MÚSICA Ednardo e a arte de
driblar a 'simplória
desinformação'
Adriane Mendes /
JCS
Injustiçado
pela grande massa que, apesar da vasta obra, insiste em vê-lo
apenas como o cantor de "Pavão Mysteriozo", o cantor e
compositor Ednardo não titubeia ao afirmar que a música
brasileira se mantém criativa (a mais criativa do mundo ao seu
ver), ainda que a mídia mostre o que bem entende, e diga-se de
passagem, nem sempre o melhor.
Em março deste ano,
Ednardo lançou o CD "Pessoal do Ceará", fruto do trabalho
conjunto com Belchior e Amelinha. Numa entrevista concedida
exclusivamente para o Mais Cruzeiro, via e-mail, o
cantor e compositor cearense, que também já atuou como músico
para peças teatrais e filmes (participou também como ator em
"Luzia Homem"), critica a desinformação da mídia e a qualidade
da TV brasileira, avalia o cenário político (classificado por
ele como "caótico") e mostra que sua vida e seu trabalho estão
e vão muito além da canção que o tornou conhecido para o
grande público. Confira.
Como nasceu o projeto
"Ednardo, Amelinha e Belchior"?
Fomos convidados
pela gravadora Warner-Continental e pelo produtor Robertinho
de Recife, mas, bem antes deste fato, já havíamos realizados
vários shows em conjunto - eu, o Belchior, Fagner, Amelinha -
e havíamos conversado sobre a possibilidade de realizarmos
disco em conjunto. O que até chegou a ser idealizado na BMG,
com Ednardo, Fagner e Belchior, mas ficou em compasso de
espera. A Warner foi objetiva e nos contratou para que
realizássemos o projeto dessa forma: Ednardo, Amelinha e
Belchior.
No que diz respeito à peculiaridade e à
vaidade de cada um, como foi a convivência em
estúdio?
Temos como atitude profissional, manter
nossos egos artísticos reservados. Principalmente quando
trata-se de projeto envolvendo ao mesmo tempo vários artistas,
em que cada qual tem suas peculiaridades criativas e
existenciais. Nosso objetivo principal é manter a boa energia
que terá como resultante o disco. Sabemos que, ao levar com
nossas vozes, as músicas oferecidas às pessoas que irão nos
escutar, a responsabilidade é grande e não comporta tempo para
dispersões pessoais. Além do mais, existem outros momentos nos
quais podemos, se necessário, conversar sobre assuntos e
acertos éticos e estéticos, se houverem. Este disco do
"Pessoal do Ceará", com nossa participação, tem alta energia
de emissão boa, positiva, criativa, aceita pelo público de
todo o Brasil, mesmo sem nenhum apoio da gravadora na
divulgação. E este fato se deve principalmente às excelentes
músicas que ali estão registradas e à forma amiga,
profissional e de boa convivência estendida a todos os músicos
e produtores, inclusive da gravadora.
O novo disco
tem apenas duas canções inéditas, mas parece que você teria
material inédito suficiente para fazer um disco só de
lançamentos. Você pretende lançar novo trabalho solo neste ou
no próximo ano?
Este CD do "Pessoal do Ceará" tem
duas inéditas, opção da produção e da gravadora. Poderia ter
todas inéditas, não estamos incluídos na pseudocrise de
criatividade, tecla tão batida da mass mídia, com a
qual tentam explicar desacertos da indústria fonográfica em
relação à música brasileira, enquanto lançam discos com grupos
e artistas pré-fabricados, por força do jabá, esse monstro
criado pelas gravadoras. Claro que isso não é regra geral,
existem outros artistas que continuam fazendo o que sabem
melhor realizar: músicas e letras com respaldo popular, de
qualidade, sem forçar a barra das execuções públicas pagas a
título de divulgação. Tenho sim, farto material de músicas e
letras, suficientes para fazer vários discos de lançamentos
inéditos. E, mesmo constatando a demanda reprimida, estamos
trabalhando para lançar as novas músicas. Minha produção está
estudando propostas concretas.
