cariri: Abdoral Jamacaru, Bola, Cego Oliveira, Cícera do Barro Cru, Geraldo Urano, Irmãos Aniceto, Patativa do Assaré, Pacheli Jamacaru, Rosemberg Cariry, entre outros.

Outros estados também marcaram presença: Dominguinhos (Pernambuco), Ana Fonteles e Climério (Piauí), Zé Ramalho (Paraíba) e Walter Franco (São Paulo). Todos imbuídos do mesmo espírito e da mesma determinação de promover a arte em todas as suas manifestações. Da diretora de teatro Rosane Limaverde à artesã Ana Rute, de apenas dez anos de idade; do fotógrafo Silas ao artista do ferro e da sucata, Zé Pinto.


Veja a Relação (parcial) dos participantes do Massafeira em anexo no final da Monografia
.

Se existia uma proposta, embora não declarada, era a de chamar a atenção para a pluralidade da cultura brasileira - porque o que aconteceu aqui poderia ter acontecido em todos os estados ao mesmo tempo e com a mesma multiplicidade de manifestações - denunciando o caráter castrador da Indústria Cultural que pretende uma cultura nacional unificada, padronizada. Era denunciar, também, o marasmo em que se encontrava a cultura brasileira naquele momento, amordaçada pela padronização imposta pelas multinacionais do disco, pelas FM'S e pela redes de televisão.


"... A nossa cultura hoje ou fala com dificuldade ou fala com sotaque. Num esforço desesperado dá voltas, faz contornos, finge que diz mas não diz e acaba quase sempre voltando para as gavetas dos seus criadores, quando não é cortada e emasculada. Não chega a se realizar. É uma tentativa tímida e apática ou uma aventura frustradora e perigosa.
"Sua outra face é também irreconhecível. A invasão de valores estranhos e duvidosos e a imposição de modelos externos descaracterizaram de tal maneira o nosso perfil cultural que ele hoje tem cara de tudo, menos de Brasil. Censurada ou colonizada, o que se poderia chamar de cultura nacional - crítica, polêmica, refletindo os anseios e angústia de seu tempo e de seu povo - vive uma interminável e assustadora fase de subnutrição e pobreza mental. " (ZUENIR VENTURA, 1976, p. 8)


O Massafeira foi, então, uma tentativa de implodir com esses modelos empurrados "goela a baixo", fazer uma coisa absolutamente solta, fora dos esquemas, apontar novos caminhos.


"Massafeira começou faz muito tempo, até bem antes do que quando se materializou em forma de um grande ajuntamento de som, imagem, movimento, poesia e muita, muita gente transando tudo isso, numa efervescência febril, bela e loucamente solta durante quatro dias. Era como se fosse o Carnaval mudando de data e mais verdadeiro, março de 79 / Fortaleza".
"No espanto da descoberta que não se traduz, a mágica reza das palavras vestidas de canção na boca plural de todos nós, o chifre desse carneiro apontando o infinito do caminho e a certeza dessa força, motor da transformação e evolução plena, constante nesse imenso estoque de dias que o sol tem pra nascer, se pôr e nascer de novo." – ( EDNARDO texto impresso na contra-capa do disco duplo Massafeira 1980).


Mas o sucesso daqueles quatro loucos dias foi resultado de uma árdua batalha. Dá para imaginar a dificuldade em congregar e dar forma a tantas idéias. Qualquer atividade coletiva requer grande capacidade de organização e conciliação, tanto mais um evento artístico daquele porte onde afloram vaidades egos inflamados, estrelismos, etc.

Ednardo lançou a idéia, Brandão encarregou-se de dar o nome e criar o cartaz de divulgação do evento. Faltava alguém para fazer a ponte com a nova geração, articular as propostas e comandar o diálogo. Faltava Augusto Pontes.


"... A dificuldade que eles tinham era de realizar a idéia. Mas esses movimentos, artísticos, culturais, de ajuntamento de pessoas, aqui no Ceará, sempre tiveram uma dúvida entre duas grandes linhas opostas. Uma, que sou muito simpático a ela, é de aproveitar a tudo e a todos. A outra linha era restringir por critérios estéticos, que são muito duvidosos, aprioristicamente aplicados. A minha função foi realizar essa mágica de todos participarem. " "... Naquele instante apareceu muita gente, que ninguém conhecia nem ouvira falar. Muita gente, muita gente, muita gente. E, sobretudo: a insubordinação, o atrevimento, as vontades pessoais, os interesses mesquinhos se dissolvem na participação. " "O balaio do guru" - entrevista de Augusto Pontes à jornalista Eleuda de Carvalho. Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte, 13/3/99.


As discussões varavam a noite no apartamento de Ednardo, no Estoril e no Teatro José de Alencar. As reuniões, nem sempre amigáveis, revelaram a dificuldade de fazer convergir vontades díspares- em prol de um objetivo comum. O alvo maior das acusações era Ednardo. Diziam que ele idealizou o evento e tomou para si a tarefa de realizá-lo como uma estratégia de marketing para o disco "Imã", que ele estava produzindo.


"... Ednardo - provavelmente estimulado por Augusto Pontes - idealizou e tomou para si a realização do Massafeira, lutando sozinho dentro da CBS para levar a termo o seu projeto.(...)." Graco Silvio Braz - "Entre a algazarra criativa e a marmota do mormaço" - Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte, 13/3/99, - Augusto Pontes bota lenha na fogueira: "Absolutamente não. ... Massafeira foi muita gente, foi grande, acolhedor, todos participaram."


Todos participaram, mas não deixaram de expressar seu descontentamento por estarem ali apenas para entreter a massa até a apresentação das grandes estrelas. E faltou espaço para tantos protestos. Stênio Diniz (xilógrafo) montou um grande painel em branco, no hall do Teatro, para quem quisesse escrever
.

"Não havia propriamente uma ordem de seqüência nas apresentações. Sabia-se que para Fagner, Belchior e Ednardo, principalmente para Ednardo, estava reservado o clímax do espetáculo. Mas, desde cedo, era por eles que o público esperava. E enquanto as estrelas não se apresentavam, nós 'cometas sem cauda' tentávamos fazer a luz da Massafeira, uma massa tão indócil quanto impaciente. (... )" (sic)
"... Escrevi no painel do Stênio: já não precisamos de nenhuma estrela, nós mesmos, cometas sem cauda, faremos a luz deste planeta'. Outros escreveram desaforos maiores. Ednardo soube e não gostou. Tinha razão, afinal a festa era dele, principalmente. (... ) " (Oswald Barroso - "Memórias do Woodstock cearense" - Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte. 16/3/99)


Ednardo refuta tais acusações:


" Massafeira surgiu, não em função de minha pessoa, mas sim em função de nossas pessoas e nossos trabalhos artísticos. (... ). Em 1980, depois de mais de um ano em exaustivas reuniões para desengavetar os discos Massafeira, encontrei a única saída no momento, junto ao departamento de divulgação da CBS, solicitando que o mesmo fosse prensado com parte da verba de divulgação do meu disco Imã, que estava sendo lançado. (... ) Por todo o Brasil, onde estivesse realizando shows, levei também o disco coletivo Massafeira, que foi distribuído em rádios, TVs e imprensa especializada. " (Ednardo - "Nem tudo é verdade" - Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte, 22/3/99.)


