EDNARDO, O REPÓRTER DE UMA GERAÇÃO

Sara Amorim

Revista NOSSA MÚSICA / MG - 1984

Ó Todos os Direitos Reservados

 

José Ednardo Soares Costa Sousa, um cearense que afirma ter nascido numa das maiores ruas do mundo- "...na rua Senador Pompeu, que lá em Fortaleza, nasce na beira da praia, corta a cidade numa linha reta, vai para os subúrbios, vira uma estrada que cruza todo o Estado do Ceará, dali, para o Nordeste, para o Sul, para outros mundos" - simbolicamente via terrestre de chegadas e partidas.

Ednardo, cantor e compositor nordestino, sem a obrigatoriedade do regional, porque é importante "diversificar e trazer a voz de cada lugar, pois são muitos os Brasis dentro de um Brasil e diante da fusão de tantas culturas e raças, não tem muito sentido se deixar fechar em gavetas tão particulares".

Em dez anos de carreira artística discográfica, Ednardo residiu sete anos em São Paulo, três anos em Fortaleza, um pouco afastado da vitrine cultural e artística do Rio de Janeiro. "O Rio de Janeiro e São Paulo são duas cidades motoras e também duas grandes vitrines, é como se fossem departamentos dos mais importantes numa grande loja chamada Brasil, nesta visão simbólica, em todos os momentos existe o reconhecimento das coisas incríveis do que aqui se faz, do verdadeiro e fundamental ao passageiro, é importante estar por aqui".

Seu afastamento da grande roda de arte no Rio, (decisão: autônoma ou forçada?), também trouxe para ele a compreensão que a música brasileira não acontece só nos meios de comunicação de massa no chamado eixão Rio/São Paulo - "Esta interação acontece também entre pessoas de cabeça, onde se possa fazer, ser e estar, junto a fontes receptoras e transmissoras dessa energia, num universo em que se goste de música e entenda-se os diversos setores e transas do show, do disco - O aprendizado é você trabalhar no Brasil."

Em 79, encabeçando a efervescência cultural que brotava mais uma vez no Ceará, Ednardo lançou a idéia do show e disco duplo "Massafeira" onde se reunia com Fagner, Belchior, e convidados especiais como Zé Ramalho, Walter Franco, Amelinha, Patativa do Assaré, e mais de uma centena de artistas, entre gerações (antigas, atuais e novas), músicos, compositores, autores, escritores, plásticos, poetas, dramaturgos, cineastas, entre outras formas de manifestações, num momento de transformações plenas que estavam vivenciando as pessoas do nordeste e estes artistas.

Entre profético e antológico ele comunica: "Na realidade eu não escolhi um caminho. Eu ando em muitos caminhos, que são múltiplos".

Em sua carreira ininterrupta, neste momento, suas músicas pouco tocam nas rádios e televisões, e para nossa curtas (e programadas) memórias, lembramos a música "Pavão Mysteriozo" e "Terral", e que são dez discos e pouca explicação para esta ausência nos meios de comunicação.

Ele, (como todos nós), sentimento de margem, de 76 para cá muitas coisas aconteceram, ele continuou em movimento, mesmo com os fatos da exagerada, incabível e proposital não detectação e não divulgação de suas músicas, por parte de quem ou de que.

"Nossas músicas e palavras da maneira como somos e falamos, tiveram espaço, durante algum tempo, logo depois veio a neurose da ditadura, - o Pessoal do Ceará, Ednardo, Fagner, Belchior, foram tendo cada vez menos espaços no mass mídia, e nas comportas das salas de reuniões, se articulam planos, na maior das vezes, objetivos demais para qualquer projeto artístico de vida longa, e quem embarca nessa artisticamente?"

"A filtragem da linguagem musical do Brasil, acontece mesmo assim, e se define, a princípio, como um ataque cultural nos meios de comunicação e muitas vezes pessoal, depois se espraia para o grupo e o divide - De alguma forma nós representamos um pensamento denso e coeso da maneira de ver o mundo de um ponto de vista brasileiro".

"E o artista é o espelho disso aí, mas também ele coloca observações próprias, em relação ao que ele pensa, ao que ele vive, a emoção dele e tudo aquilo que ele consegue criar através de sua percepção. Em termos mais densos, ele é o retrato e reportagem de seus cotidianos".

"A escamoteação da linguagem brasileira, que não parte só das estações de rádio, televisão e imprensa escrita, é também perceptível no sistema informático brasileiro, na pulsação deste últimos 20 anos, e este definhamento cultural é a tradução arbitrária destas ações de um lado originadas por programas inadequados e definidos às vezes por interesses, outras vezes, por falta de informação, e uma parte mínima mas atuante, pelo medo do novo".

"Este "novo" (vai entre aspas) pode ser velho, pacas!

"O monopólio dos meios de comunicação de massa, numa malha política que também pode estar equivocada, pode corromper um País, mas que por si só, envelhece, ou se transforma, senão apodrece e desaparece, pela própria necessidade de todo o mundo viver uma nova realidade".

"As pessoas que moravam no Brasil, se conscientizaram primeiro pela cabeça, mas não fez muito efeito, principalmente naquela época, depois pelo estômago, pela moradia, pelo salário, pelas condições dignas de vida, pela saúde, pela cidadania. As pessoas procuraram saber o que realmente aconteceu, naquela época em que o milagre brasileiro indicava que o produto interno bruto estava ótimo e embalados por todas as campanhas de esportes e euforias de mercado, e dívidas, a música brasileira deu o primeiro aviso.

Pesquisa Condensada Aura Edições Musicais - 2000

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