Ednardo canta os mystérios
Depois de 20 anos sem se apresentar em Porto Alegre, o cearense faz show amanhã no Teatro do Sesi
RENATO
MENDONÇA Quem viu não esqueceu. Era final de 1982, e Ednardo, com a carreira colorida pelo megasucesso do hino Pavão Mysteriozo, lotou o Teatro Leopoldina (hoje Teatro da Ospa) com gente jovem reunida, uniformizada de sandália de couro e bonés como os do ídolo cearense. Amanhã à noite, no Teatro do Sesi, Ednardo volta a Porto Alegre. O figurino da platéia deve ser diferente, mas a trilha sonora incluirá sucessos da época como Pavão Mysteriozo, Terral, Artigo 26 e Enquanto Engoma a Calça, além de canções do novo CD de Ednardo, Única Pessoa (2001) Ednardo conversou com Zero Hora no que ele chama brincando de seu "escritório", um café em Copacabana. Com o habitual boné, parece confirmar um dos versos de Pavão Mysteriozo - "Me guarda moleque, de eterno brincar". - Adoro o Sul. Rio Grande do Sul e Ceará são os extremos que se tocam. O cearense é cigano como o gaúcho, nossas músicas são um mosaico que mistura regional, funk, MPB, rock... |
Divulgação / Fotos de Adriana Pitiglianni |
O compositor cearense de 57 anos lembra que fez parte do mosaico
gaúcho numa noite de outubro de 1982, durante o festival Cio da Terra, em Caxias
do Sul. Ele e Hermeto Pascoal eram as grandes estrelas do evento.
- Foi
maravilhoso. Conheci Nei Lisboa e Bebeto Alves. Toquei quando o Sol estava
aparecendo. Tomei uns vinhos tintos e cantei só de camiseta num frio de -2
ºC.
Da conversa, saem algumas explicações para o estilo cheio de imagens, de
letras trabalhadas, de criação de uma mitologia poética. Ednardo diz que seu pai
e seu avô são seus arquétipos. O avô, índio, contava histórias de realismo
fantástico deitado na rede, o pai era fanático por Mario Quintana. Mas nas
rádios da época conviviam Luiz Gonzaga, Beatles e Orlando Silva. Entre 1965 e
1973, no entanto, Ednardo lutava para ser artista. Trabalhava entre 23h e 7h na
Petrobrás, dormia de manhã, estudava de tarde e tocava de noitinha na cena
efervescente de Fortaleza, que renderia o Pessoal do Ceará - de Amelinha, Fagner
e Belchior, entre outros.
Ednardo ficou sabendo de seu sucesso pela
televisão
- Tinha lançado o elepê Pavão Mysteriozo, mas sem grande
repercussão. Um dia, estava de excursão não sei bem onde, e de repente liguei a
TV na novela das 10 e lá estava, na abertura, o maracatu Pavão Mysteriozo tocado
na íntegra. Uma semana depois, já tinha vendido 150 mil. Na outra semana, mais
150 mil.
Ednardo acaba de lançar CD com
Belchior e Amelinha
Ele diz que foi abençoado, porque já tinha
dois discos gravados (Berro e Azul e Encarnado, que acabaram ofuscados) e não
deixou a explosão do Pavão direcionar sua criação. Mas não desdenha do maior
sucesso:
- É o cruzamento do cordel urbano com a mídia eletrônica. Já teve
quase 30 regravações no Chile, no Japão, até no Xingu.
Entretanto, a
inquietude criativa de Ednardo, cioso de sua autonomia, custou 10 anos fora do
disco. Seguiu fazendo shows por todo o Brasil, criando trilhas para filmes (como
Luzia Homem, de Fábio Barreto).
Segundo o cantor, esse exílio midiático,
"castigo" por seu comportamento, se deve também à extinção de uma espécie - "a
do programador de rádio que é independente".
O exílio tem sido amenizado
nos últimos anos à força do CD Única Pessoa, em que Ednardo canta composições de
outros autores, inclusive Sinal dos Tempos, dos gaúchos Totonho Villeroy e
Bebeto Alves, e do ótimo CD Pessoal do Ceará, em que Ednardo se junta a Belchior
e Amelinha para cantar sucessos como: Como nossos Pais, o eterno Pavão,
Mucuripe, Artigo 26 e Alucinação. O relançamento da trilha sonora da novela
Saramandaia e do CD Cauim (1978) se somam para reforçar a volta de Ednardo à
mídia. Mas nada que o faça mudar de filosofia de arte e de música:
- Só gravo
o que acredito. O sucesso só tem sentido quando você puder fazer como o Guga,
que venceu o Roland Garros, desenhou o coração na quadra e deu o carro de
presente.
ZERO HORA - Sexta-feira
26/04/2002 Página: 05 þ BOX - Segundo
Caderno
Ednardo, 20 anos
depois
Criador do "Pavão Mysteriozo" faz show hoje
no Teatro do Sesi
RENATO MENDONÇA
Certo, vai ser difícil encontrar a sandalinha e o boné de couro, mas
mesmo assim vale a pena reencontrar Ednardo e seu Pavão Mysteriozo, que há
20 anos não se apresentam nos palcos de Porto Alegre. |
Ednardo, agora, está de volta graças à febre dos relançamentos e compilações,
lembrado por sucessos como Pavão (claro!), Artigo 26, Na Hora do Almoço,
Enquanto Engoma a Calça, Pastoril e Terral, que parecem
não sentir o
tempo.
Tudo para ser conferido à noite, na prova dos nove do palco, quando
Ednardo puser seu pavão para correr ao lado do guitarrista Dino Rangel. O
revival também pode ser levado para casa, embalado no disco Ednardo, Amelinha
& Belchior, que acaba de ser lançado.
Pessoal do Ceará - CD
Quando Ednardo, Teti, Rodger Rogério, lançaram o elepê Pessoal do Ceará, em 1972, o impacto foi imediato. O disco apresentava uma alternativa urbana e rejuvenescida para o cordel. Trinta anos depois, o Pessoal do Ceará - Ednardo Amelinha, Belchior, se reúne com outra missão: voltar ao convívio do grande público, conferir se a fórmula que mistura elementos regionais com musicalidade pop não está com o prazo de validade vencido. Consegue isso em boa parte das 14 faixas, produzidas por Robertinho de
Recife. Não há como não reconhecer a voz tensa de Amelinha cantando
Mucuripe. Nem deixar de batucar na mesa quando o maracatu Pavão
Mysteriozo começa a correr. |