Mas aquelas reuniões revelaram também a irreverência, o espírito moleque do cearense que sempre encontra um jeito de fazer sorrir em qualquer situação.


"... Em nossos papos, lembro da risada gostosa de Petrúcio, sempre que, para nos referirmos a alguma coisa meio disparatada, meio despropositada, mas com alguma piração interessante dizíamos: 'é a marmota do mormaço. ...'' (Graco Silvio Braz - "Entre a algazarra criativa e a marmota do mormaço" - Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte)


As intrigas, no entanto, não comprometeram o show. Durante quatro dias, Fortaleza foi sacudida por uma verdadeira algazarra criativa, embora a imprensa não tenha se dado conta disso. A cidade foi à feira e lotou os jardins, a praça, os camarotes e a platéia do Teatro José de Alencar. As mágoas e ressentimentos, que ainda hoje se percebe pelas declarações dos participantes do evento, devem ser resultado da frustração pelo insucesso do disco, o que a nosso ver foi o grande equívoco dos idealizadores do Massafeira. Mas isso será discutido em outro tópico.

Assim, desse encontro de gerações - uma "estabelecida" e outra abrindo caminho - eclodiu o movimento Massafeira, um evento plural, resultado de um ajuntamento de gente com muitas idéias, sonhos e vontade de fazer. Mas, se o movimento Massafeira tinha a pretensão de mostrar ao Brasil o que se estava produzindo em arte no Ceará - na perspectiva de uma arte universal, mas sem perder de vista o contexto regional em que estava inserido - precisava-se de um elemento que costurasse o tecido do universal pelo regional. E Patativa do Assaré, juntamente com Cego Oliveira e os Irmãos Aniceto, entraram como esse elemento de raiz que deu a textura necessária para que o Massafeira se inscrevesse no cenário cultural brasileiro.

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3.4.1 - O Silêncio da Imprensa


Quando elegemos como objeto de estudo o Movimento Massafeira, nossa primeira preocupação foi fazer uma pesquisa nos dois principais jornais da época - Tribuna do Ceará e O POVO - para obtermos algumas informações preliminares.
Surpreendeu-nos o descaso com que a imprensa cearense tratou aquele multievento. No dia 15 de março, primeiro dia do movimento, o Jornal O POVO publicou uma pequena matéria de vinte linhas, sem fotos. A Tribuna do Ceará não publicou nada. Nos dias imediatamente anteriores, vários anúncios chamavam a atenção para o show de posse do Governador Virgílio Távora - com a participação de Fagner, Belchior, Miss Lene e Zenaide - mas nada sobre o Massafeira. Nem uma foto do cartaz - por sinal, muito bonito - foi publicada nos jornais.

Se existiu alguma intencionalidade por trás desse descaso; se o movimento tinha um caráter contestador que ia de encontro aos princípios do regime estabelecido; se a imprensa cearense mantinha uma relação de dependência com os representantes locais desse regime, são questões que pretendemos deslindar neste tópico.

Como já vimos anteriormente, o Massafeira não apresentava nenhuma proposta ideológica, transgressora, nada parecido com as canções-protesto apresentadas nos festivais da década de 60. A contestação ao regime militar aparecia na letra de algumas canções, mas de forma diluída, passando despercebida no meio de tantas manifestações artísticas. Como na canção "O Rei", interpretada por Tânia Cabral.
"Não ver, não ouvir, não falar
não sonhes, não podes sonhar
que o rei te manda prender
te manda matar, menina
mas o rei também passa a noite
com medo de cochilar
pois seu poder é tão grande
que não sabe onde pode guardar
por isso, bela menina, ouve o conselho que dei
te enfeitas só para o dia
de grande alegria do enterro do rei... "
( O Rei - Tânia Araújo)
Ou na canção "O Sol Acordou", de Ednardo.
"O  Sol acordou
e deu um claro bom dia
a quem já o tinha sempre
e a noite continuou sem estrelas
pros habitantes dos desesperos... "
( O Sol Acordou - Ednardo)
Havia muita coisa acontecendo naquele momento, como a luta em prol da anistia, por exemplo. Mas o Massafeira não levantou bandeiras. O que se ouviu de mais forte, em termos de denúncia, foi a voz cortante e os versos desconcertantes de Patativa do Assaré.
"Seu doutor só me parece que o senhor não me conhece
nunca soube quem sou eu
nunca viu minha paioça, minha muié, minha roça
e os fios que Deus me deu
sou aquele que conhece as privação que padece
o mais pobre camponês
tenho passado na vida de quatro mês em seguida
sem comê carne uma vez
sou o que durante a semana, cumprindo a sina tirana
na grande labutação
mode sustentar a famia, só tem direito a dois dia
o resto é para o patrão
sou o sertanejo que cansa de votar com esperança
do Brasil ficar mió
Mas o Brasil continua
na cantiga da pirua
que é pió, pió, pió. " 
(Senhor Doutor -  Patativa do Assaré )

Não cremos que o conteúdo das letras de algumas músicas tenha sido o responsável pelo descaso da imprensa cearense para com o Massafeira. O fato é que aquele ajuntamento de gente fazendo algazarra, mobilizando a cidade, por si só, já assustava os grupos do poder. Não podemos esquecer que a imprensa cearense, especialmente seu veículo mais expressivo - o jornal O POVO - era aliada de longa data da elite dominante. Desde o primeiro mandato de Virgílio Távora – de 1963 a 1966 - o jornal O POVO mantinha uma relação de dependência com o Governo, inclusive com os salários dos jornalistas sendo complementados pelo Poder Público.

"Do ponto de vista jornalístico, a mais importante empresa de comunicação do II Veterado continuava a ser o jornal 'O POVO' que, além de ser referência básica para os noticiários das emissoras de rádio e televisão, formava realmente a opinião pública pela credibilidade adquirida ao longo de mais de cinqüenta anos de existência.

"Os profissionais que ousavam desobedecer as diretrizes da empresa de apoio ao governo ou eram sumariamente demitidos ou 'cozinhados' lentamente. Geralmente, o combate a um jornalista 'rebelde' se iniciava com matérias feitas por ele sendo jogadas no lixo. (... ) " (VIDAL, 1994)


Dentro dessa perspectiva - tendo o Massafeira se iniciado, coincidentemente, no dia da posse de Virgílio Távora no governo do Estado pela segunda vez - imagina-se que muitas das matérias sobre o evento tenham ido parar no lixo. As pequenas matérias que saíram sobre o movimento durante aqueles quatro dias ou foram publicadas em pé de página (em tipos reduzidos), ou imprensadas entre matérias mais chamativas sobre outros assuntos.

