UMA LUZ NO FUNDO DAS TREVAS

Ana Maria Bahiana

Jornal O GLOBO - 1982

Ó Todos os Direitos Reservados

Na capa do disco, uma luz difusa, meio rosada, ilumina o rosto do artista; no logotipo, um prisma e um arco-íris sublinham o título, a idéia central de todo o disco: "Terra da Luz". Na contracapa, Ednardo quase desaparece num amplo espaço claro, aberto, talvez uma praia, talvez uma planície de onde emanam calor e luminosidade.

"A Terra da Luz é Fortaleza - Ednardo explica - Quando você convive intensamente com a cidade, como eu fiz nestes últimos três anos, percebe todas essas características sutis do lugar, o que lhe é mais próprio. E a luz em Fortaleza é muito especial."

O disco tem uma sonoridade semelhante ao visual de sua embalagem: transparente, tranqüilo, centrado sobre tudo no ritmo, que Ednardo desmonta e recompõe com agilidade e invenção - um maracatu se desdobra num rock, um blues emerge inesperadamente - com um notável trabalho de instrumentos de cordas, a cargo de Manassés (guitarra, violão, cavaquinho), Carlinhos (bandolim), e Robertinho de Recife (guitarra).

Ednardo confirma a impressão - a serenidade foi o eixo central da concepção e realização de "Terra da Luz".

"O nome veio por último, mas a idéia já estava lá. Os sete anos que eu vivi em São Paulo foram me deixando meio trancado, meio amargo, meu disco anterior tinha esta tônica, meio neo-apocalíptico, furioso. A decisão de voltar a morar em Fortaleza foi uma reação instintiva a isso.

As músicas que eu fiz lá - e fiz muitas músicas, mais dois filhos, nesse período - já foram saindo com essa qualidade diferente que, na hora eu nem percebi, tão natural que era. Olhando agora, eu vejo com clareza: são músicas que tem um desafogo, uma tranqüilidade. Não é aquela atitude de esquecer a barra pesada, fazer de conta que nada aconteceu, nem está acontecendo. É, antes, a possibilidade de ver uma luz no fundo das trevas e acreditar nela".

"Terra da Luz", quebra um "auto-imposto" silêncio de dois anos de um compositor que não gosta muito da idéia de badalação. Em termos de atuação constante no eixo Rio-São Paulo - o que equivale quase a um atestado de vida artística para qualquer criador - o silêncio é ainda maior: desde o final de 79, Ednardo mora e trabalha em Fortaleza, apresentando-se pelo interior do Nordeste e só vindo ao Sul para gravar. Talvez por isso seus discos anteriores de 79 e 80, tenham repercutido pouco no eixo sul, e quando lhe pergunto por que sumiu -

"Eu não sumi - Ednardo diz, rindo. - Pelo contrário, trabalhei como nunca. Só que escolhi centrar meu trabalho em Fortaleza e no Nordeste. Pra sentir de novo esta parte do País e perceber o Brasil de um outro ponto de vista nordestino depois de tanto tempo no eixo sul. De outro lado é realmente um fato - o que acontece fora do eixo Rio-São Paulo é como se não estivesse acontecendo, a mão atualmente é daqui para lá. Não reclamo contra isso, é real, a sede das comunicações é aqui. Só que, por uma fase, optei por estar em Fortaleza, agora estou no Rio, porque meu projeto de música não é regional, é nacional e internacional. Atuo como uma pessoa que nasceu em Fortaleza-Ceará, no nordeste do Brasil, sabendo que aquele e este lugar é um pedacinho do Planeta Terra".

"Daqui do sul, muitas vezes se tem uma visão distorcida e estereotipada da cultura nordestina, pra começar ela não é uma coisa só, tem mil facetas e nuances, tem capacidade de digestão e transformações, impressionantes.

Outro fruto dessa temporada é o disco duplo "Massafeira", (e o disco do Poeta Popular de Cordel - Patativa do Assaré - Nota do Editor), originados em grande encontro de músicos, compositores, poetas, artistas plásticos, escritores, cineastas, e tantas outras áreas ligadas as artes e diversas gerações de artistas do nordeste, que Ednardo ajudou a organizar em Fortaleza, do qual uma parte das músicas apresentadas no evento se transformaram nestes discos, pouco conhecidos, mas importantes.

"Guardadas as proporções de divulgação nacional, o enfoque e abordagens, Massafeira é um projeto coletivo tão importante e revolucionário como a Semana de Arte Moderna de 1922, ou o Tropicalismo. Há todo uma proposta estética nova ali, um projeto coletivo amplo, que o diferencia de outros também importantes".

Trocando de cidades, gravadoras, discreto e articulado, um dos artistas do nordeste a chegar no primeiro plano da música popular e ao sucesso no eixo Rio/São Paulo na década de 70, com posições firmes.

"A indústria do disco, é uma indústria como as outras, no tocante às suas razões industriais, mas é diferente, e o artista representa o lado mais sutil na criatividade para ampliar este relacionamento complexo entre setores, que envolvem tantas outras pessoas de sensibilidade e funções profissionais complementares, que influem diretamente no resultado, do que chamam produto final - que é o disco - e para que as músicas, palavras e posição artística sejam concretizadas de forma mais plena a interagir com o público - me sinto até na obrigação de não dar muito ouvidos a visões mercadológicas que possam imobilizar, para preservar o momento saudável de criar e cantar. Ó

Pesquisa Condensada Aura Edições Musicais - 2000

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