A INFLUÊNCIA DOS SETE ANOS NA EXPLOSÃO MUSICAL CEARENSE

Nelson Motta

Jornal O GLOBO - 1976

Ó Todos os Direitos Reservados

Em pouco mais de uma semana o disco de Ednardo, com o "Pavão Mysteriozo", vendeu 50.000 cópias e já galga os primeiros lugares das fechadíssimas paradas de mais vendidos no Rio e em São Paulo. Claro que graças à divulgação que sua música recebeu nas chamadas de abertura de "Saramandaia".

Como se sabe, a música foi gravada há dois anos atrás e incluída no disco com o mesmo título, e quase ninguém tomou conhecimento do trabalho, por falta de divulgação. Note-se que o disco tem também, outras gravações, tão boas quanto. Isto tudo quer dizer que uma música de qualidade, original, forte, só precisa de divulgação para cair matando em cima das bobagens e jogadinhas comercialóides que infestam as paradas.

Um crédito especial ao produtor musical Guto Graça Mello, ao superintendente da Globo, Boni, ao dramaturgo e escritor, Dias Gomes, e ao diretor Walter Avancini, que acreditaram na música.

Meu amigo André Midani, que acumula também as funções de um dos maiores experts da indústria do disco, tem uma célebre "teoria dos sete anos": independente do gênero que produzam, geralmente os grandes artistas levam em torno de sete anos para a definitiva explosão popular, em níveis mais ou menos intensos - dependendo das propostas do artista.

Ou seja: André elaborou uma teoria (com fortes bases estatísticas e econômicas e até fortes temperos cabalísticos), segundo a qual o prazo de amadurecimento de um artista para o consumo popular é em torno de sete anos.

Um breve exame na biografia de muitos nomes da música brasileira vai comprovar que André - mais uma vez - sacou em cima do lance, com sua experiência e sua sensibilidade.

RUMO AO SUL

Há quase sete anos um bando de rapazes saiu do Ceará e veio para o Sul. Tempos duríssimos para todos. O desafio da construção de uma carreira artística numa barra extremamente pesada. Mais pesada que a enfrentada pelos baianos, há uns doze anos.

Explicando melhor, quando Gil e Caetano vieram para o Rio e São Paulo, era o tempo dos grandes musicais da Record, dos Festivais, tudo favorecendo uma grande divulgação do trabalho de artistas novos como eles.

Além dos nunca assaz louvados méritos criativos, Gil e Caetano, também tiveram a grandeza e audácia de provocarem suas próprias explosões artísticas, deflagrando um movimento depois do qual a música brasileira nunca mais foi a mesma.

É certo que a Tropicália, foi um movimento artístico integrado com outras formas de expressão, como o teatro do grupo Oficina, a arte de Rubens Gerchman e Hélio Oiticica e o cinema de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos.

E o último movimento artístico ( que se tem notícia até aqui ) no Brasil.

Os cearenses ainda chegaram com mais esse peso nas costas: apresentar um trabalho novo e original logo depois que Gil e Caetano já tinham pintado e bordado, virando e revirando a mesa, explodindo no sol dos cinco sentidos.

Ednardo, Belchior e Fagner, seguraram uma muita pesada. A chamada batalha braba, ainda agravada pela total recessão dos musicais na televisão e das oportunidades para artistas novos nos festivais de música. Gravadoras não estavam a fim de arriscar em novidades: os baianos já tinham levado tudo.

Deslumbrado com o disco de Ednardo -"Berro"-, com a poesia cortante de Belchior e com o cante desesperado de Fagner, me atrevo a divulgar as notícias que, na proximidade dos "andré-midânicos" sete anos, os cearenses se posicionam e proporcionam ao público, altas novidades das criatividades. Ou seja: começam a fazer sucesso, a impor trabalhos artísticos originais, a existir na industria do disco e do espetáculo, a ter expressão popular e prestígio artístico no meio musical e na "especializada".

NO BERRO

Ednardo já prenunciava coisas fortes e bonitas em seu primeiro disco individual, - "O Romance do Pavão Mysteriozo"- além da faixa título (hoje na boca do povo, via novela) o disco apresentava outros trabalhos de altos piques, como a interpretação de "A Palo Seco", e o lirismo estranho de "Dorothy Lamour". Antes deste disco, Ednardo conseguiu um episódico sucesso com sua música "Terral", gravada no disco "Pessoal do Ceará".

Ednardo deu poderosa demonstração de coragem e integridade artística no Festival de Música: "Abertura" na Rede Globo, quando apresentou um deslumbrante/delirante trabalho de vanguarda - "Vaila" - e se expôs à ira de um público comportado, acomodado e fechado. Inclusive ouvindo o disco "Berro" de Ednardo, vê-se que aquele festival, teve uma importância enorme nas suas preocupações artísticas. Diversas músicas, como "Classificaram", "Abertura", e a faixa título, "Berro", têm como tema a visão crítica das violências a que são submetidos os artistas novos na luta para impor um trabalho novo e pessoal ao público e aos meios de comunicação.

Exemplarmente, ele explica tudo em "Berro", comparando os novos com vacas, retalhadas no palco-açougue, e no dizer que: "Do boi só se perde o berro e é justamente o que eu vim apresentar".

A título de ilustração, diga-se que Ednardo tem fortes pontos de contato com o lusitanismo e a paixão pela experiência que também existem em Caetano Veloso.

Ednardo tem ligações com Fagner e Belchior, principalmente na ferocidade como atitude artística, já que os caminhos musicais e poéticos não parecem seguir qualquer orientação comum, - com a origem cearense já desmanchada nas influências da cidade grande e na maturidade da criação de cada um. Ó

Pesquisa Condensada - Aura Edições Musicais - 2000

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