Existia naquele momento um interesse especial do Estado, através da Secretaria de Cultura, em promover a cultura popular cearense, entendida esta – do ponto de vista dos órgãos oficiais - como a "manifestação mais pura do povo", "reflexo de todas as raízes", "cultura ingênua, primitiva". Alexandre Barbalho - Relações entre Estado e Cultura no Brasil – 1998)


"... A busca do 'ceararentismo' e a procura de nossa 'cultura genuína' tornam-se uma exigência constante de diversos setores intelectuais, ligados ou não à Secretaria de Cultura, a partir de uma visão paternalista e assistencialista de política cultural.(...)"(BARBALHO, 1994)


E naquela feira armada no Teatro José de Alencar estavam presentes todas as formas de manifestação dessa cultura popular: comidas típicas, artesanato, literatura de cordel, xilogravura, cantadores etc. A imprensa cearense viu-se, então, diante de um impasse: como chamar a atenção para as mais representativas expressões da nossa tradição sem ao mesmo tempo dar visibilidade ao Massafeira?

A saída foi apresentar matérias sobre determinados grupos sem relacioná-los com o evento. Assim, no dia 16 de março - segundo dia do Massafeira - o jornal O POVO publicou uma matéria de meia página, ilustrada com várias fotos, sobre a Banda de Pífaros dos Irmãos Aniceto, do Crato, mas não citou, em nenhum momento, que o grupo estava em Fortaleza - a convite de Ednardo - para participar do Massafeira. Era uma forma de abafar o movimento.

A restrição, no entanto, não era aos valores individuais. Como vimos, Fagner e Belchior participaram, inclusive, do show de posse do governador Virgílio Távora. E havia grandes anúncios naquele período chamando a atenção para aquele show. A restrição era ao movimento. Embora o evento não apresentasse nada de transgressor - ao contrário, apresentava muito mais aquilo que o Estado estava interessado em apropriar como forma de legitimação - o fato é que aquele grande ajuntamento de gente, fazendo arte, sem o patrocínio dos órgãos oficiais, em época de ditadura, representava perigo. Ou, então, os jornalistas cearenses, que na sua maioria recebia do governo parte de seus salários, preferiram não ofuscar a posse do padrinho- mor da categoria na época: Virgílio Távora.


"Muitas matérias não eram publicadas não era só porque a censura não permitia, mas porque afetavam os interesses do governador e indiretamente os interesses de determinados jornalistas, que mantinham uma relação estreita com o governo.(...)"(VIDAL, 1994)


A
ssim, só agora - 20 anos depois - o Massafeira recebeu o devido destaque da imprensa. No dia 13 de março de 1999, o jornal O POVO publicou um caderno quase que totalmente dedicado ao movimento. Pena que o espaço, que poderia ter sido aproveitado para ressaltar os pontos positivos do evento - sem dúvida significativo para a história cultural do Ceará - foi utilizado como desabafo de antigas mágoas e rancores. E seguiram-se, por vários dias, artigos sobre o Massafeira, sempre ressaltando os pontos negativos daquela empreitada.

"Não digo que tinha qualidade na proposta nem nos participantes, mas foi a última vez que se juntou em num mesmo saco de gato todos os conterrâneos fazedores e produtores de arte: gênios, talentosos e medíocres, todos juntos e se divertindo muito. " (sic) Fernando Costa - "O vôo do abutre" - jornal O POVO, 22/3/99, Caderno Vida e Arte.


Esse olhar negativo sobre o Massafeira - que também se observa sobre outros acontecimentos que não cabe, no âmbito desse trabalho, analisarmos - denotam uma característica marcante do povo cearense: uma visão rigorosamente negativa que tem de si mesmo e de suas manifestações.


"Bem se pode assegurar que se plasmou através do complexo das secas e das limitações da civilização do couro, a qualidade fundamental do cearense, incorporada ao seu próprio ser como uma segunda natureza, produto de reações seculares de luta e de insatisfação: o espartanismo negativo. " (BARROSO, 1969)


O Massafeira bem que poderia ter continuado a se realizar nos anos seguintes, como uma feira anual de cultura. Por que não?
 
Porque qual nossos antepassados indígenas - que desde antes da colonização faziam o percurso litoral/sertão e vice-versa, sem preocupar-se em construir casas ou fazer plantações, ficando em uma aldeia somente enquanto não se esgotavam as raízes, frutas e pássaros silvestres – YACO FERNANDES - "Notícia do Povo Cearense".

Continuamos apagando os vestígios de nossa história, destruindo nosso patrimônio histórico-cultural, sempre de olho no amanhã antes mesmo de terminar o hoje.


"Pode-se admitir que a contingência do meio ambiente, levando-o ao imediatismo e à improvisação, sem nenhum tempo para criar algo a longo prazo, sempre o transforma num negocista inteiramente despreocupado com as minúcias e as peripécias da produção, porque sempre apressado e cada vez mais atraído pelo êxito de suas iniciativas oportunistas. "(BARROSO, 1969)


Falar bem do Massafeira - ressaltar o grande encontro de artistas das mais variadas tendências, a apresentação para o grande público de artistas do interior que pela primeira vez se apresentaram no Teatro José de Alencar, o êxito daquele evento coletivo, plural - está além da capacidade de um povo com personalidade calcada no individualismo.

O certo é que somos impiedosos para com nossa arte e nossos artistas. Vinte anos depois, percebe-se pelas matérias publicadas sobre o Massafeira, que o tom que predomina nas entrelinhas e em declarações abertas, é o da ironia, do rancor, quando não do cinismo. E o que é mais estranho é que a crítica mais dura vem dos próprios participantes do evento. Assim, no Ceará, nada persiste em linha de continuidade e de enraizamento, e jamais houve clima favorável à tradição. (...)

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3.4.2 - A MASSA: massivo x popular nas sociedades industrializadas


Neste tópico vamos tentar deslindar o imbricado jogo de inter- relações que se processaram num evento de múltiplas manifestações culturais como foi o Massafeira. Essa tentativa esbarra, de cara, nos limites conceituais, dada a dificuldade de enquadrar em um conceito um evento plural, que colocou no mesmo espaço tendências díspares e, à primeira vista, inconciliáveis.

Estavam representadas no Massafeira as mais autênticas manifestações da Cultura Popular, se partirmos do ponto de vista romântico, isto é, da idéia de uma cultura que preserva as tradições, criação coletiva, anônima e espontânea de um povo pré-capitalista, que ainda não foi contaminado pelos hábitos urbanos. (MARILENA CHAUÍ - "Conformismo e Resistência" – 1989)

Nessa perspectiva, Patativa do Assaré, agricultor-poeta que esteve presente no show e no disco Massafeira - Livre, seria um legítimo representante dessa Cultura Popular.


"A poesia de Patativa brota com o vigor de um pé de milho que ele roçava, em sua serra de Santana. Nele, trabalho manual e intelectual não são conflitantes, antes, era no eito que ele formulava suas composições, como se fosse um desdobramento de uma mesma atividade. A sua compreensão de cultura se confunde com o seu próprio cotidiano e de todos os seus companheiros agricultores.(... ) "(GILMAR DE CARVALHO, 1999)


Também apresentou-se no Teatro José de Alencar, a "Banda Cabaçal", formada pelos Irmãos Aniceto (Francisco, João, Antônio, Raimundo e Joaquim), do Crato. Os instrumentos da banda (dois pífaros, um zabumba e uma 'mão de pratos') são confeccionados artesanalmente pelos próprios participantes. Os irmãos dão continuidade ao trabalho iniciado pelo velho José Aniceto, que já em 1930 alegrava as festas religiosas da região do Cariri. Ainda como representantes dessa Cultura Popular, oriundos do interior do Estado, apresentaram-se no Massafeira: Cego Oliveira (cantador de rabeca), Cícera do Barro Cru (esculturas em barro), Mestre Noza (xilogravuras), Oswald Barroso (cordel), Nino (esculturas) entre outros.