Existe a impressão de
que o "Pessoal do Ceará" não teria bom entrosamento com o
Fagner, que é o que melhor teve e mantém acesso à mídia. Isso
é real?
Fagner também é "Pessoal do Ceará". Esta
estória foi criada na mídia, da mesma forma que inventaram
anteriormente que cearenses eram contra baianos. Li pequenas e
venenosas matérias noticiando que nós teríamos rejeitado a
participação de Fagner neste projeto do novo disco do "Pessoal
do Ceará". Isto é um absurdo, porque chapa de maneira estranha
o universo artístico e o fato de sermos diferentes em nossa
criatividade. Basta ver que, há algum tempo atrás, Fagner era
desfenestrado por grande parte da mídia jornalística musical,
por ter feito a opção pessoal e artística de orientar sua
carreira para sucessos fáceis e descartáveis a fim de se
manter a qualquer custo na mídia. Outros, que não se "rendiam"
ao esquema, eram "festejados" como os "dinossauros" que iriam
desaparecer. Da mesma forma Belchior foi atacado como aquele
artista que se repetia eternamente em todos seus discos e
Ednardo, de outra maneira, também pejorativa, era considerado
como o compositor de "Pavão Mysteriozo", música gravada em
1973. Sobre este disco, "Pessoal do Ceará", nós, Ednardo,
Belchior e Amelinha, estávamos contratados pela
Warner-Continental. Fagner, contratado da BMG, saiu de lá e
foi para a Sony neste período. Estas gravadoras e/ou o
produtor Robertinho de Recife, não conseguiram, ou não
quiseram, incluir ou liberar a possibilidade de Fagner
participar do disco. Ou ele próprio não se dispôs ou não teve
condições. Mudanças entre gravadoras são muitas vezes
problemáticas quanto aos projetos anteriores dos artistas e
foge a nossa alçada.
Ednardo, você ficou com o
estigma de ser o "cantor do Pavão Mysteriozo". Até que ponto
isso influenciou em sua carreira? Existe alguma mágoa por
isso?
Tenho mais de 250 músicas gravadas, em
discos, trilhas de cinema, teatro, etc., realizo shows por
todo o Brasil, o público canta esta e muitas outras e as
identifica como sucessos representativos de minha carreira,
sem o carimbo pretendido por parte da mídia. Não me sinto com
o "estigma" referido. Esta abordagem é falha e se origina de
press releases antigos, não atualizados, que tentam
perpetuar na identificação do sucesso de início de carreira,
como se fosse o mais importante de um trabalho musical que
realizo há 30 anos em constantes evoluções. Talvez, achem
cômodo a simplória desinformação, mas em setores bem
informados da mídia, este fato não ocorre.
Esta música
tem identificação bastante ampla e quantidade significativa de
regravações nacionais e internacionais. Cada intérprete
fornece sua própria versão, mas muitas outras de meu
repertório musical também têm este mesmo tratamento de
respeito, aceitação e identificação. Não carrego mágoa, isso
não influência meu trabalho que está bem acima. Estou ocupado
com muitas atividades, vivendo e trabalhando no que sempre
faço, os que veiculam informações do passado como se fossem do
presente é que precisam se informar das outras 249 músicas
gravadas e de outras 50 que estão em processo de
lançamento.
Tem muita coisa ruim sendo executada nas
rádios e também mostrada pelas TVs. A que você atribui isso:
falta de criatividade ou é a mídia que mostra apenas o que lhe
interessa?
Tem mesmo, mas também tem algumas poucas
e boas que ainda aparecem, muitas outras boas ou melhores
estão sendo ocultadas pelo esquema que à revelia pública foi
implantado, de forma explícita ou velada e todos nós sabemos
que não é por falta de criatividade dos artistas brasileiros.
