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Jornal Tribuna da Imprensa - BIS

Rio, Quarta-feira, 16 de maio de 2001

Depois de uma década longe dos estúdios, Ednardo lança ' Única Pessoa '

"Coração é o quintal da pessoa"

Mônica Loureiro

Existem artistas brasileiros que são rotulados como "os de um único sucesso", o que na maioria das vezes é uma forma injusta de se analisar o trabalho deles. Afinal, é mais fácil pensar que o cantor/compositor está sem produzir nada porque anda longe dos estúdios do que oferecer espaço para divulgar seu trabalho. Quando se fala em Ednardo, por exemplo, a associação é imediata ao estrondoso sucesso de "Pavão mysterioso" na década de 70.

O que muitos desconhecem é que o cantor e compositor tem mais de 250 músicas gravadas e que, mesmo sem lançar discos há 10 anos - o último foi "Rubi", em 91 -, nunca parou de fazer shows pelo país. "Nesse tempo, as gravadoras têm jogado no mercado muitas compilações e regravações de minhas músicas. A BMG - a antiga RCA - vai comemorar 100 anos de existência no Brasil e com isso vai relançar o `Pavão' na íntegra ainda em 2001", adianta Ednardo.

O cearense volta agora aos discos com "Única pessoa", um lançamento do selo GPA com distribuição pela Ouver Records. "É um projeto que já estava pronto há dois anos. Quando o pessoal da GPA me convidou, eu sugeri que o colocassem em prática. É um disco de intérprete, e só pela insistência do Guti Carvalho (produtor) é que coloquei `Única pessoa', uma música minha em parceria com Chico César", conta Ednardo. Ele lembra que por toda a sua carreira ele trabalhou com músicas de outros compositores. "No primeiro disco, tinha Fagner, Humberto Teixeira; no segundo, lancei Fausto Nilo".

O novo CD é marcado por essa diversidade de compositores, mas Ednardo destaca que nada está jogado ao léu - há um roteiro cuidadosamente elaborado. "Ao longo de minhas viagens pelo Brasil, fui conhecendo compositores e intérpretes. As pessoas costumam falar que a MPB está em crise, que os artistas se repetem... Basta um ouvido mais atento para saber que há muitos talentos por aí, mas que nem sempre têm chance de chegar ao público", opina.

Ednardo considera uma grande responsabilidade ter reunido tantos nomes em seu CD, mas diz que se sentiu bem à vontade com o trabalho. São composições de brasileiros de "Norte a Sul", como os cearenses Rogério Soares ("Pedra da lua") e Clésio Ferreira/Augusto Pontes ("Folia ou pressa"), os paraenses Nilson Chaves e Jamil Damous ("Da minha terra") e os riograndenses Bebeto Alves/Totonho Villeroy ("Sinal dos tempos", com participação de Belchior).

Ednardo incluiu as regravações "Fruta boa", de Milton e Fernando Brant, e "Futuros amantes", de Chico Buarque. E justifica. "Em `Fruta boa', eu acho o máximo a frase `coração é o quintal da pessoa'. Essa coisa da pessoa se descobrir através da parte mais `fragilizada' ou emocional. Sempre tive vontade de gravar algo de Chico e encontrei esta oportunidade agora, em `Futuros amantes', principalmente por causa do fio de condução desse disco. É uma música que fala desta coisa humana que nós temos, o amor".

Ao lado de Raimundo Fagner e Belchior, Ednardo integrou aquela geração de artistas cearenses que ficou conhecida como `Pessoal do Ceará'. Passados 30 anos, ele é cuidadoso ao responder se alguma vez se sentiu injustiçado: "É difícil responder, não quero me colocar num bloco de injustiçados... Faço shows lotados por todo o Brasil, até para 50 mil pessoas.

Isso responde melhor a defasagem entre o que o público dá de resposta ao meu trabalho e o espaço que tenho na mídia e nas gravadoras. Falando em termos gerais: a música brasileira vai muito bem, a maneira de divulgá-la é que vai mal". Ainda assim, Ednardo se mostra otimista com "Única pessoa", assegurando que a repercussão está excelente.

"Lançamos o disco no início do ano no Nordeste e agora que estamos chegando ao Sudeste. Sabemos que a GPA/Ouver, parceiras, não têm o poder de fogo das grandes multinacionais, mas estamos conseguindo boas matérias nos jornais e fazendo uma distribuição cuidadosa", diz.

O cantor e compositor tem planos para lançar mais dois discos ainda este ano. Um será o registro de shows feitos em São Paulo e outro reunirá as trilhas que compôs para o cinema. Quanto a shows, Ednardo diz que já recebeu convites para fazer o lançamento do CD, mas que está à espera de uma boa oportunidade. "No Rio e em São Paulo nós precisamos ter cuidado redobrado para mostrar um trabalho bem feito", brinca.

CRÍTICA

"Única pessoa" /Muito bom
As várias formas de se falar (bem) de amor

O cantor e compositor Ednardo andou muito tempo "esquecido" pelo meio fonográfico, mesmo não tendo parado de trabalhar em nenhum momento. Depois de um longo jejum, ele volta aos estúdios e lança "Única pessoa", uma parceria da Ouver Records e da GPA Music.

Ednardo apresenta um disco de intérprete, pinçando compositores de várias partes do país. Cada faixa é tranformada em uma agradável descoberta de novos talentos - ou na rememoração de alguns que andavam meio afastados. Mas também tem duas regravações de nomes já bastante reconhecidos: "Futuros amantes", de Chico Buarque, e "Fruta boa", de Milton e Brant, onde a voz de Ednardo parece deslizar pelas cordas dos violões. Aliás, ele consegue conjugar uma voz assentada e melíflua ao interpretar os diferentes e cuidadosos versos de amor presentes no disco.

O CD abre com "Folia ou pressa" (Clésio Ferreira/Augusto Pontes), onde o arranjo delicado inclui zambumba e triângulo. "Pedra da lua" (Rogério Soares) muda o tom com cítaras e violões; "Sinal dos tempos" (Bebeto Alves/Totonho Villeroy) tem participação do conterrâneo Belchior. Ednardo também investe em diferentes ritmos, cantando bolero em "Noche de ronda" (Maria Tereza Lara) e tango em "Poema imortal" (Lauro Maia/Humberto Teixeira).

Um gosto tropical tempera os versos de "Ave de arribação" (Javier di Mar-Y-Abá) - "Represa do açude dos desejos,/Que a estiagem dos teus beijos/Faz secar de solidão" -, que abre caminho para a sentida "Univers em mim" (Régis Soares/Chico Pio/Neudo).

A última faixa, homônima ao título do disco, é a única de autoria de Ednardo - em parceria com Chico César - e traz arranjos que remetem bastante a "Pavão mysterioso". Agora é torcer para que Ednardo volte a gravar com regularidade, resgatando assim seu espaço mais do que merecido no mercado fonográfico.

ÚNICA PESSOA - novo CD de Ednardo. Lançamento Ouver Records/GPA Music. 12 faixas.