Se partirmos do outro extremo - o da cultura de massa, entendida como a cultura produzida e colocada para consumo através dos aparatos tecnológicos da indústria cultural (Umberto Eco - "Apocalípticos e Integrados" - 1993) - também temos no Massafeira seus representantes. Ednardo, Fagner, Belchior - para citar apenas os mais expressivos - estavam profundamente inseridos no esquema dos "mass media". Cultura de massa, nessa perspectiva, não significa uma cultura produzida pelas massas.


"... Não há forma de criação 'coletiva' que não seja mediada por personalidades mais dotadas, feitas intérpretes de uma sensibilidade da comunidade onde vivem. Logo, não se exclui a presença de um grupo culto de produtores e de urna massa de fruidores; só que a relação, de patemalista, passa a dialética: uns interpretam as exigências e as instâncias dos outros. "(ECO, 1993)


Mediando esses dois extremos, vamos encontrar, ainda, naquele evento artistas que apresentavam propostas artísticas urbanas, contemporâneas, mas que se encontravam fora do circuito comercial, não tinham discos gravados e não apareciam nos meios de comunicação: Alano de Freitas, Ana Fonteles, Ângela Linhares, Calé Alencar, Chico Pio, Eugênio Leandro, Régis, Rogério, Stélio Valle entre tantos outros. Como classificá-los?

"Estamos descubriendo estos últimos altos que lo popular no habla únicamente desde las culturas indigenas o las campesinas, sino también desde la trama espesa de los mestizajes y las deformaciones de lo urbano, de lo masivo. (... ) No podemos entonces pensar hoy lo popular actuante al margen del proceso histórico de constituición de lo masivo: el acceso de las masas a su visibilidad y presencia social, y de la masificación en que históricamente esse proceso se materializa.(...)"(BARBERO, 1991)


Toda essa explanação foi apenas uma tentativa de demonstrar a impossibilidade de compartimentalizar a produção cultural em uma sociedade industrializada, onde impera a lógica do mercado e onde os bens simbólicos são produzidos nos moldes dos bens materiais. Uma sociedade que só é possível ser pensada a partir de uma nova revolução - a do consumo. É no âmbito do consumo que vão ser geradas novas formas de socialização.


"... Una socialidad que realiza la abstracción de la forma mercantil en la materialidad tecno-lógica de la fábrica y el periódico, y una mediación que cubre el conflito entre las clases produciendo su resolución en el imaginario, asegurando así el consetimento activo de los dominados. Pero esa mediación y esse consentimiento sólo fueron posibles históricamente en la medida en que la cultura de masa se constituye activando y defornando al mismo tiempo sañas de identidad de la vieja cultura popular, e integrando al mercado las nuevas demandas de las masas. "(BARBERO, 1991)


Daí que, se é para classificar, com todas as implicações resultantes de qualquer tentativa de classificação, poderíamos dizer que o Massafeira foi um movimento popular de massa, um espaço de articulação entre práticas populares e indústria cultural.

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3.4.3. - A FEIRA: Teatro José de Alencar - espaço de articulação de práticas populares e indústria cultural


Durante as três últimas décadas vem se processando - a princípio, lentamente e, nos últimos dez anos, vertiginosamente - uma nova revolução na sociedade. Pode-se dizer que a revolução industrial, aquela que se processou no âmbito da produção, já foi ultrapassada pela revolução da sociedade de consumo. É a partir dessa sociedade, mediada pelos meios de comunicação de massa, rodeada por uma profusão de bens materiais e simbólicos, onde o objeto é reificado em detrimento do sujeito, que vão surgir os novos espaços de articulação das práticas cotidianas.

"... Lo que está cambiando no se sitúa en el ámbito de la política, sino de la cultura, y no entendida aristocráticamente, sino como 'los códigos de conducta de um grupo o de un pueblo'. Es todo el proceso de socialización el que está transformándose de raíz al cambiar el lugar desde donde se mudan los estilos de vida. (... ) " (BARBERO, 1991)


Nessa perspectiva não é mais possível pensar em formas de expressão cultural compartimentalizadas e apartadas umas das outras - popular, erudita, de massa - posto que estão todas imbrincadas dentro de um mesmo campo simbólico unificado pelos meios de comunicação de massa.

"... Masa debe dejar de significar en adelante anonimato, pasividad y conformismo. La cultura de masa es la primera en posibilitar la comunicación entre los diferentes estratos de la sociedad. Y puesto que es imposible una sociedad que llegue a una completa unidad cultural, entonces lo importante es que haya circulación. ? Y cuándo há existido mayor circulación cultural que en la sociedad de masas?

Mientras el libro mantuvo y hasta reforzó durante mucho tiempo la iegregación cultural entre las clases, fue el periódico el que empezó a posibilitar el flujo, y ei cine y la radio los que intensificaron el encuentro. " (BARBERO, 1991)


A cultura de massa passa a ser, então, o lugar onde as diferenças se encobrem, são negadas. Que exemplo mais ilustrativo dessa transformação dos espaços sociais do que a invasão do Teatro José de Alencar por aquela multidão de artistas das mais variadas tendências? O acesso ao Teatro, espaço tradicionalmente aristocrático, nem sempre foi democrático.

"... Em 1974, integrantes de diversos grupos de teatro amador, ligados à Federação Estadual de Teatro Amador (FESTA), formulam e enviam um memorial ao Gov. César Cais discutindo formas de democratizar o acesso ao TJA(...). "(BARBALHO, 1998).


Assim, foi uma grande conquista da massa a instalação de uma feira no espaço sagrado do Teatro José de Alencar. Ali estavam expostos e acessíveis a todas as camadas sociais produtos os mais variados, tanto materiais quanto simbólicos. Foi uma verdadeira feira de cultura, em todos os sentidos.

"... La feria no aparece entonces únicamente como el resultado de un proceso de degradación, de absorción de lo festivo por lo comercial, sino como lugar de modelación cultural de la dimensión lúdica(... ) y de constitución de identidades colectivas locales, regionales, en su ligazón y enfrentamiento con la nacional. La feria es resultado de un proceso, pero com varias dinámicas, ya que desde su inicio las ferias fueron celebración religiosa y tiempo de mercado.(...)"(BARBERO, 1991)


A feira se constitui, então, em um espaço onde o profano e o sagrado se encontram, num jogo dialético de apropriação e trocas simbólicas. Espaço onde momentaneamente as diferenças são suspensas em meio à celebração da festa.

"A la feria van todas las clases y se divierten y luchan por apropiarse, cada cual a su manera, de esa forma. " (BARBERO, 1991).


O Massafeira foi isso: comida, bebida, diversão e arte. Encontro. Celebração. Festa. Feira livre.