A música brasileira é, comprovadamente, umas das que têm maior
pujança, força e diversidade rítmica e musical aliada à poesia
das letras que, sem dúvida, relatam o novo mundo de forma
panorâmica como quase nenhuma outra.
Isso seria um
reflexo de que a população continua sendo
manipulada?
Como ouvinte e telespectador eu já não
gostaria de grande parte do que nos empurram para consumir nos
canais e estações comerciais (que na realidade são concessões
públicas para informação que, no mínimo, deveriam ter
dignidade ao atender legítimas ansiedades e necessidades do
público, tanto no que toca às informações básicas, quanto ao
mínimo de diversão e arte a que todos temos direito). Estamos
sendo tratados como idiotas consumidores do mais baixo nível
de programações de imagens e sons destinados a uma grande
massa, como nunca se viu ou ouviu antes no Brasil, manipulados
sim, por quem imagina que é isto que o povo gosta. Eu me
respeito e faço parte do povo, minha condição de artista não
me distancia, ao contrário muito mais me aproxima, também
tenho filhos e quero o melhor para todos. E, atenção! Não falo
de forma moralista e sim querendo melhor qualidade. É absurdo
a formatação que estão nos impingindo à força.
A
volta dos festivais poderia representar uma retomada para que
o povo voltasse a ter contato com um trabalho mais de
qualidade?
Depende de quais festivais, existem
vários espalhados por todo o país, nenhum deles com alcance de
mídia nacional. Em alguns realmente acontecem coisas
interessantes, mas quando algum é formatado neste nível de
mídia nacional, gravadoras e emissoras de TV já os controlam
de tal forma, que fica difícil encontrar verdade democrática
de oportunidades. Mas, de qualquer forma, sempre acredito que
pelas brechas dos filtros, muita coisa boa pode vir à tona.
O artista em geral tem o poder de ser formador de
opiniões e não é à toa que muitos são procurados para trabalho
político (alguns o fazem por ideologia). Você já atuou para a
campanha de alguém? Aceitaria apenas por ideologia, ou por
vantagens contratuais?
Minhas músicas e letras se
definem por si mesmas, nunca precisei aliar idéias, ética,
estética ou minha existência pessoal e artística a partidos
políticos ou ideologias. Claro que, como cidadão, tenho minhas
preferências e posso pontualmente escolher e acreditar em
alguns políticos, independente de suas cores, mas é coisa cada
vez mais difícil e rara nas atuais conjunturas. Não preciso de
ideologias para viver, o artista deve estar muito acima de
filiações partidárias, conchavos políticos, tráficos de
influências, mas se for convidado para formar opinião através
de sua arte, que o saiba fazer por credibilidade a quem
oferece seu apoio e antes se informar muito bem para ponderar
sua escolha. Nunca para obter vantagens contratuais ou
equivalentes ideológicos, porque estas cargas pesadas quase
sempre são acompanhadas de outros ônus.
Como você
define o cenário político do País? Quais suas
expectativas?
Caótico, precisa rapidamente ser
redimensionado, repensado, modificado para melhor, os quadros
que estão aí em quase todas as áreas, não servem mais para o
Brasil de hoje, já faz muito tempo. Tenho, como todo o povo
brasileiro, que está consciente da atual gravidade das
situações gerais básicas, grandes expectativas nesta próxima
eleição. É um momento crucial em que teremos oportunidade de
modificar pelo voto o País, escolhendo outras formas de
governabilidade, nosso próprio modelo, não mais atrelado de
forma tão servil a interesses mesquinhos que sempre diminuíram
nossa importância diante de todas as nações. É de vital
importância que nos reconheçamos em nossa dignidade pela
dimensão real de uma grande nação, de importância fundamental,
vou ajudar com meu voto unitário, o voto de um cidadão, não
acredito em revoluções pré-fabricadas, não acredito em
soluções mágicas de equipes econômicas quase todas elas com o
rabo preso em outros interesses, também não acredito na
continuidade desta situação que de tão ruim
basta.
[ Redação Cruzeiro do Sul
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