O espírito irrequieto de
Ednardo, o leva no ano seguinte a produzir outro disco decisivo, em 79 é
gravado entre outras, as canções: "A Manga Rosa", "Numa Boa", "Torpor",
"Araguaia" e o sucesso "Enquanto Engoma a Calça" - "Arrepare não,
mas enquanto engoma a calça eu vou lhe contar, uma história bem curtinha,
fácil de cantar, porque cantar, parece com não morrer, é igual a não se
esquecer, que a vida é que tem razão".
Nos anos de 80 a 83,
residindo em Fortaleza, além do estimulante e vanguardista disco
"Imã",(80), ele produz e participa do disco duplo "Massafeira", (80),
projeto que reúne cerca de 250 artistas do nordeste e de outras regiões do
país, incluindo várias gerações com propostas artísticas diferenciadas,
nas áreas de música, cinema, literatura, poesia, artes plásticas, teatro e
outras formas de manifestações. E em 82, grava o disco "Terra da Luz", que
mostra a influência benéfica que a terra natal trouxe, sem no entanto
desligar a sua ampla e aguda visão do mundo exterior.
Agora em 83,
quando chega ao décimo ano de sua carreira discográfica, a comprovação de
que neste trajeto ele foi absolutamente fiel ao seu projeto de arte. O
artista nunca gostou de ser enquadrado num grupo ou movimento sectário,
mas uma constatação é inevitável no seu universalismo, Ednardo foi quem
melhor traduziu na MPB contemporânea, o Ceará, sem levantar bandeiras ou
apelar para ufanismos.
Sua música traz cheiro da terra e da brisa
do mar, e é a partir daí que se estabelecem as pontes com o mundo. Ele
chega a qualquer espaço, qualquer cabeça. É claro que para isso contribuiu
toda uma formação eclética e uma ampla vivência. Além dos shows por todo o
Brasil, Ednardo viveu os anos 70 entre o Rio e São Paulo.
Ednardo
comprova em seu décimo disco uma trajetória iluminada que abriu muitas
rotas para nossa música popular. Este seu novo trabalho sintetiza muito
desse caminho, mas também mostra o cantor e compositor num momento de
transformações. Aliás, sem ser incoerente, ele sempre foi um mutante. O
novo "para espantar o tédio", ou o "RockCordel", numa fusão de John Lennon
e Cego Aderaldo, rocks dos chamados primeiro e terceiro mundos, sem
prioridades e classificações. "Um rockcordel pra acordar todo o
prédio". Como um estado de espírito universal, rebeldia, não
acomodação. Porque acomodado nunca foi, nem quis faturar em cima de
sucesso fácil ou do tititi em torno de um grupo estanque. Daí a
diversidade do atual disco, que traz uma mistura salutar: maracatu,
reggae, samba, lambada, rock, frevo, balada e xote. Sem fronteiras
rígidas ou hibridismo. Mas, é deste aparente caos que surge uma
identificação própria e como ele próprio sugere - "a captação desta nova
linguagem do Brasil". - Linguagem viva, atuante e pulsante, que não se
restringe a fórmulas e aos pacotes.
Escutem a contagiante "Rubi",
uma lambada - ritmo do Caribe que também é muito difundido no norte e
nordeste do Brasil - que é uma "Coisa boa de se cantar"- "e eu trouxe a
todo momento essa pedra rubra ardendo, pra poder nos descobrir, te achar é
seguir em frente, e verás que a luz aumenta, cada vez que toca em ti, o
tom de um canto cristal, além do bem e do mal, a gema rara
rubi".
"Tudo" - um dos
momentos mais bonitos do disco por sua estrutura baladística, etérea,
viajante, define este estado: "...Vozes d’Anunciação, em quatro cantos
cantarão, no soar de mil clarins, tudo, muito, claro, sim, pulsa o ritmo
que unirá, a força elementar, tudo o que é, tudo o que foi, tudo haverá,
... Romance Gitano, Trilha de Tuareg, longo caminho... Nostradamus nós
estamos em um nove oito quatro, cabe a todos se fazer, o sol brilha,
brilha, brilhar". - Da citação de Garcia Lorca à consciência de que nós
mesmos é que faremos o caminho, Ednardo acredita no ser
humano.
Também comprovam isso "Arraial", "Café com Leite" - com uma
fusão saborosa dos ritmos nordestinos pra pular, xotefrevobaião, a sanfona
do Zé Américo e a guitarra do Manassés - e "Nova Raça" - "...Toda a vida é
um relâmpago que brilha, moto contínuo pra se cantar, numa canção de
rádio, ou num veloz metrô, que navega na voz de um computador, soletrando
os dígitos da palavra amor, ou no tan tan tan tan do
tambor..."
Sem saudosismo, o cantor e compositor é, e aponta
a nova raça que está nascendo neste admirável, imprevisível mundo
tecnológico, ao mesmo tempo que satiriza, num sambafoxé este país do
futebol e carnaval: "Mamãe não quero ser um banqueiro... Papai não quero
ser um soldado... Papai Mamãe a sócio elite, juntando para o amanhã, mas
se explodir essa bomba, acaba hoje um amanhã tão rosê". Num
mundo que tentam pintar apenas entre o trágico cinza e o deslumbrado cor
de rosa, Ednardo traz todas as cores e muito mais, além do arco íris, mais
do que a íris consegue captar.
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