3.5 - O disco MASSAFEIRA-LIVRE: a marmota do mormaço


Falamos em tópicos anteriores que a decisão de gravar um disco (na época LP duplo) do movimento Massafeira-Livre foi, talvez, o maior equívoco dos idealizadores do evento. Por que? Basicamente por dois motivos: primeiro, porque Fortaleza não contava naquela época com equipamentos de qualidade que possibilitassem a gravação do disco a partir do show realizado aqui. Uma parte dos artistas - não podiam ir todos - tiveram que se deslocar para o Rio de Janeiro e tentar reproduzir o show. Aí o momento já era outro, o contexto também. E o resultado não podia mesmo ser dos melhores. Segundo, porque - por tudo que já foi visto aqui sobre o mercado musical brasileiro naquele momento - conclui-se que não havia espaço para aquele tipo de proposta e a probabilidade de aquele disco vir a fazer sucesso era remota.

3.5.1 - Transformação do evento em mercadoria: destruição pelo consumo


Passada a euforia da discothèque, surgiam os esboços do rock brasileiro e a profusão de bandas que dominaram toda a década de 80. As músicas que compunham o álbum duplo Massafeira-Livre não se enquadravam nos padrões eleitos pela mídia para aquela temporada. É preciso compreender que a indústria cultural, à medida que promove a seriação e estandardização dos produtos culturais, imprime a estes um caráter de efemeridade. A lógica que orienta essa indústria é a lógica do mercado e quanto mais rápido se completar o ciclo produção/consumo/destruição maior a margem de lucro.


"A sociedade de consumo precisa dos seus objetos para existir e sente sobretudo necessidade de os destruir. O 'uso' dos objetos conduz apenas ao seu desgaste lento. O valor criado reveste-se de maior intensidade no desperdício violento. Por tal motivo, a destruição permanece como a alternativa fundamental da produção: o consumo não passa de termo intermediário entre as duas. No consumo existe a tendência profunda para se ultrapassar, para se transfigurar na destruição. Só assim adquire sentido. " (BAUDRILLARD, 1995)


Transformar o movimento Massafeira em um álbum foi submetê-lo a essa ordem de produção, à lógica do mercado e conseqüentemente à destruição, senão pelo consumo, mas por essa máquina que também destrói o que não lhe rende lucro.

As dificuldades se esboçaram logo de início com a chegada ao Rio de Janeiro de uma caravana de aproximadamente 40 pessoas. Deslumbrados com a Cidade Maravilhosa, os cearenses aprontaram poucas e boas.


"... O fato é que, excetuando-se intrigas e incidentes, a farra de cerca de quarenta pessoas no Hotel Santa Teresa, no Rio de Janeiro, foi memorável. (Graco Silvio Braz - "Entre a algazarra criativa e a marmota do mormaço" - Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte, 13/3/99)

"Era uma suspensão da desunião, um momento de consentimento: vamos fazer de conta que somos uma turma de amigos. E conseguimos esplêndidos momentos, principalmente nos fins de noite, nas comemorações espontâneas. "O balaio do guru" - entrevista de Augusto Pontes à jornalista Eleuda de Carvalho. Jornal O POVO, Caderno Vida e Arte, 13/3/99)


À parte as farras, conseguiram fazer o show e gravar o disco. Inicia-se então a fase mais difícil. Ednardo havia convidado o então diretor artístico da CBS, Jairo Pires, para assistir ao show aqui em Fortaleza. Após as apresentações, Jairo Pires informou que a presidência da CBS havia autorizado a gravação e lançamento de um disco do evento. Ednardo foi indicado como produtor; Augusto Pontes como co-produtor; Rodger Rogério, Petrúcio Maia e Stelio Valle ficaram responsáveis pela coordenação musical. Acontece que após a gravação no Rio de Janeiro, Jairo Pires foi substituído por outro profissional que engavetou o disco, alegando que o projeto iria acarretar prejuízo para a gravadora. Assim, o disco passou mais de um ano na "geladeira", até que em 1980 Ednardo solicitou que o mesmo fosse prensado com parte da verba de divulgação de seu disco "Imã", que estava sendo lançado.

Foram prensadas cerca de dez mil cópias e a forma como o disco foi apresentado para divulgação denotava o descaso da gravadora para com o projeto. "... Uma tarja colocada na capa do álbum - fato inexplicável e inédito em lançamentos na indústria fonográfica mundial – fixava valor bem abaixo dos praticados em qualquer loja do País: '2 LP'S pelo preço de 1'. O que diminuiu a importância do trabalho para lojistas, grande imprensa e para o público, numa queima de estoque premeditada, antes mesmo que as músicas passassem pela apreciação do público. (. . . ) Ednardo - "Nem tudo é verdade" - jornal O POVO, 22/3/99, Caderno Vida e Arte.

No entanto, dizer que a gravação foi um equívoco não significa invalidá-la, nem justifica as duras críticas que os participantes, inclusive colaboradores no processo de seleção das músicas, dirigem ao disco e, principalmente, ao Ednardo por ter enfrentado sozinho o esquema da CBS, prejudicando, inclusive, o lançamento de seu disco individual (Imã) para lançar o álbum duplo Massafeira. É compreensível essa carga de frustração pelo não acontecimento do disco na mídia, mas é necessário colocá-la em uma outra perspectiva.
 Em nenhum momento, nas matérias produzidas quando da comemoração dos 20 anos do evento, os entrevistados questionaram o silêncio da mídia cearense sobre o Massafeira na época de sua realização.
 Também não questionaram as relações de poder que envolvem gravadoras e esquemas de distribuição de discos. Após o show no Rio de Janeiro, todos os participantes retornaram para suas origens e ficaram esperando pelo resultado.

 Cabe aqui a pergunta: por que não formaram uma equipe ou, muito ao gosto da época, um comitê para pressionar a gravadora? Por que deixaram tudo nas mãos de Ednardo? Talvez aqueles artistas tenham desenvolvido, assim como as tribos primitivas da Melanésia, o "mito do cargueiro".

"... Os Melanésios (...) desenvolveram (...) no contacto com os Brancos, o culto messiânico do Cargueiro: os Brancos vivem na profusão e se eles nada têm, é porque os Brancos sabem captar ou desviar as mercadorias que lhes eram destinadas, na sua qualidade de Negros, pelos antepassados retirados para os confins do mundo.

Dia virá em que, depois do fracasso da magia dos Brancos, os antepassados regressarão com a carga miraculosa e eles deixarão de sentir a necessidade. "(BAUDRILLARD, 1995)


Fato é que, apesar de rejeitado pela maioria dos realizadores; apesar de não corresponder em termos de qualidade, inclusive na escolha do repertório, à grandiosidade do evento; e afora as mágoas e rancores que nem o tempo conseguiu apagar, o álbum duplo Massafeira-Livre ficou como registro daqueles quatro dias de efervescência cultural vividos no Teatro José de Alencar.

"Nunca se vai poder omitir que num determinado momento, quixotescamente, alguém vendeu nosso peixe e dois discos foram gravados com o que de mais significativo se estava fazendo aqui em termos de música, numa medida tão ampla que deixava espaço para todas as tendências, visões, propostas. Este mosaico abrangente demais e sem censura de ordem estética, pode ser a acusação mais séria a ser levantada contra a Massafeira, mas é inegável que ela nos deu uma idéia bem palpável de nossas contradições, do nosso vigor e do alcance do nosso cantar.

