PANORÂMICA I

Ana Maria Bahiana

Revista SOM TRÊS - 1977

Ó Todos os Direitos Reservados

Setentrional, equatorial, longínqua, fechada, orgulhosa, aberta, revolucionária, foco, semente, capital, província, fortaleza.

Fortaleza, Ceará. Seus intelectuais, no tempo da colônia e do império, desprezavam a remotíssima Côrte do Rio e se correspondiam diretamente com Paris. E não sonhavam liberdade e república: faziam.

A Padaria Espiritual, muito louca para aquele rincão esquecido dos reis, nasceu assim. Muitos foram presos, torturados e mortos por causa dela. Da Padaria. Da liberdade.

Cidade de mar, alagada de sertão. Migrantes. Maracatus.

Muito do som ouvido no Brasil nos anos 70 partiu dali. Já virou folclore - o bar do Anísio, os estudantes, os ecos dos distantes festivais de São Paulo e Rio, as rodas de violão, os festivais locais. Onde se operou uma forma de música sintética que repetia as lições da Tropicália de ouvido, de intuição, mais na luta de abrir portas daquela fortaleza que de ganhar o mundo. Roberto Carlos e Patativa do Assaré. Orlando Silva e Beatles. Rabeca e guitarra. Canção e batuque.

EDNARDO

Há anos Ednardo deixou sua Fortaleza, e veio parar em São Paulo, depois de algum tempo no Rio de Janeiro. Cumpria parte do destino de sua geração: abandonada a faculdade (que o deixou contudo, com rigoroso espírito lógico), concluído o circuito dos festivais locais, esgotadas as espontâneas reuniões de músicos e poetas do bar do Anísio, ele vinha mostrar no sul, a peculiar fusão de música nordestina - no seu caso, com preferência para a beira da praia, maracatus, cirandas, canções - e o rock dos Beatles, dos Rollings Stones e da Jovem Guarda. Foi o destino de muitos conterrâneos - Belchior, Fagner, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho.

Dado os primeiros passos em sua carreira profissional com os discos "Meu corpo minha embalagem todo gasto na viagem"- dividido com a dupla Rodger e Teti (definido como o disco do Pessoal do Ceará), e "O Romance do Pavão Mysteriozo" (vigoroso álbum conceitual sobre a vivência da migração, da viagem), quando o sucesso veio em 76, com a música "Pavão Mysteriozo" escolhido como tema da novela Saramandaia, tornando-se um dos discos mais tocados e vendidos daquele ano.

O ROMANCE DO PAVÃO MYSTERIOZO

O disco selvagem de Ednardo, de som tosco, produção nenhuma - mas que força. Permanece como um dos seus trabalhos mais íntegros e veementes, seu statement.

Há uma história sendo contada - um ciclo de migração Norte-Sul desenhado em doze canções, realmente memoráveis, "Avião de Papel", "Desembarque", "ÁguaGrande".

Aqui pela primeira vez o registro da canção-hino dos cearenses: "A Palo Seco" numa interpretação sequíssima mesmo. E "Pavão Mysteriozo" que virou sucesso nacional nas asas da novela Saramandaia.

O AZUL E O ENCARNADO

Uma idéia inteira, filhote mais maduro do disco "Pavão Mysteriozo" - dois cordões de raciocínio, opostos, como dos pastoris, desenvolvidos ao longo das canções, e um elenco brilhante de músicos: Só as guitarras de Robertinho de Recife e Manassés já eram um banquete, mas ainda há Túlio Mourão nos teclados.

As idéias se embarafundam na dança dos cordões, a música é ótima, o som vigoroso, e o pique não cai, sustentado por uma seqüência de ganchos.

"Boi Mandingueiro", é um curta metragem sobre os expatriados da sorte, e "Armadura" é mais uma das belíssimas e peculiares canções de amor que Ednardo sabe fazer.

Pesquisa Condensada - Aura Edições Musicais - 2000

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