Pessoal do
Ceará
Amelinha,
Belchior e Ednardo lançam CD com regravações de sucessos dos anos
70
No início dos anos
70, uma corrente migratória trouxe vozes nordestinas para a MPB produzida no
eixo Rio-São Paulo. Antes da explosão dos paraibanos Elba e Zé Ramalho, Elis
Regina revelou a poesia dos cearenses Fagner e Belchior ao gravar Mucuripe
no seu disco de 72. No ano seguinte, Ednardo se uniu a Rodger
Rogério e a Teti para gravar o LP Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na
Viagem. O grupo se chamava Pessoal do Ceará – título do disco que, quase 30 anos
depois, marca a bem-vinda reunião de Ednardo com Amelinha e Belchior. Rejeitado
pelos colegas, Fagner foi excluído do projeto.
Produzido por Robertinho de Recife, o CD Pessoal do Ceará traz
apenas duas músicas inéditas: o arretado coco/repente Mote, Tom e Radar,
de Ednardo, e a canção Bossa em Palavrões, de Belchior. O repertório é
essencialmente centrado nas músicas lançadas por Ednardo e Belchior nos anos 70.
Mas os arranjos afiados de Robertinho de Recife dão frescor ao disco –
idealizado na carona do sucesso do projeto O Grande Encontro, que rendeu
três discos com a reunião de Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho (Alceu
Valença participou do primeiro CD, mas se desentendeu com os
colegas).
Oferecido
primeiramente à gravadora Atração, o disco Pessoal do Ceará acabou sendo
negociado com a Continental, a companhia que lançou em 73 o primeiro e único LP
do grupo homônimo formado por Ednardo naquele ano. Apesar da fórmula já gasta, o
CD soa sedutor justamente pela força das composições de Ednardo. A obra de
Belchior já tem sido exaustivamente regravada – sobretudo pelo próprio cantor –
e oferece pouca novidade, mas a produção de Ednardo merecia mesmo um releitura
caprichada. O disco, aliás, abre com uma obra-prima dele, Terral, espécie
de manifesto do orgulho de ser do Ceará. A música é cantada pelos três artistas,
assim como Artigo 26, outra inspirada composição de Ednardo, gravada em
clima de arrasta-pé junino. Ainda em trio, os cantores reavivam as imagens
fantásticas de Pavão Mysteriozo, o maior hit de Ednardo, popularizado na
trilha da novela Saramandai a , em 76.
Belchior marca
presença pela aspereza sensível dos versos de músicas como Alucinação
(cantada apenas por ele), A Palo Seco (recriada pungentemente pelo trio) e
Mucuripe (revivida na voz solo de Amelinha). Exceto Como Nossos
Pais, desvalorizada pelo arranjo pobre do tecladista Luiz Antonio, as músicas de
Belchior ainda soam cortantes, embora criadas para um contexto sócio-político
específico, marcado por censura ditatorial e pelo fim do sonho hippie. Mas o que
sobressai mesmo no repertório são as músicas de Ednardo, autor de jóias
regionalistas como Pastoril e o forró Lagoa de Aluá. Tanto
que Fagner nem fez falta no disco do simpático pessoal cearense.
Jornal O DIA -
Estúdio -Mauro Ferreira- Rio de Janeiro, 09 de abril de 2002
http://odia.ig.com.br/colunistas/estudio.htm