"Massafeira é um espelho, uma coletânea, uma reportagem do panorama musical cearense no início dos anos 80. E esta idéia se credita a Ednardo, neste ponto há unanimidade."(GILMAR DE CARVALHO, 83/84)


No fim, prevaleceu a massa, acabou a feira, mas ficou o Massafeira-Livre, cristalizado no álbum duplo que, se não serviu aos propósitos de divulgar em maior escala a música produzida no Ceará, restou extremamente válido como registro de um momento-evento cultural como nunca mais se viu no Ceará.

Conclusões – (. . . do trabalho sem esgotar as questões propostas)

Não pretendemos que este trabalho seja conclusivo no sentido de esgotar as questões aqui proposta, até porque alguns pontos aqui delineados podem ser aprofundados em estudos posteriores. Podemos, sim, apontar algumas respostas, no âmbito da pesquisa realizada.

Nessa perspectiva podemos dizer que o descaso da imprensa cearense para com o movimento Massafeira tem raízes mais profundas do que a relação de poder entre os meios de comunicação e os grupos dominantes faz supor. É uma característica marcante do povo cearense: a indiferença para com as "coisas do Ceará", a tendência à iconoclastia. Característica forjada ao longo dos séculos, desde a época pré-colonial, pelos elementos predominantes na nossa formação étnica: o índio e o europeu.

O certo é que somos impiedosos para com nossa arte e nossos artistas. Tendemos a tachar nossas manifestações culturais com adjetivos pejorativos. O Massafeira tem recebido da imprensa a denominação de "Woodstock tupiniquim", uma forma de diminuir sua importância. Reduz-se o movimento a uma mera reprodução de um evento americano. Acreditamos que o Massafeira representou mais que uma apologia ao slogan "sexo, drogas, rock'n roll".

O êxodo dos artistas cearenses para o eixo Rio-São Paulo é possível compreender na perspectiva da divisão inter-regional do trabalho. A problemática daí resultante - no caso Nordeste - se dá em um nível mais abrangente: a relação já não é patrão-empregado, mas região industrializada - região fornecedora de mão-de-obra que vai sustentar as indústrias do sul do país. E isso se reflete na questão da cultura: a relação de produção que se estabelece na indústria de bens culturais reproduz o modelo da indústria de bens materiais.

O Nordeste fornece a mão-de-obra (os artistas) enquanto a região Sudeste detém os meios de produção (gravadoras, distribuidoras, meios de comunicação).

No caso do Massafeira, uma caravana de muitas pessoas se desloca para o Rio de Janeiro para gravar um disco. Se houvesse aqui os meios de gravação e distribuição, o resultado talvez tivesse sido outro. O ideal seria que se exportasse os produtos, não os produtores.

Entendendo o Massafeira como um movimento profundamente inserido num contexto histórico-cultural de uma sociedade industrializada, onde as produções culturais obedecem a critérios de estandardização e organização, concluímos que o embotamento do disco resultante do movimento deveu-se a fatores mercadológicos, uma vez que a proposta musical ali contida não se encaixava no padrão imposto pela mídia naquele momento.

Finalmente, podemos dizer que o Massafeira-Livre foi talvez o último grande evento coletivo ocorrido no Ceará capaz de aglutinar os produtos de nossa cultura em torno de uma proposta. Esse fato não deixa de ser preocupante, uma vez que o movimento ocorreu há mais de 20 anos.

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Bibliografia

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AIRES, Mary Pimentel . Terral dos Sonhos; o cearense na música popular brasileira. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará / Multigraf Editora, 1994. 162p.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 1999. 338p.
BARBALHO, Alexandre. Relações entre Estado e Cultura no Brasil Ijuí/RS. UNIJUÍ 1998. 224p.
BARBERO, Jusús Martín. De los medios a las mediaciones; comunicación, cultura y hegemonia. 2 ed. Barcelona/España: G. Gili S. A., 1991. 300p.
BARROSO, Parcifal. O Cearense. Rio de Janeiro: Gráfica Record, 1969. 131 p.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995. 213p.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, j990. p. j 55- j 62 e 437-450.
BRANDÃO, Antônio Carlos; DUARTE, Milton Femandes. Movimentos Culturais de Juventude. 7 ed. São Paulo: Moderna, 1990. 119p.
CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira 2 ed. São Paulo: Martins j959. p. 295_306. '
CARVALHO, Gilmar de. Publicidade em Cordel; o mote do consumo. São Paulo: Maltese, 1994. 205p.
CARVALHO, Gilmar de. Referências cearenses na comunicação musical de Ednardo. Revista de Comunicação Social, Fortaleza, 13/14, p. 71-103, jan./dez./1983/1984.
CARVALHO, Gilmar de. A televisão no Ceará. Fortaleza: Secretaria de Comunicação Social - Governo Gonzaga Mota, 1985. 75p.
CARVALHO, Inaiá Moreira de. O Nordeste e o Regime Autoritário; discurso e prática do planejamento regional. São Paulo: HUCITEC - SUDENE, 1987. 359p.
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência; aspectos da cultura popular no Brasil. 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. 179p.
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 1993, 387p.
FERNANDES, Yaco. Notícia do Povo Cearense. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1977. 291p.
FILHO, Antônio Martins. História Abreviada da UFC. Fortaleza: Casa de José de Alencar/Programa editorial, 1996. 220p.
MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX; Neurose. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 202p.
OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gião; Sudene, Nordeste - planejamento e conflito de classes. 3 ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1981. 132p.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 222p.
CABRAL, Sérgio; HOLANDA, Chico Buarque; VENTURA, Zuenir et al. Ciclo de Debates do Teatro Casa Grande. Rio de Janeiro: Inúbia, 1976. 238p.
VENTURA, Zuenir. 1968; o ano que não terminou. 28 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. 3 14p.
VIDAL, Márcia. Imprensa e Poder; o I e II Veterados (1963/J966 e J979/J982) no jornal O POVO. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1994. 154p.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro; apresentação e crítica dos principais movimentos vanguardistas. Rio de Janeiro: Vozes, 1972. 271p.

OUTRAS FONTES

BARROSO, Oswald. Memórias do Woodstock cearense. Jornal O POVO, Fortaleza, 16 mar 1999. Caderno Vida e Arte
BRAZ, Graco Silvio. Entre a algazarra criativa e a marmota do mormaço. Jornal O POVO, Fortaleza, 13 mar 1999. Caderno Vida e Arte.
CARVALHO, Gilmar de. Ceará, voz teimosa, canto torto. Jornal da Música, Rio de Janeiro, 17 jun1977. p. lo.
CARVALHO, Eleuda de. 20 anos depois. Jornal O POVO, Fortaleza, 13 mar 1999. Caderno Vida e Arte
COSTA, Fernando. O vôo do abutre. Jornal O POVO, Fortaleza, 22 mar 1999. Caderno Vida e Arte.
EDNARDO, José. Nem tudo é verdade. Jornal O POVO, Fortaleza, 22 mar 1999. Caderno Vida e Arte.
PONTES, Augusto. O balaio do guru. Jornal O POVO, Fortaleza, 13 mar 1999. Caderno Vida e Arte.
RODRIGUES, Eliezer. Banda Cabaçal: uma família dedicada à roça e à música. Jornal O POVO, Fortaleza, 16 mar 1979. Caderno 2.

FICHA TÉCNICA DOS DISCOS – LPs 144426/7

DISCO LP DUPLO / 24 Faixas : MASSAFEIRA LIVRE - CBS/EPIC - 1980

Gravados em 1979 Estúdios CBS – Rio de Janeiro

Direção Artística, de Produção e de Estúdio Ednardo
Co-Produção Augusto Pontes
Coordenação Musical Rodger Rogério, Petrúcio Maia, Stélio Valle
Assistentes de Produção Artística Rogério Crato, Dudu Praciano
Fotos Gentil Barreira, Régis Soares, Lise Torok
Desenhos e Artes Gráficas Antônio José Soares Brandão
Arranjos e Regências Grupal - De Todos Músicos da Massafeira
Gravação e Mixagem Elinho, Ney, Eugênio, Ednardo
Montagem e Masterização das Faixas Alencar
Arte de Montagem Gráfica Vanda Alves Ferreira
Direção de Arte Géu

MÚSICOS PARTICIPANTES DAS GRAVAÇÕES

INSTRUMENTOS

Robertinho de Recife , Manassés, Gerardo Gondim , Will, Banda Perfume Azul Guitarras
José Maia, Carlos Patriolino Filho Bandolim
Ednardo, Túlio Mourão, Petrúcio Maia, Antônio Adolfo ,Alano Freitas, Ferreirinha Piano e Teclados
José Américo Acordeon / Sanfona
Ednardo, Rodger Rogério, Sidbert, Rogério, Régis, Lázaro, Stélio Violões
Manassés, Gerardo Gondim Violas
Tarcísio, Renato Flautas
Ife, Luiz Miguel, Ronald, Lázaro Contra Baixo
Tuti Moreno, Rui Motta, Elber Bedak, Stone Bateria
Sérgio Boré, Zizinho Congas, Percussões, Ritmos
Banda Perfume Azul – Will, Sidbert, Ronald, Lúcio Ricardo Guitarra, Violão, Baixo, Vocal

DISCO 1 – LADO A

Título da Obra / Compositores e Autores

DISCO 1 – LADO A

Intérpretes

AURORA (Ednardo e Belchior) EDNARDO e BELCHIOR
COMO AS PRIMEIRAS CHUVAS DO CAJÚ (Angela Linhares e Ricardo Bezerra) ANGELA LINHARES
PÉ DE ESPINHO (Rogério Soares e Eugênio Stone e Luiz C. Pinóquio) ROGÉRIO SOARES e REGIS SOARES
VIRA VENTO (Vicente Lopes) VICENTE LOPES
AVISO AOS NAVEGANTES (Lúcio Ricardo) LÚCIO RICARDO
O QUE FOI QUE VOCÊ VIU? (Stélio Valle e Chico Pio e Nertan Alencar) CHICO PIO

DISCO 1 – LADO B

Título da Obra / Compositores e Autores

DISCO 1 – LADO B

Intérpretes

BREJO (Régis Soares e Rogério Soares e Ednardo) RÉGIS SOARES
ATALAIA (Ferreirinha e Graccho e Caio Sílvio) FERREIRINHA
FRIO DA SERRA (Petrúcio Maia e Brandão) MARTA LOPES e EDNARDO e FAGNER
ISOPOR (Wagner Costa) WAGNER COSTA
BUENOS AYRES – Citroen (Sérgio Pinheiro e Stélio Valle) SÉRGIO PINHEIRO
SENHOR DOUTOR (Patativa do Assaré) PATATIVA DO ASSARÉ

DISCO 2 – LADO A

Título da Obra / Compositores e Autores

DISCO 2 – LADO A

Intérpretes

O SOL É QUE O QUENTE ( Alano de Freitas) EDNARDO e ANA FONTELES
EM CADA TELA UMA HISTÓRIA (Lúcio Ricardo) LÚCIO RICARDO
COR DE SONHO ( Mona Gadelha) MONA GADELHA
VENTO REI (Calé Alencar) CALÉ ALENCAR
O REI (Tânia Cabral Araújo) TETI e TÂNIA CABRAL
JARDIM DO OLHAR (Stélio Valle e Fausto Nilo) CORO MASSAFEIRA

DISCO 2 – LADO B

Título da Obra / Compositores e Autores

DISCO 2 – LADO B

Intérpretes

O SOL ACORDOU (Ednardo) EDNARDO
ESTRADEIRO (Rogério Soares) ROGÉRIO SOARES
PELOS CANTOS (Graco) GRACO
NÃO HAVERÁ MAIS UM DIA (Pachelli Jamacaru) PACHELLI JAMACARU
ÚLTIMO RAIO DE SOL (Rodger Rogério e Clodo e Fausto Nilo) EDNARDO e TETI
REISADO ( Graco e Stélio Valle e Augusto Pontes) EDNARDO

 

RELAÇÃO (PARCIAL) DOS PARTICIPANTES DE MASSAFEIRA 1979

NOME

ARTÍSTICO

ÁREA

ESPECIALIDADE

Abdoral Jamacaru Abdoral Jamacaru Música Compositor/Cantor(Carirí)
Alano Aguiar de Freitas Guimarães Alano de Freitas Música/Artes Plásticas Compositor/ Artista Plástico
Amélia Cláudia Colares Amelinha Música Cantora
Ana Lourdes Miranda Fonteles Ana Fonteles Música Cantora(Piauí)
Ana Meire da Silva Rebouças Ana Meire Teatro Atriz
Angela Maria Bessa Linhares Angela Linhares Música Compositora/Cantora
Francisco Augusto Pontes Augusto Pontes Música/Letras Compositor/Letrista
B.C. Neto B.C. Neto Artes Plásticas/Literatura (Carirí)
Antônio Carlos Belchior Belchior Música Compositor/Cantor
Josely Guimarães Barbosa Bob Dança Dança Popular
Jackson Bantim Bola Fotografia/Cinema Regional(Carirí)
Antônio José Soares Brandão Brandão Música/Artes Plásticas Compositor/Poeta/ Desenhos
Caio Sílvio Braz Peixoto da Silva Caio Silvio Música Compositor
Carlos Alberto Alencar da Silva Calé Alencar Música Compositor/Cantor
Calvet Calvet Música Músico-Percussão
Carlos Patriolino Filho Carlos Patriolino Música Músico-Bandolim/Violão
Oliveira Cego Oliveira Música Cantador de Rabeca(Carirí)
Francisco Pio Napoleão Chico Pio Música Compositor/Cantor
Cícera Cícera do Barro Crú Artes Plásticas Esculturas em Barro(Carirí)
Wilson Cirino Cirino Música Compositor/Cantor
Climério de Sousa Ferreira Climério Música/Literatura Compositor/Poeta (Piauí)
José Domingos de Moraes Dominguinhos Música Compositor/Cantor(Pernambuco)
José Eduardo Praciano Serra Dudu Praciano Organização Produção Produtor Executivo
José Ednardo Soares Costa Sousa Ednardo Música Compositor/Cantor
Emerson Monteiro Emerson Monteiro Fotografia Regional(Carirí)
Eugênio Leandro Costa Eugênio Leandro Música Compositor/Cantor
Eurico Bivar Eurico Bivar Artes Plásticas Poesia Corpórea Ilustrada
Ezildo Luiz Américo de Souza Ezildo Cinema Curta Metragem
Raimundo Fagner Cândido Lopes Fagner Música Compositor/Cantor
Fátima Girão Fátima Girão Literatura Poesia
Fausto Nilo Costa Jr. Fausto Nilo Música Compositor/Letrista
Fernando Costa Fernando Costa Teatro/ Literatura Ator/Poesia
Francisco José Ferreira Gomes Filho Ferreirinha Música Compositor
Francis Vale Francis Vale Organização Produção Produtor Executivo
Gentil Barreira Neto Gentil Barreira Fotografia Geral/Artística/Regional
Geraldo Urano Geraldo Urano Literatura Poesia (Carirí)
Gerardo Gondim Saraiva Filho Gerardo Gondim Música Músico-Guitarra/Bandolim
Germano Braga Germano Teatro Ator
Gilberto Oliveira Cardoso Gilberto Cardoso Artes Plásticas Desenhos à Lápis
Graccho Sílvio Braz Peixoto da Silva Graccho Sílvio Música Compositor/Cantor
Luiz Carlos Franco Tolentino Ife Música Músico-Contra Baixo
Grupo ( 6 pessoas) Irmãos Aniceto Música Banda de Pífaros(Carirí)
César Gabrielle Itamar do Mar Artes Plásticas Primitivos Regionais
Ivan Alencar Ivan Alencar Literatura Poesia (Carirí)
Jabuti Jabuti Música Músico-Violão
Jáder de Menezes Jáder Menezes Literatura Poesia
Jorge Mello Jorge Mello Música Compositor/Cantor
José Nilton Matos José Nilton Artes Plásticas Primitivos Regionais
Lázaro José de Paula Gonçalves Lázaro Música Músico-Contra Baixo
Lúcio Ricardo Moura Andrade Lúcio Ricardo Música Compositor/Cantor/Banda Perfume Azul
Luiz José Luiz José Fotografia Regional(Carirí)
Luiz Miguel Caldas da Silveira Luiz Miguel Música Músico-Contra Baixo
José Maestro Zequinha Música Maestro Arranjador
Manassés Lourenço de Sousa Manassés Música Músico-Viola 12/Guitarra/Cavaquinho
Márcio Catunda Ferreira Gomes Márcio Catunda Literatura Poesia Corpórea Ilustrada
Marcos Antônio da Silva Marcos Tim Música/Teatro Compositor/Cantor
Maria de Lourdes Costa Bomfim Maria de Lourdes Culinária Comidas Típicas
Marta Maria Cândido Lopes Marta Lopes Música Cantora
Noza Mestre Noza Artes Plásticas Xilogravuras(Carirí)
Simone Alexandre Gadelha Mona Gadelha Música Compositora/Cantora
Jairo Mozart Pereira Mozart Música Compositor/(Paraíba)
Nino Nino Artes Plásticas Regional(Carirí)
Oswald Barrozo Oswald Barrozo Literatura Poesia/Cordel
Eugênio Pacheli Jamacaru Pacheli Jamacaru Música Compositor/Cantor(Carirí)
Antônio Gonçalves da Silva Patativa do Assaré Literatura Poesia / Cordel (Carirí)
Paula Paula Dança Dança Popular
Paula Feitosa Dias Paula Feitosa Teatro Atriz
Paulo Aécio Morais Lima Paulo Aécio Artesanato Popular
Paulo Paulo Batera Música Músico – Baterista
Salvino Petrúcio Mesquita Maia Petrúcio Maia Música Compositor/Arranjador//Letrista
Regina Coelo Pinheiro Granja Regina Coelo Teatro Atriz
Regina Lúcia Feitosa Dias Regina Lúcia Teatro Atriz
Francisco Régis Soares Costa Sousa Régis Soares Música Compositor/Cantor
José Renato Gimenes das Neves Renato Neves Música Músico-Flautista
Ricardo Bezerra Ricardo Bezerra Música Compositor
Ricardo Marcelo Ricardo Marcelo Teatro Ator
Rodger Franco de Rogério Rodger Rogério Música Compositor/Cantor
Rogaciano Leite Filho Rogaciano Leite Literatura Poesia
Rogério Alencar Rafael Rogério Crato Organização Produção Produtor Executivo
Francisco Rogério Soares Costa Sousa Rogério Soares Música Compositor
Ronald Carvalho Correia Lima Ronald Música Músico-Banda Perfume Azul
Rosane Maria Limaverde Costa Rosane Limaverde Teatro Direção Teatro
Antônio Rosemberg de Moura Rosemberg Cariry Cinema/Poesia Curta Metragem
Sérgio Sérgio Entalhador Artes Plásticas Entalhes em Madeira(Carirí)
Sérgio Sales Pinheiro Sérgio Pinheiro Música/Artes Plásticas Compositor/Artista Plástico
Francisco Sidbert Francklin Sidbert Música Músico-Banda Perfume Azul
Silas de Paula Silas de Paula Fotografia Geral
Stelio Romero do Valle Stélio Valle Música Compositor
Eugênio Gustavo Nornando Stone Stone Música Músico-Guitarra/Bateria
Tânia Barbosa Cabral de Araújo Tânia Araújo Música Compositora/Cantora
Tarcísio Garcia Tarcísio Garcia Artes Plásticas Desenho Bico de Pena
José Tarcísio Lopes Ferreira Tarcísio Lopes Música Músico-Flauta/Sax
Maria Elisete Morais de Oliveira Teti Música Cantora
Vicente Lopes Frota Vicente Lopes Música Compositor/Cantor
Vicente Vitoriano Vicente Vitoriano Artes Plásticas Desenhos
Wagner Pereira Cavalcante Costa Wagner Costa Música Compositor/Cantor
Walderedo Walderedo Artes Plásticas Regional(Carirí)
Walmir Paiva Walmir Paiva Artes Plásticas Regional(Carirí)
Walter Franco Walter Franco Música Compositor/Cantor(São Paulo)
Wilson Carrilho William Música Músico-Banda Perfume Azul
José Antônio da Silva Maia Zé Maia Música Músico- Bandolim/Guitarra
José Pinto Zé Pinto Artes Plásticas Esculturas Sucatas/Ferro/Madeira
José Ramalho Zé Ramalho Música Compositor/Cantor(Paraíba)
Zenor ( esposa do Zé Pinto) Zenor Artes Plásticas/Culinária Pinturas Roupas/Comidas Típicas
Maria José Miranda Fonteles Zezé Fonteles Música Cantora
José Silva Lima Zico Teatro Ator
       
       
Esta lista é parcial, agradeceremos se você nos informar outros nomes de participantes, para torná-la mais completa na medida do possível. 

 

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